Foi necessária uma partição temporária para pôr fim à guerra que dividiu a Bósnia nos anos 90. Por que não fazer o mesmo no caso da Síria? Em certo sentido, uma Síria dividida já é visível: seus contornos foram traçados pelas linhas do fronte da guerra civil. O presidente Bashar Assad abandonou o território que suas forças tinham dificuldade em manter, desistindo da tentativa de voltar a impor seu controle a toda a nação - o que não significa que ele esteja abandonando o poder. Os curdos detêm a área nas proximidades da fronteira turca, depois de expulsarem o Estado Islâmico. As facções concorrentes nas áreas que se encontram nas mãos dos rebeldes árabes sunitas compõem um quadro mais complicado, mas o mapa das linhas do fronte de um mês atrás mostra os contornos de uma divisão potencial da Síria em três partes - uma área controlada pelo regime, outra curda e uma terceira dos árabes sunitas, incluindo a porção controlada pelo EI. Fabrice Balanche, um pesquisador do Grupo para a Pesquisa e Estudos sobre o Mediterrâneo e o Oriente Médio, em Lyon, na França, vem mapeando as comunidades étnicas e religiosas da Síria desde muito antes da guerra. Em 2011, ele foi ridicularizado por afirmar que a confiança do Ocidente na inevitabilidade do fim de Assad era improcedente, que a guerra civil e a desintegração da Síria seriam sua consequência. Hoje, porém, ele se mostra menos esperançoso: "Temos uma divisão de fato, mas ninguém quer reconhecer que ela existe. Em Damasco, há cartazes por toda parte falando de uma Síria unificada. A oposição diz que não precisamos de partição, mas a acabaremos tendo." Balanche acha que a guerra continuará, desenhando a forma de uma Síria dividida, pois a determinação de Irã, Israel, Jordânia, Catar, Rússia, Arábia Saudita, Turquia e EUA de assegurarem seus interesses continua mais forte do que o desejo de acabar com os combates. No entanto, e se, como aconteceu com o Acordo de Dayton, em 1995, fosse possível fazer com que as potências se unissem a seus clientes na Síria e completassem esse processo por meio de negociações? Dayton dividiu a Bósnia em entidades nas quais muçulmanos, sérvios cristãos ortodoxos e croatas católicos mais ou menos se governariam e se policiariam sem interferências, criando ao mesmo tempo uma concha federal ao seu redor a ser preenchida na medida em que a confiança fosse restaurada. Foi uma solução imperfeita, mas pôs fim ao derramamento de sangue. Na Síria, igualmente dividida em áreas, raciocina Balanche, o regime haveria de querer controlar toda a fronteira israelense e a libanesa, além de Damasco, Homs e a região alauita. Assad teria de desistir de Hama, cidade predominantemente sunita que nutre profunda desconfiança pelo regime, assim como as aldeias sunitas ao seu redor. Seria preciso, então, solucionar questões mais complexas. Por exemplo, os rebeldes estão entrincheirados nos bairros da capital, Damasco, mas o regime insistiria em controlar a cidade. Do mesmo modo, Assad haveria de querer controlar Alepo, a maior cidade da Síria e (antes da guerra) a cidade mais rica. Hoje, ela é controlada em sua maior parte pelos rebeldes e está separada do território dominado pelo regime. Ou teria de haver uma negociação, com zonas neutras e protegidas por uma força de paz internacional fortemente armada, como a que foi instalada com sucesso no leste da Croácia, no fim da Guerra dos Bálcãs. Além disso, os rebeldes detêm alguns bolsões cercados pelo território ao longo da fronteira da Síria com o Líbano, em que predomina o regime. Este controla o trecho setentrional da costa do Líbano, em parte sunita, um fato que seria inaceitável para os rebeldes que querem que seu grupo tenha acesso ao mar. A guerra vai solucionando lentamente esses problemas enquanto cada lado concentra seus recursos militares no que mais ambiciona, mas isso poderá levar anos, na opinião de Balanche. Qualquer partição seria confusa, mas o acordo final de Dayton tampouco foi simples. Um acordo de paz abrangente como o de Dayton será improvável na Síria por duas razões. Em primeiro lugar, na Bósnia não havia adversários como o EI, que não pode absolutamente se sentar à mesa de negociações e não se pode permitir que sobreviva no quadro de um pacto. Em segundo lugar, em 1995, o mundo era diferente. Embora a Rússia apoiasse a Sérvia, os EUA eram a tal ponto influentes que conquistaram a comunidade internacional para a solução que buscavam. Hoje, isto não acontece. Um acordo no estilo do de Dayton entre as potências externas poderia simplificar o conflito sírio, mesmo sem que o fim da guerra fosse o seu objetivo imediato. Isso poderia representar a base para a eliminação de obstáculos: o EI e os interesses conflitantes dos patrocinadores internacionais da guerra. Quando já não estivessem sendo atacadas por Assad, as forças sunitas que cooperam com os EUA e com os outros parceiros poderiam se concentrar na tomada do território que lhes fosse atribuído nas mãos do EI, entidade que já combatem numa segunda frente. / Tradução de Anna Capovilla* É jornalista