Líder da banda Pussy Riot, crítica de Putin, escapa da Rússia vestida de entregadora

Maria Alyokhina foi presa mais de seis vezes desde o ano passado

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Por Valerie Hopkins e Misha Friedman
Atualização:
6 min de leitura

THE NEW YORK TIMES – Maria Aliokhina chamou a atenção das autoridades russas – e do mundo – quando sua banda punk e grupo de arte performática Pussy Riot organizou um protesto contra o presidente russo, Vladimir Putin, na Catedral Cristo Salvador de Moscou.

Por esse ato de rebelião em 2012, ela foi condenada a 2 anos de prisão por “vandalismo”. Ela continuou determinada a lutar contra o sistema de repressão de Putin, mesmo depois de ter sido presa mais de seis vezes desde o meio do ano passado, cada uma por 15 dias, sempre sob acusações forjadas destinadas a sufocar seu ativismo político.

Mas em abril, quando Putin reprimiu com mais força qualquer crítica à sua guerra na Ucrânia, as autoridades anunciaram que a prisão domiciliar efetiva de Aliokhina seria convertida em 21 dias em uma colônia penal. Ela decidiu que era hora de deixar a Rússia – pelo menos temporariamente – e se disfarçou de entregadora de comida para fugir da polícia de Moscou que vigiava o apartamento de um amigo onde ela estava hospedada. Ela deixou seu celular para trás como isca e para evitar ser rastreada.

Maria Alyokhina posa para foto em apartamento em Reykjavik,na Islândia Foto: Misha Friedman / NYT

Um amigo a levou de carro até a fronteira com Belarus, de onde se seguiu uma semana de travessia para a Lituânia. Abrigada em um estúdio em Vilnius, capital da Lituânia, ela concedeu uma entrevista ao New York Times para descrever a fuga angustiante da Rússia de Putin.

“Fiquei feliz por ter conseguido, porque foi uma despedida imprevisível e grande” para as autoridades russas, disse Aliokhina, usando um termo menos educado. “Ainda não entendo completamente o que fiz”, admitiu ela, vestida de preto, exceto por uma pochete com um cinto de arco-íris.

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Aliokhina, de 33 anos, passou toda a sua vida adulta lutando para que seu país respeitasse sua própria Constituição e os direitos humanos mais básicos, como a liberdade de expressão. Depois de ser libertada antecipadamente da prisão em dezembro de 2013, ela e outro membro do Pussy Riot fundaram a Mediazona, uma agência de notícias independente focada em crime e punição na Rússia.

Ela também escreveu um livro de memórias, Riot Days, e viajou internacionalmente apresentando um show baseado no livro. Embora seu sonho fosse fazer uma turnê com ele na Rússia, apenas três locais concordaram em sediar o show, e todos enfrentaram repercussões.

Aliokhina estava comprometida em permanecer no país apesar da vigilância regular e da pressão das autoridades. Mas agora ela se juntou às dezenas de milhares de russos que fugiram desde a invasão da Ucrânia.

Aliokhina, conhecida como Masha entre seus amigos, roía as unhas e fumava quase incessantemente durante a entrevista. Ela fez a viagem usando botas pretas com quase 8 centímetros de plataforma sem cadarços - uma referência a suas muitas passagens na prisão, onde eles são confiscados.

Na prisão, ela e outros enfiavam lenços umedecidos nos ilhós dos sapatos para mantê-los no lugar. Como símbolo, ela e outros membros da Pussy Riot os usarão durante uma turnê que começará em 12 de maio em Berlim e arrecadará dinheiro para a Ucrânia.

Quando nasceu, há mais de uma década, a Pussy Riot parecia tanto um golpe publicitário quanto ativismo político. Mas se o protesto na catedral de Moscou – onde elas cantaram uma “Oração Punk” ridicularizando a simbiose que se desenvolveu entre a Igreja Ortodoxa Russa e o Kremlin – parecia exagerado na época, hoje parece presciente.

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O líder da igreja, Patriarca Kirill, recentemente abençoou as tropas russas que vão para a Ucrânia, e a União Europeia colocou seu nome em uma lista proposta de pessoas que podem sofrer sanções.

Exatamente 10 anos após o protesto na catedral, Putin fez um discurso retumbante no qual chamou a Ucrânia de país “criado pela Rússia”, lançando as bases para sua invasão.

Alyokhina participia de ensaio no Teatro Nacional de Reykjavik, na Islândia Foto: Misha Friedman / NYT

Aliokhina ouviu o discurso no rádio de uma cela de prisão. A invasão, disse ela, mudou tudo, não apenas para ela, mas para seu país. “Acho que a Rússia não tem mais o direito de existir”, disse ela. “Mesmo antes, havia dúvidas sobre como ela está unida, por quais valores ela está unida e para onde está indo. Mas agora eu não acho que isso seja mais uma questão.”

Durante a entrevista, ela foi acompanhada por outros membros do grupo, agora um coletivo com cerca de uma dúzia de membros. A maioria deles também havia fugido recentemente da Rússia, incluindo sua namorada, Lucy Shtein.

Shtein havia escolhido deixar a Rússia um mês antes, também fugindo das restrições à sua movimentação ao sair de fininho com um uniforme de serviço de entrega. Sua decisão veio depois que alguém colocou uma placa na porta do apartamento que ela dividia com Aliokhina acusando-as de serem traidoras.

Aliokhina e Shtein já foram presas por postagens no Instagram pedindo a libertação de presos políticos na Rússia. Em fevereiro, Aliokhina foi condenada a 15 dias por “propaganda do simbolismo nazista” por outro post no Instagram, este de 2015, que criticava o aliado de Putin, o ditador belarrusso Alexander Lukashenko. Shtein foi detida ao mesmo tempo por acusações semelhantes. “Eles estão com medo porque não podem nos controlar”, disse Aliokhina.

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Membros da Pussy Riot fazem show de protesto em 2019 Foto: Tatyana Makeyeva / REUTERS

Em sua primeira tentativa de travessia, Aliokhina foi detida por guardas de fronteira de Belarus por seis horas antes de ser mandada de volta. Em sua segunda tentativa, o oficial incrédulo de plantão simplesmente a mandou embora.

Mas na terceira tentativa, ela conseguiu. Aliokhina tinha aliados fora do país trabalhando para encontrar um caminho para a liberdade. Um deles foi o artista performático islandês Ragnar Kjartansson, um amigo que convenceu um país europeu a emitir um documento de viagem para Aliokhina que essencialmente lhe dava o mesmo status de um cidadão europeu. As autoridades do país pediram que não fosse nomeado.

O documento foi contrabandeado para Belarus para uso de Aliokhina. Enquanto estava lá, ela evitou hotéis ou qualquer lugar que exigisse um comprovante de identidade, o que poderia alertar as pessoas que a procuravam.

Aliokhina finalmente embarcou em um ônibus para a Lituânia com o documento em mãos. Ela riu quando descreveu como foi melhor tratada pelos guardas de fronteira quando eles pensaram nela como uma “europeia”, em vez de russa. “Muita mágica aconteceu na semana passada”, disse ela. “Parece um romance de espionagem.”

O fato de ela ter conseguido sair da Rússia e de Belarus foi um reflexo, disse ela, da caótica aplicação da lei russa. “Daqui parece um grande demônio, mas é muito desorganizado se você olhar de dentro”, disse ela. “A mão direita não sabe o que a esquerda está fazendo.”

Aliokhina diz que espera retornar à Rússia. Mas ninguém tem ideia de como isso pode acontecer, quando até os ativistas mais dedicados são presos ou forçados ao exílio.

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Todos os dias em Vilnius, novos membros do grupo chegavam, fugindo da Rússia e juntando-se para os ensaios da turnê europeia.

Depois de alguns dias, Aliokhina viajou para a Islândia com alguns outros membros do grupo para visitar Kjartansson, que providenciou para que eles ensaiassem no prédio que já abrigou o Supremo Tribunal do país.

Aliokhina pediu a Kjartansson e Bjork, sua parente, para se apresentarem em eventos organizados por ativistas pró-ucranianos quando a Pussy Riot se apresentar na Islândia. A resposta, disse Kartjansson, foi um sonoro “Siiim!”.

Em Vilnius, o telefone de Aliokhina tocou com mensagens de apoio e alívio por ela estar “segura” após a viagem de uma semana. Aliokhina se irritou com essas expressões bem-intencionadas. “Se seu coração é livre”, disse ela, “não importa onde você esteja”.