Os 100 dias de guerra na Ucrânia obrigaram o mundo a uma revisão de algumas certezas. Elas se referem principalmente ao uso de armas nucleares, à geopolítica da energia, à construção de consensos entre nações em condições distintas e à calibragem entre diplomacia e força militar.
Desde as bombas atômicas sobre Hiroshima e Nagasaki, em 1945, potências nucleares têm usufruído de forma silenciosa do poder que elas lhes conferem. A dissolução da União Soviética, em 1991, inaugurou um novo período na história da humanidade, livre desse “equilíbrio do terror”.
Desde então, apenas atores regionais menores, governados por ditaduras militares e em disputas assimétricas com potências regionais e globais, como o Paquistão e a Coreia do Norte, fizeram ameaças nucleares explícitas, contra a Índia e os EUA, respectivamente.
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Vladimir Putin incluiu nesse grupo a Rússia, dona do maior arsenal do mundo em número de ogivas, quando anunciou a invasão da Ucrânia ameaçando as democracias se interviessem na guerra. Ele repetiu essa ameaça várias vezes, antes e depois da invasão, e criou um dilema para as democracias: se contiverem a Rússia militarmente, podem desencadear uma guerra nuclear; se não contiverem, provocam uma corrida nuclear, com países vulneráveis concluindo que precisam desse tipo de armamento para defender sua soberania.
O desafio é fornecer armamento pesado e sofisticado à Ucrânia sem induzir Putin à conclusão de que seu território e regime estão sob ameaça. Daí, por exemplo, a decisão de Joe Biden de transferir aos ucranianos foguetes com alcance de 80 km, mas não de 300.
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Os preparativos para a invasão coincidiram com a COP-26, na qual as principais economias do mundo anteciparam suas metas de redução dos gases do efeito estufa, e a conclusão do gasoduto Nordstream 2, ligando a Rússia à Alemanha. Esses dois eventos tornaram o gás russo mais valioso, como substituto do carvão, e limitaram seu uso no tempo, a ser trocado por outras fontes menos poluidoras.
Putin não contava com a disposição das nações avançadas de pagar um alto preço e impor sanções contra a energia russa, em resposta a uma ameaça mais grave: a violação da soberania de um país democrático. As sanções tendem a acelerar a transição dos combustíveis fósseis para as fontes renováveis. Se não fosse um país tão desorganizado e imerso em disputas políticas fúteis, o Brasil poderia aproveitar a chance, com a venda de créditos de carbono de suas potencialidades florestais e energéticas.
Países mais problemáticos, como Arábia Saudita e Emirados Árabes, devem tirar proveito, atraindo os EUA de volta para sua órbita. Eles sinalizaram com aumento da produção de petróleo. Para abrir as torneiras, querem armas e o endurecimento com o Irã, rival regional. Biden deve visitá-los em breve.
*É COLUNISTA DO ESTADÃO E ANALISTA DE ASSUNTOS INTERNACIONAIS
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