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É colunista do 'Estadão' e analista de assuntos internacionais. Escreve uma vez por semana.

Opinião | Acordo em Gaza marca primeiro êxito de Trump, mas será difícil replicá-lo com Ucrânia e Taiwan

A única forma de exercer deterrência sobre Rússia e China é garantir a defesa de Ucrânia e Taiwan, o que Trump se recusou, até aqui, a fazer

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Foto do author Lourival Sant'Anna
Atualização:

A conclusão do acordo entre Israel e o Hamas é o primeiro êxito da política externa de Donald Trump — antes mesmo de tomar posse, nessa segunda-feira. Suas credenciais pró-Israel, o fato de não ter mais eleição a disputar e a abordagem transacional ajudaram, nesse caso. Dificilmente isso poderá ser replicado com Ucrânia e Taiwan.

Trump designou o empresário do ramo imobiliário Steve Witkoff seu enviado para o Oriente Médio. Judeu, sem qualquer experiência diplomática, Witkoff foi uma escolha improvável, ao estilo Trump. Ele vendeu um hotel em Manhattan para o fundo soberano do Catar, que exerce papel-chave nas negociações.

Manifestante segura uma placa pedindo que o presidente eleito dos EUA, Donald Trump, intervenha durante um protesto anti-Netanyahu pedindo ações para garantir a libertação dos israelenses mantidos reféns em Gaza, em 11 de janeiro. Foto: Jack Guez/AFP

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Wittkoff chegou com uma mensagem dura de Trump: o presidente eleito não desejava ter de se ocupar disso nos primeiros dias de seu governo. A expressão “o preço vai ser o inferno” caso não chegassem a um acordo antes de sua posse teve impacto sobre o primeiro-ministro Binyamin Netanyahu, exatamente por sua imprecisão.

Ao longo das negociações, em Viena e Doha, Wittkoff deixou claro para David Barnea, o chefe do Mossad, serviço secreto israelense, que seu país arriscava perder o apoio de Trump se não colaborasse. O Hamas já havia aceitado.

Inicialmente, Wittkoff enviou suas mensagens por meio dos participantes diretos das negociações, incluindo o enviado de Biden, Brett McGurk. Com o progresso, o enviado do atual governo americano concluiu que seria mais produtivo o seu sucessor sentar-se à mesa. De fato foi. A linguagem sem rodeios do empresário amigo de Trump, de que haveria consequências nefastas para os responsáveis pelo fracasso, facilitou o entendimento.

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Biden não foi tão assertivo quanto Trump perante Israel, que depende das armas fornecidas pelos EUA para se defender do Irã e dos grupos por ele patrocinado na Palestina, Líbano, Síria, Iraque e Iêmen. Biden sempre se definiu como “o maior sionista não judeu” da política americana. O receio do impacto eleitoral negativo de ser visto “abandonando Israel” o constrangeu a adotar atitude cautelosa — e contraproducente.

Em seu primeiro mandato, Trump brindou Israel com apoio incondicional, depois de uma campanha na qual acusou Barack Obama de ter “traído” Israel ao firmar o acordo nuclear com o Irã. Na política, as credenciais são um fator contraintuitivo: elas dão liberdade para um líder agir de forma contrária àquela sugerida por seu histórico.

Ucrânia e Taiwan também dependem militarmente dos EUA. Mas ambas são vítimas. As agressoras são Rússia e China, potências nucleares. A única forma de exercer deterrência sobre elas é garantir a defesa de Ucrânia e Taiwan, o que Trump se recusou, até aqui, a fazer.

Opinião por Lourival Sant'Anna

É colunista do 'Estadão' e analista de assuntos internacionais

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