Ao condenar o ex-presidente Jacob Zuma a 15 meses de prisão por se negar sistematicamente a comparecer a audiências de uma comissão que investiga o desvio de US$ 35 bilhões durante seu governo, a Corte Constitucional da África do Sul demonstrou que não se deixaria intimidar. Presidente entre 2009 e 2018, Zuma ameaça mobilizar seus numerosos seguidores da etnia zulu, a maior do país, para desobedecer as ordens da Justiça.
Ao anunciar a sentença, a presidente em exercício da Corte Suprema, Sisi Khampepe, declarou: "Estou ciente de que, sem base eleitoral, sem a chave do cofre e sem espada, o Judiciário deve se apoiar na autoridade moral para cumprir suas funções". Para impedir a execução da ordem pela polícia, uma grande multidão se reuniu na frente do complexo residencial de Zuma em Nkandla, KwaZulu-Natal, que eu conheci em 2010, quando era construído com dinheiro público desviado para abrigar seu grande número de esposas e amantes. Mas a própria Corte aceitou um recurso e marcou nova audiência para amanhã.
O Congresso Nacional Africano, o partido que governa o país, e que Zuma dirigiu de 2007 a 2017, não ficou de seu lado. "Os interesses de um indivíduo não podem ficar acima ou prejudicar os interesses de nossa democracia ou de nossa nação", disse a direção do partido num comunicado. "Qualquer tentativa de responder a questões judiciais com ameaças e atos de violência de qualquer lado é abominável e não será tolerada".
Nem sempre a Justiça pode contar com o apoio de um partido quando exige que um de seus líderes preste contas. Até porque em muitos casos os líderes que atropelam as leis e as instituições são colocados acima dos partidos por seus seguidores e correligionários. É nesse ponto que a "autoridade moral" mencionada pela presidente da Corte se torna decisiva. Como cultivá-la?
Uma potencial vulnerabilidade das cortes supremas nas democracias é o fato de seus juízes serem apontados pelos governantes e aprovados pelo Parlamento. Esse sistema pode levar à politização das decisões. Na prática, esse risco é mitigado por alguns limites morais subjetivos, associados ao desejo de juízes de preservar sua biografia. Isso é facilitado pelo fato de estarem exercendo o último cargo dessa natureza em suas carreiras, livres por isso mesmo de quaisquer pressões.
Nos Estados Unidos, depois de os republicanos terem obstruído, a partir de fevereiro de 2016, a nomeação de um ministro da Suprema Corte pelo então presidente Barack Obama, Donald Trump preencheu três cadeiras ao longo de seu governo. Hoje, a composição é de seis conservadores e três liberais -- a mais desequilibrada em um século.
Com a morte da juíza liberal Ruth Bader Ginsburg, em setembro, Trump explicou que pretendia nomear rapidamente uma substituta à vaga, para assegurar o apoio, na Suprema Corte, de sua tese de fraude na votação, em caso de sua derrota: "Precisamos de nove juízes. Com os milhões de cédulas não solicitadas, é uma trapaça, uma farsa, todo mundo sabe disso". Ele nomeou então a juíza conservadora Amy Coney Barrett, rapidamente aprovada pela maioria republicana no Senado.
A situação representava um teste para a credibilidade da Corte. E ela passou. Entre 8 e 11 de dezembro, os juízes rejeitaram por unanimidade dois pedidos da campanha de Trump: o primeiro para a Pensilvânia não certificar a vitória de Joe Biden, e o segundo, uma ação do Texas para suspender as vitórias do candidato democrata na Geórgia, Michigan, Wisconsin e, de novo, a Pensilvânia.
Noutra votação estratégica para Trump, Barrett acompanhou a maioria e manteve a constitucionalidade do Obama Care, na terceira decisão nesse sentido da Suprema Corte desde 2012.
Segundo levantamento da revista The Economist, em oito meses na Corte, Barrett votou de forma diferente da que Ginsburg teria provavelmente votado apenas três casos: sobre o status de juízes administrativos especializados em patentes; e em favor de igrejas que contestavam restrições a aglomerações por causa da pandemia.
Nada disso quer dizer que os juízes não tenham suas tendências, e que não sejam nomeados em favor delas. Mas é fundamental, para a credibilidade das Cortes Supremas e para a própria democracia, que eles não ajam como se devessem lealdade ao presidente que os nomeou, mas de acordo com sua consciência e entendimento da Constituição
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