Massacre na Ucrânia testa limites da Europa sobre sanções à energia russa

Enquanto fotografias de corpos nas ruas de Bucha circulavam no fim de semana, autoridades ucranianas e europeias pediram que a UE finalmente parasse de comprar petróleo e gás russos

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Por Emily Rauhala, Rick Noack e Isaac Stanley-Becker
Atualização:
8 min de leitura

THE WASHINGTON POST - A Europa está unida em sua indignação após o surgimento de evidências de supostas atrocidades russas na Ucrânia. Mas a União Europeia não tem certeza do que está disposta a fazer a respeito, especialmente quando se trata de energia.

Enquanto fotografias de corpos nas ruas da cidade de Bucha circulavam online no fim de semana, autoridades ucranianas e europeias horrorizadas pediram que a UE finalmente parasse de comprar petróleo e gás russos.

“Cada barril de petróleo e tonelada de gás está embebido no sangue dos mortos”, disse o presidente do Parlamento ucraniano. O ministro das Relações Exteriores da Lituânia alertou outros países da UE para que não não se tornem “cúmplices”.

Ira Gavriluk caminha entre os corpos de seu marido, de seu irmão e de outro homem do lado de fora de sua casa, em Bucha, nos arredores de Kiev Foto: Felipe Dana

Com cenas da devastação espalhadas pelos jornais, o presidente francês, Emmanuel Macron, disse nesta segunda-feira, 4, que indícios de “crimes de guerra” na Ucrânia justificam novas sanções. O Eliseu confirmou mais tarde que a França apoiaria um embargo ao petróleo e carvão russos e que as propostas serão discutidas em nível europeu na quarta-feira.

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A ministra da Defesa alemã, Christine Lambrecht, disse no domingo que o que aconteceu em Bucha colocou sanções energéticas na mesa, mas outros líderes alemães sugeriram posteriormente que um embargo de energia é improvável – levando o primeiro-ministro da Polônia a dizer que Berlim é o principal obstáculo no bloco para sanções mais duras.

Todo o debate levanta questões desconfortáveis sobre onde a UE traça seus limites quando se trata de energia russa – se é que eles existem. “Se houver uma ‘linha vermelha’, provavelmente não foi ultrapassada para a Alemanha”, disse Marcel Dirsus, cientista político alemão e membro não residente do Instituto de Políticas de Segurança da Universidade de Kiel.

Nas semanas que se seguiram à invasão da Ucrânia pela Rússia, a União Europeia trabalhou com os Estados Unidos e outros aliados para penalizar a Rússia com pacotes de sanções, mas continua comprando petróleo e gás russos.

Quando os EUA e o Reino Unido cortaram as importações, a UE argumentou que não poderia se dar ao luxo de acompanhar os movimentos porque o bloco é muito mais dependente da energia russa. A Europa importa cerca de 40% de seu gás e mais de um quarto de seu petróleo da Rússia; os EUA e o Reino Unido importam muito menos.

Em vez de interromper as compras imediatamente, a UE prometeu se livrar das importações russas, cortando as compras de gás em dois terços este ano como parte de um afastamento gradual dos combustíveis fósseis russos.

Os Estados bálticos e alguns países do Leste Europeu pediram para que a UE fizesse mais, enquanto as principais economias do bloco, incluindo Alemanha, Itália e França, se opuseram a esses apelos.

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Ponto de virada

Mas as cenas de Bucha podem ser um ponto de virada. O ministro das Relações Exteriores da Itália disse na segunda-feira que o país não vetará sanções ao gás russo.

“Está muito claro que há indícios de crimes de guerra”, disse Macron, por sua vez, em entrevista à rádio France Internacional. “Acho que não podemos deixar passar. O que aconteceu em Bucha pede um novo pacote de sanções.”

Macron disse que sanções mais fortes são necessárias para evitar devastação semelhante em outras partes da Ucrânia. “Vamos coordenar com nossos parceiros europeus, em particular com a Alemanha”, disse ele. “Em relação ao carvão e ao petróleo, precisamos ser capazes de avançar.”

Mas Macron e um funcionário do Eliseu não mencionaram o gás natural russo, sugerindo que um embargo ainda pode ser considerado muito controverso.

Cartazes de campanha dos candidatos franceses Emmanuel Macron, que busca a reeleição, e sua adversária da extrema direita Marine le Pen; dois defendem que houve 'crimes de guerra' em Bucha Foto: Gonzalo Fuentes/Reuters

Macron, que está concorrendo à reeleição, defendeu medidas mais duras contra a Rússia, mesmo que tenha continuado a manter conversas com o presidente russo, Vladimir Putin, nas últimas semanas.

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Na França, o debate sobre a imposição de sanções às importações de energia da Rússia ocorre menos de uma semana antes do primeiro turno da eleição presidencial de domingo, que, segundo pesquisas, pode levar a um segundo turno entre Macron e a líder de extrema direita Marine Le Pen.

Tanto Macron quanto Le Pen viram sua posição nas pesquisas melhorar após a guerra na Ucrânia, com Macron se beneficiando de seu papel no cenário internacional e Le Pen se mostrando mais sintonizada com as preocupações dos eleitores sobre como a guerra afetará o poder de compra dos franceses.

Le Pen, na segunda-feira, ecoou os comentários de Macron sobre Bucha, caracterizando a destruição como um provável “crime de guerra”, mas ela pediu mais moderação na imposição de sanções à Rússia.

A líder de extrema direita, que há muito era vista como aliada de Putin, disse no mês passado que a França “deve escolher sanções que não sejam sanções contra o poder de compra dos franceses”.

A França depende menos do gás russo do que a vizinha Alemanha, mas os efeitos em cascata de uma interrupção nas importações da Rússia ainda podem ter um impacto significativo nas economias profundamente interligadas da Europa.

As revelações renovaram a pressão sobre os líderes alemães, que prometeram uma resposta séria, mas ainda estão debatendo até onde estão dispostos a ir.

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Lambrecht, a ministra da Defesa, disse no domingo que a UE deveria discutir a suspensão do fornecimento de gás da Rússia. As alas juvenis do Partido Social-Democrata (SPD) e do Partido Democrático Liberal (FDP) – dois partidos do governo de coalizão de três vias da Alemanha – recuperaram seu peso nas discussões sobre a interrupção das entregas de combustíveis fósseis russos.

Mas, na segunda-feira, uma porta-voz do Ministério da Economia e do Clima reiterou que um embargo imediato não era uma realidade. “Infelizmente, a Alemanha é fortemente dependente das importações russas, e isso não foi reduzido nos últimos dez anos, mas sim aumentado”, disse Beate Baron a repórteres.

À medida que aumentavam os pedidos para que a Alemanha se afastasse do fornecimento de energia russo, a segunda-feira também trouxe um forte lembrete da pressão concorrente sobre o governo. Christian Sewing, executivo-chefe do Deutsche Bank e presidente da Associação de Bancos Alemães, ou BdB, disse que interromper as importações de petróleo e gás tornaria uma recessão “praticamente inevitável”.

Presidente Volodmir Zelenski visita cidade de Bucha após retomada pelas tropas ucranianas  

Mas a Alemanha se moveu na segunda-feira para assumir o controle de uma subsidiária da empresa russa de energia Gazprom, três dias depois que a empresa com sede em São Petersburgo disse que estava abandonando os negócios na Alemanha.

Além de anunciar essa medida, o ministro da Economia e Clima, Robert Habeck, do Partido Verde, disse que novas sanções podem atingir pessoas ao redor de Putin, bem como instituições financeiras russas. Ele também disse que a Alemanha deveria expandir suas entregas de armas para a Ucrânia – uma posição notável para um líder do Partido Verde, dadas suas raízes pacifistas.

O governo se recusou a comentar as alegações do primeiro-ministro da Polônia de que a Alemanha é o principal obstáculo para sanções mais duras.

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“Há uma indignação generalizada na Alemanha, e os políticos alemães serão forçados a fazer algo, mas eles não querem fazer algo que prejudique a Alemanha”, disse Dirsus. “Não há boas opções restantes. Sanções maciças causariam danos à Alemanha. Mas não faça nada e você é cúmplice.”

‘Cabeça fria’

O ministro das Finanças da Áustria, Magnus Brunner, também jogou água fria nas propostas para revisar as sanções em resposta às cenas de Bucha, dizendo que era importante “manter a cabeça fria”. As sanções, disse ele, “não devem nos afetar mais do que a Rússia”.

“É por isso que estamos, junto com a Alemanha, muito relutantes em relação a um embargo de gás”, disse ele a repórteres ao chegar a Luxemburgo para uma reunião de ministros das Finanças da UE.

Uma declaração da presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, publicada nesta segunda-feira após um telefonema com o presidente ucraniano, Volodmir Zelenski, disse que a UE criou uma Equipe de Investigação Conjunta com a Ucrânia para coletar evidências e investigar crimes de guerra e crimes contra a humanidade — mas não mencionou sanções.