Franklin Delano Roosevelt é talvez o terceiro presidente americano mais importante da história, depois de George Washington e Abraham Lincoln. Se Washington é o pai fundador do experimento chamado Estados Unidos, e Lincoln, o unificador, coube a Roosevelt ser o reformador. Ele reconstruiu a economia da América após a Grande Depressão e liderou o país na luta contra o nazismo, criando as bases para o surgimento da maior potência econômica e militar da História.
Entre Lincoln e FDR, muita coisa aconteceu. Eric Hobsbawm argumenta que o século 19 foi a Era das Revoluções. Ela começou ainda no século 18 com a queda da Bastilha e acabou quando um estudante sérvio meteu uma bala no Arquiduque Francisco Ferdinando, em Sarajevo, numa bela tarde de 1914.
Às revoluções iluministas, da qual Washington é filho notório, se seguiram à Segunda Revolução Industrial, e os levantes liberais de 1848, dos quais Lincoln é o principal representante do lado de cá do Atlântico. À essa consolidação política e expansão econômica, na segunda metade dos oitocentos, veio a Era dos Impérios, com a expansão territorial das potências europeias. África e Ásia se tornaram o principal alvo de britânicos, franceses e alemães.

A expansão territorial gerou uma corrida armamentista, a tensão entre a França e a Alemanha ficou insustentável e as coisas foram para o vinagre.
É nesse contexto histórico que entra um personagem que apenas recentemente ficou conhecido do grande público. O nome dele é William McKinley.
Existe um motivo para Trump ter citado McKinley em vez de Ronald Reagan, a estrela maior do Partido Republicano, depois de dez anos praticamente chupinhando todos os seus slogans, como “Peace Through Strenght” e “Make America Great Again”. E existe também um motivo para Trump prometer uma nova Era Dourada na América.
Trump mira em 1898, não em 1980.
William McKinley comandou os EUA no fim da chamada Era Dourada, como ficou conhecido o período entre o fim da Guerra Civil (1861-1865) e o início do século 20. O termo, cunhado pelo escritor Mark Twain, ficou marcado pelo crescimento impressionante da economia americana nos anos da Segunda Revolução Industrial. Nessa era, surgiram bilionários como Andrew Carnegie e John Rockefeller, que dominaram a economia americana no fim do século 19.
À época, os EUA já eram uma potência, recorreram à expansão territorial no Pacífico e no Caribe para se contrapor à fome das potências europeias por recursos naturais na África e na Ásia. Para o historiador Lucas de Souza Martins, da Temple University, nos EUA, McKinley não representa apenas a expansão econômica da Era Dourada, mas também o imperialismo americano do século 19.
Ouça o podcast 'Uma História Americana'
“Ele é responsável por esse expansionismo americano que traz territórios como Porto Rico, Guam e o Havaí, além de apoiar a independência de Cuba e do Canal do Panamá para preservar os interesses americanos”, explicou à coluna.
No front doméstico, além da proximidade de bilionários como Carnegie, Rockefeller e JP Morgan, McKinley também ficou conhecido pelas altas tarifas protecionistas para proteger a indústria americana.
Soa familiar? O próprio Trump reconhece isso.
“O presidente McKinley tornou nosso país muito rico por meio de tarifas e talento. Ele era um empresário nato e deu a Teddy Roosevelt o dinheiro para muitas das grandes coisas que ele fez, incluindo o Canal do Panamá, que foi dado tolamente ao país do Panamá depois dos Estados Unidos”, disse ele no discurso de segunda-feira.
Desde a transição, Trump fala em retomar o canal, comprar a Groenlândia e —em uma declaração que parece uma piada mal interpretada — transformar o Canadá no 51º Estado americano. Ele também tem prometido retomar pesadas tarifas contra aliados e rivais para proteger a indústria americana, além de manter uma proximidade com os barões monopolistas dos dias de hoje: Elon Musk, Mark Zuckerberg, Jeff Bezos e Sam Altman.
Mas a Era Dourada não acabou bem. McKinley foi morto em 1901 por um militante anarquista. A partir de Teddy Roosevelt (1901-1909), começa o período conhecido como Era Progressista na história americana. Foi quando leis antitrustes começaram a ser aprovadas para quebrar os monopólios dos barões industriais, as mulheres reivindicaram direito a voto com o movimento sufragista e o movimento trabalhista passou a lutar por mais direitos para os assalariados, com amplas greves. O século 20 estava dobrando a esquina.
A humilhação imposta à Alemanha na 1ª Guerra, sua crise hiperinflacionária e o crash de 29 levaram à ascensão do nazismo. No Império Russo, o colapso do absolutismo deu lugar ao comunismo. Mas na América, a resposta de Roosevelt à crise que levou à ascensão das alternativas totalitárias — o cabo Hitler ou o marechal Stalin — passou pela social-democracia.
A vitória dos aliados contra o nazismo lançou as bases da ordem mundial que está sendo eclipsada nos últimos 15 anos. Os Estados Unidos eram um até 1933, e se tornaram outro em 1945, saindo da guerra para liderar a ordem mundial por 80 anos. Republicanos e democratas se alternaram no poder, sem violar um conceito básico: os EUA lideram o Ocidente pelo exemplo e pela parceria. Os aliados crescem junto com a América.
Além disso, a descolonização que se seguiu à 2ª Guerra inibiu novas expansões territoriais, por mais que as duas superpotências apoiassem por procuração seus favoritos em Cuba, no Vietnã e no Afeganistão.
Mas este modelo está, já há algum tempo, em xeque. A crise mundial de 2008 foi um evento cataclísmico similar ao crash de 29, quando o capitalismo teve de se reerguer da depressão econômica provocada pelas quebras dos principais bancos do planeta. Ao contrário dos anos 30, no entanto, não houve uma guerra mundial que mobilizasse as economias em torno da produção em massa para facilitar uma recuperação. Ela veio, mas foi mais lenta e não resolveu contradições graves que vinham fermentando desde os anos 90.
O extenso período de paz pós-Guerra Fria trouxe consigo a globalização. A terceira revolução industrial tornou tudo mais próximo e mais rápido. Com isso, os mercados se interligaram e a produção se disseminou pelo planeta. Os produtos ficaram mais baratos e o consumo disparou. Mas houve perdas.
A mais evidente e mais negligenciada delas foi o empobrecimento da classe trabalhadora nos países ricos. Um operário industrial que viu seus pais terem uma vida de classe média confortável nos anos 60 e 70 chegou ao século 21 temendo pelo futuro dos filhos. A concentração de renda nos EUA aumentou, o padrão de vida diminuiu e a raiva entre aqueles que viveram esse processo começou a fermentar.
Há cerca de 15 anos, os algoritmos das redes sociais serviram como uma espécie de catalisador desse processo de fermentação. Quem estava com raiva, se radicalizou. A classe média empobrecida passou a buscar novos representantes, já que os que tinham executado esse papel desde a guerra não entregavam mais resultados.
E então, Donald Trump desceu a escada da Trump Tower anunciando que seria candidato a presidente dos EUA. A receita dele não era nova: colocar a culpa da crise em pessoas pobres e imigrantes. Funcionou.
Mas Trump não é Reagan, por mais que ele prometa fazer a América Grande de Novo. Reagan não desprezava imigrantes nem minorias, e tampouco ameaçava aliados com tarifas protecionistas. Me pergunto com alguma frequência o que ele diria, se fosse vivo e visse Trump elogiando carinhosamente o açougueiro Putin.
A era da liderança pelo consenso terminou. Se Roosevelt foi a cara da América no século 20, Trump tem tudo para se tornar o presidente americano mais importante do século 21. E para isso, conta com uma receita do século 19: “Make America Imperialist Again”.