Junta militar de Mianmar executa líderes da oposição, primeiros condenados à morte em décadas

Comunidade internacional reagiu às execuções dos quatro líderes civis ligados à ganhadora do Nobel da Paz Aung San Suu Kyi

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Por Redação
Atualização:

YANGON - A junta militar de Mianmar executou quatro ativistas pró-democracia, incluindo um ex-deputado do partido da ganhadora do Prêmio Nobel da Paz Aung San Suu Kyi, na primeira aplicação da pena de morte em mais de três décadas no país, contrariando apelos internacionais pela libertação dos opositores.

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Dezenas de ativistas contrários aos militares foram condenados à morte desde o golpe de Estado que derrubou o governo democraticamente eleito no ano passado. No entanto, os quatro ativistas - condenados por liderarem “atos de terror brutais e desumanos”, segundo o jornal estatal Global New Light of Mianmar - foram os primeiros a sofrerem a pena.

A forma de execução, o local e a data não foram detalhadas pelas autoridades e nem pela imprensa estatal, que se limitou a informar que elas aconteceram “sob o procedimento prisional”. Em junho, quando as sentenças foram divulgadas, o governo e os meios locais disseram que eles seriam enforcados.

Phyo Zeya Thaw, então deputado, deixa o Parlamento em 1° de dezembro de 2015 Foto: EFE

Entre os mortos, estão alguns ativistas importantes da oposição e da luta pela democracia no país, como pioneiro do hip-hop de Mianmar e ex-deputado pelo partido Liga Nacional para a Democracia (NLD, na sigla em inglês), Phyo Zeya Thaw, de 41 anos. Preso desde novembro, Thaw foi condenado à morte em janeiro deste ano por violar a lei antiterrorismo.

Famoso em Mianmar por letras que criticavam o Exército desde o início dos anos 2000, Thaw já tinha sido detido em 2008 no governo militar anterior por pertencer a uma organização considerada ilegal no país e por posse de moeda estrangeira. Em 2015, ele foi eleito deputado em eleições democráticas realizadas na transição do regime militar para o civil. A junta militar o acusou de ter orquestrado vários ataques contra o regime, incluindo um contra um trem em agosto passado, em Yangon, que deixou cinco policiais mortos.

Outro ativista executado foi o escritor Kyaw Min Yu, de 53 anos, também conhecido como Ko Jimmy. Ele ganhou destaque na política nacional pela participação em uma série de revoltas estudantis em 1988, antes da última transição democrática. Os outros dois homens executados foram Hla Myo Aung e Aung Thura Zaw, informou a mídia estatal, que foram condenados pela morte de um suposto informante militar.

Kyaw Min Yu durante ato público em janeiro de 2012. Foto: Soe Than Win /AFP

Segundo a imprensa local, familiares de ao menos dois dos executados foram para a porta do presídio de Insein, em Yangon, com a esperança de recuperar os corpos dos parentes.

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Observadores da política de Mianmar apontam que a morte dos ativistas pode agravar ainda mais a violência contra o governo do país. Segundo Moe Zaw Oo, integrante do Governo de Unidade Nacional (NUG, na sigla em inglês) – uma aliança de grupos opositores ao governo militar, muitos dos quais estão no exílio – classificou as execuções como algo “Inacreditável”. “Isso apenas criará mais violência em todo o país”, declarou em entrevista ao The Washington Post.

Repressão após o golpe

Os militares de Mianmar tomaram o poder pela primeira vez em 1962, mas gradualmente afrouxaram o controle, permitindo eleições gerais e um influxo de empresas internacionais, que introduziram o país na tecnologia digital e nas mídias sociais. Liderados pela ganhadora do Prêmio Nobel da Paz Aung San Suu Kyi, políticos da oposição da Liga Nacional para a Democracia chegaram ao poder em 2015, iniciando um curto período democrático no país, que se encerrou com um violento golpe de Estado em fevereiro de 2021.

Manifestantes protestam contra o golpe militar em Mianmar. Foto: REUTERS - 14/07/2021

Os militares de Mianmar não aplicavam a pena de morte havia mais de 30 anos, mas em meio a uma campanha violenta – e até agora mal sucedida – para acabar com a resistência após o golpe, as autoridades estão recorrendo a novas formas de intimidação, dizem especialistas.

Pelo menos 117 pessoas foram condenadas à morte no ano passado, de acordo com a Associação de Assistência a Presos Políticos, uma organização sem fins lucrativos do país que rastreia e tenta verificar a situação dos detidos pela junta.

Comunidade internacional condena execuções

As execuções dos ativistas pró-democracia foram condenadas por defensores dos direitos humanos e pela comunidade internacional nesta segunda-feira, 25.

“Condenamos a execução de líderes pró-democracia e autoridades eleitas pelo regime militar por exercerem suas liberdades fundamentais”, disse a Embaixada dos EUA em Mianmar em comunicado no Twitter.

“Nós nos juntamos ao povo de Mianmar no luto pela perda de Ko Jimmy, Phyo Zeya Thaw, Hla Myo Aung e Aung Thura Zaw”, acrescentou. “Nossas mais profundas condolências às suas famílias e muitos amigos.”

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O Japão, que denunciou que “estas ações levam a um conflito mais duro”, também se somou à onda internacional de protestos. O secretário-geral das Nações Unidas, António Guterres, condenou a decisão, chamando-a de “flagrante violação do direito à vida, à liberdade e à segurança das pessoas”.

“A barbárie da junta e o desrespeito insensível pela vida humana estão em plena exibição aqui. Há muitos, muitos outros que foram injustamente condenados ao corredor da morte desde o golpe sob esses tribunais militares secretos, e esse ato envia um efeito assustador contra o movimento pró-democracia”, disse Manny Maung, pesquisador da Human Rights Watch que se concentra em Mianmar.

O grupo de defesa pediu aos Estados Unidos, Europa e outros que exigissem a “libertação imediata de todos os presos políticos” e implementassem medidas que interrompam o fluxo de receita para a junta militar.

Tom Andrews, relator especial da ONU para Mianmar, disse em comunicado que estava “indignado e devastado” com a notícia. “Esses atos depravados devem ser um ponto de virada para a comunidade internacional”, disse ele.

“O que mais a junta deve fazer antes que a comunidade internacional esteja disposta a tomar uma ação forte?”, acrescentou, apontando para o que chamou de “assassinatos generalizados e sistemáticos de manifestantes, ataques indiscriminados contra aldeias inteiras e agora a execução de líderes da oposição”./ WPOST E AFPP

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