THE NEW YORK TIMES, RUKLA, Lituânia — Quando uma transmissão de rádio alertou que a fronteira da Otan estava sob ataque, tanques alemães se espalharam pela floresta para impedir o avanço do inimigo. Em rápida sucessão, homens com uniformes camuflados saltaram da traseira dos tanques e se posicionaram entre as árvores, com seus fuzis de assalto engatilhados.
A batalha que transcorreu numa tarde recente nas proximidades da cidade lituana de Rukla, a 96 quilômetros da fronteira russa, foi apenas um exercício. Mas desde a invasão da Rússia à Ucrânia, a missão do batalhão da Otan estacionado na Lituânia de defender a fronteira externa da aliança deixou de parecer tão abstrata para os soldados e para o país onde a maioria deles nasceu.
“A sensação de ameaça na Alemanha se transformou da noite para o dia”, afirmou o tenente-coronel Daniel Andrä, comandante do batalhão de 1,6 mil soldados instalado na Lituânia. “Antes nos sentíamos seguros, no meio do continente, cercados de amigos. Agora temos uma guerra aberta na Europa e estamos preocupados, especialmente porque não sabemos até onde chegará essa escalada.”
Três dias depois da Rússia invadir a Ucrânia, no mês passado, o chanceler alemão, Olaf Scholz, discursou ao Parlamento anunciando o maior programa de rearmamento de seu país desde o fim da Guerra Fria, prometendo não apenas aumentar o orçamento de defesa além da meta da Otan, que a Alemanha falhava em atender havia anos, mas também investir imediatamente 100 bilhões de euros — valor equivalente a dois anos inteiros de gastos militares — em suas Forças Armadas, para reverter anos de subfinanciamento aos militares alemães.
Isso representou uma revolução em um país cujo passado nazista inspirava relutância havia muito tempo em investir no poderio militar. No fim de seu discurso de 30 minutos, Scholz revogou um banimento de envios de armas para a Ucrânia, expressou apoio a drones armados e se comprometeu em comprar novos caças capazes de carregar bombas nucleares, homologando o contínuo papel da Alemanha no sistema da Otan de compartilhamento atômico.
Os soldados alemães estacionados em Rukla foram deslocados para lá após a anexação russa da Crimeia, a primeira região ucraniana tomada pelo Kremlin, em 2014. Juntamente com soldados de outros sete países da Otan, eles vigiaram sua seção de fronteira da aliança ao longo dos cinco anos recentes, bem-recebidos tanto pela população quanto pelas autoridades. “Queremos uma Alemanha forte”, afirmou o general Mindaugas Steponavicius, comandante das forças de defesa da Lituânia.
Por décadas, a Alemanha ficou para trás no quesito segurança, contente em liderar economicamente enquanto se fiava em sua inclinação pacifista forjada após a 2.ª Guerra e o Holocausto. Políticos alemães relutavam em se pronunciar a respeito dos militares; cidadãos alemães relutavam em ouvir propostas envolvendo as forças armadas. Antes de sua guinada, o próprio Scholz enfrentou críticas vorazes por parecer relutante em endurecer a posição contra a Rússia em relação à Ucrânia.
Mas o ataque russo contra a Ucrânia não motivou apenas o governo alemão a agir — a opinião pública também mudou dramaticamente na Alemanha. Dois em cada três alemães passaram a apoiar envios de armas à Ucrânia, assim como o aumento nos gastos militares de seu país. Em meados de fevereiro, a maioria se opunha a ambas as medidas.
“Há uma percepção de que poderio militar é importante”, afirmou Claudia Major, diretora da divisão de segurança internacional do Instituto Alemão para Assuntos Internacionais e de Segurança.
Mas se a guerra na Ucrânia tem o efeito de um despertador, o conflito também evidenciou a fraqueza do elemento alemão na estrutura da Otan. Na manhã da invasão russa, o general Alfons Mais, comandante da defesa alemã, postou uma observação brutalmente honesta a respeito das capacidades militares alemãs.
“No meu 41.º ano de serviço em tempos de paz, eu não teria pensado que teria de experimentar outra guerra”, escreveu Mais. “E a Bundeswehr, o Exército que tenho permissão de liderar, está mais ou menos falida. As opções que podemos oferecer aos formuladores de políticas para apoiar a aliança são extremamente limitadas.”
No fim da Guerra Fria, quando a Alemanha Ocidental ainda era um Estado da Otan na linha de frente da fronteira com o império soviético, o país tinha mais de 500 mil soldados e gastava o equivalente a 2,7% de seu produto interno bruto com defesa. Hoje, a Alemanha reunificada possui 184 mil soldados e gasta o equivalente a apenas 1,5% de seu PIB em defesa.
“O Exército alemão foi privado de financiamento por anos porque tínhamos uma parceria estratégica com a Rússia e não acreditávamos que teríamos de defender nosso território novamente”, afirmou Major. “Nossos soldados foram acionados para defender outros povos, seja no Afeganistão ou no Mali. Estávamos combatendo guerras por escolha. Mas agora a situação nos afeta diretamente e estamos retornando a um paradigma de guerras por necessidade, precisamos que toda a nossa força militar esteja operacional.”
Conforme colocou o chanceler em seu discurso, no mês passado, “Precisamos de aviões que voem, embarcações que naveguem e soldados devidamente equipados”.
Falta de tudo, de coletes à prova de balas a roupas térmicas. Os equipamentos de rádio têm mais de 30 anos. Somente um a cada três navios de guerra está pronto para ser acionado — tão poucas embarcações que a Marinha se preocupa em não conseguir atender todos os seus compromissos internacionais.
Mesmo em Rukla, na emblemática missão alemã na Otan que registra poucas reclamações a respeito de recursos, a escassez generalizada é sentida.
Alguns dos blindados do batalhão têm 50 anos. Os rádios têm mais de 30 anos. Durante exercícios internacionais na Lituânia, esse equipamento rotineiramente fez das unidades alemãs “o elo mais fraco da corrente”, afirmaram soldados à comissão parlamentar para as Forças Armadas ao retornar de visitas a Rukla.
À parte isso, o desafio atual, afirmam especialistas em segurança, é como garantir que os 100 bilhões de euros em fundos especiais para os militares alemães sejam aplicados rapidamente — e sabiamente.
O governo já anunciou uma encomenda de até 35 caças F-35 para substituir sua obsoleta frota de jatos Tornado. Na segunda-feira, o chanceler se encontrou com o mais graduado comandante militar da Alemanha para discutir o que mais deve ser priorizado na lista de compras do governo.
Mas ainda é necessário mais do que dinheiro para modernizar as Forças Armadas alemãs, afirmam especialistas e autoridades. Procedimentos de aquisições são complexos e vagarosos. Compras com valores acima de 25 milhões de euros têm de ser aprovadas individualmente pela comissão orçamentária do Parlamento. Licitações não podem envolver apenas a Alemanha, toda a União Europeia tem de participar.
“Temos de reformar completamente a burocracia para aquisições”, afirmou Major. “Temos atualmente muito dinheiro; se não gastarmos sabiamente, não nos beneficiaremos disso.” / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL
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