Militares chineses planejam lançar 13 mil satélites para fazer frente à Starlink, de Elon Musk

Uso bem-sucedido dos satélites Starlink na guerra na Ucrânia foi percebido como uma grande ameaça à segurança nacional de Pequim

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Por Cate Cadell

Pesquisadores militares da China estão pedindo a rápida mobilização de um projeto para uma rede nacional de satélites para concorrer com a Starlink, da SpaceX, preocupados com a possibilidade de os satélites com sinal de internet de Elon Musk representarem uma grande ameaça à segurança nacional de Pequim após o seu uso bem-sucedido na guerra na Ucrânia.

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Pesquisas e estudos recentes da China e fontes informadas a respeito do programa dizem que estão em andamento planos para a mobilização de uma mega constelação nacional de quase 13 mil satélites de órbita baixa, enquanto cientistas militares desenvolvem pesquisas para “suprimir” ou mesmo danificar satélites da Starlink no caso de um conflito.

Um obscuro projeto com apoio do governo - ao qual o setor chinês de satélites se refere como GW, ou Guowang, que significa Rede Estatal - começou a ganhar força em 2021, como rival das redes de satélites dos Estados Unidos e outros serviços civis de sinal de internet. Mas, nos meses mais recentes, pesquisadores chineses compartilharam publicamente e em caráter privado diante de autoridades militares a sua preocupação com o atraso do projeto em relação à Starlink, devendo receber total atenção depois que a tecnologia de comunicação da SpaceX suportou os testes práticos na Ucrânia.

“A constelação da Starlink finalmente revelou sua aplicação militar no conflito entre Rússia e Ucrânia”, disse um acadêmico de Pequim informado a respeito do projeto chinês.

“Agora o foco será a aceleração do desenvolvimento da constelação própria da China . . . e a exploração de medidas defensivas contra satélites estrangeiros como os da Starlink”, disse a fonte, que falou sob condição de anonimato por se tratar de um tema sensível.

Uso bem-sucedido dos satélites da Starlink na guerra da Ucrânia foi percebido como ameaça pela China Foto: Lisi Niesner/Reuters - 8/3/2023

As preocupações chinesas com a segurança nacional diante da Starlink ocorrem em meio a uma corrida espacial cada vez mais acirrada entre Pequim e Washington, com ambos os países investindo pesado em tecnologia defensiva de ponta e missões de exploração - incluindo esforços concorrentes para levar o homem a Marte.

Grandes redes de satélites de baixa órbita com sinal de internet como a Starlink e projetos rivais da Amazon e da Boeing - que se situam entre 500 km e 2.000 km acima da superfície da Terra - são empreendimentos comerciais pensados para oferecer acesso de banda larga à internet em áreas de baixa conectividade.

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A SpaceX, de Musk, opera atualmente mais de 3 mil satélites, e tem planos de levar este número a aproximadamente 42 mil. A empresa enviou milhares de terminais da Starlink para a Ucrânia desde o início da guerra, e o serviço se tornou uma ferramenta essencial na comunicação militar.

Mas o sucesso tecnológico da Starlink no campo de batalha foi abafado pela estratégia política chantagista do seu diretor executivo, incluindo a ameaça de interromper os serviços de comunicação e um alerta em fevereiro segundo o qual forças ucranianas estariam usando o sistema para propósitos ofensivos não autorizados. A empresa diz que seu serviço de internet “não foi criado para ser usado como arma” e adotou medidas para impedir a Ucrânia de usá-lo para ativar seus drones.

Satélites ultrassecretos

Ao longo dos dez anos mais recentes, o Pentágono passou a depender cada vez mais do setor espacial comercial, aproveitando os veículos de lançamento reutilizáveis da SpaceX, criados por Musk, para lançar satélites de defesa ultrassecretos. Em dezembro, a SpaceX anunciou a expansão deste trabalho, revelando um projeto chamado Starshield - diferente da Starlink - e voltado para os propósitos de segurança nacional dos governos. O anúncio trouxe ansiedade a Pequim, onde pesquisadores temem que ele possa prejudicar o sigilo dos programas militares chineses.

“Depois que o Starshield for concluído, ele será o equivalente à instalação de câmeras de vigilância sobre todo o mundo. A partir desse momento, operações militares como o lançamento de mísseis balísticos, mísseis hipersônicos e caças será facilmente detectado pelo monitoramento dos EUA”, disseram em dezembro pesquisadores da Universidade de Engenharia Espacial do Exército de Libertação Popular ao site oficial de notícias militares da China.

A SpaceX não divulgou informações indicando que o projeto incluiria essas capacidades. Seu site voltado ao público em geral diz que o projeto oferecerá capacidades de observação e comunicação, e equipamento para receber cargas não especificadas em seus satélites.

A SpaceX e a Embaixada da China em Washington não responderam às tentativas de contato.

Campo de batalha

Mesmo sem evidências de que redes comerciais como a Starlink sejam usadas atualmente para os propósitos de vigilância indicados pelos acadêmicos chineses, elas já revelaram seu potencial no campo de batalha. Serviços como a Starlink têm a capacidade de oferecer comunicação barata e de alta velocidade via internet em situações em que as demais infraestruturas estiverem indisponíveis.

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De acordo com os analistas, em conjunto com serviços comerciais de imagens via satélite como Planet Labs e Maxar, a Starlink pode transmitir aos soldados informações quase instantâneas a respeito do que está ocorrendo no campo de batalha.

Soldados na Ucrânia dizem ter usado a rede para acompanhar ao vivo as imagens transmitidas por drones e para melhorar a precisão do fogo de artilharia, poupando munição. Ela também permitiu aos soldados manter o contato com amigos e parentes.

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“Quer gostemos ou não, [Musk] nos ajudou a sobreviver aos momentos mais difíceis da guerra”, disse Mykhailo Podolyak, assessor do presidente ucraniano, Volodmir Zelenski, em publicação no Twitter em outubro.

Enquanto isso, as ambições da China são limitadas por obstáculos tecnológicos e pela capacidade de lançamento. No ano passado, pesquisadores em Xian, no centro da China, realizaram testes bem-sucedidos envolvendo um propulsor de foguete reutilizável, mas sua tecnologia fica atrás da empregada pela SpaceX. Uma autoridade chinesa disse à mídia estatal que a expectativa é chegar ao primeiro veículo reutilizável de lançamento capaz de decolagem e aterrissagem verticais (semelhante aos foguetes da SpaceX) mais ou menos em 2025.

Projetos estatais

Em 2021, Pequim anunciou a criação de uma nova firma, liderada por nomes escolhidos entre os melhores grupos estatais aeroespaciais, para supervisionar o desenvolvimento da mega-constelação de satélites de baixa órbita. Chamado de China Satellite Network Group Co. Ltd., o empreendimento foi pensado para consolidar os programas iniciais de satélites civis e estatais e acelerar o desenvolvimento do projeto nacional, de acordo com analistas e fontes informadas a respeito dos planos.

Um ano antes, a China apresentou documentação à União Internacional das Telecomunicações - agência das Nações Unidas responsável pela definição dos padrões na comunicação - descrevendo sua intenção de lançar inicialmente 12.992 satélites operando em determinadas frequências dentro de um cronograma não especificado.

É difícil determinar quantos satélites ligados ao projeto nacional estão atualmente em órbita porque, de acordo com os analistas, é provável que iniciativas anteriores tenham sido absorvidas pelo plano nacional, mas diferentes programas estatais e civis da China lançaram, juntos, um número relativamente pequeno deles, algo na ordem das dezenas. Também é improvável que tenham as capacidades operacionais dos modelos mais novos lançados pela Starlink.

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Mas a trajetória chinesa é exponencial.

“Este ano, existe uma chance considerável de a China lançar algumas dezenas de satélites de baixa órbita destinados às comunicações. E, no ano seguinte, talvez sejam algumas centenas de lançamentos”, disse Blaine Curcio, fundador da Orbital Gateway Consulting, que acompanha o desenvolvimento da indústria chinesa de satélites. “Em cinco anos, se me disserem que a China terá 2 mil satélites de comunicações em órbita baixa, eu diria que esse número é o mínimo.”

Elon Musk estaria planejando um encontro com autoridades chinesas em Pequim  Foto: Patrick Pleul/Reuters - 22/3/2023

Mas a chegada tardia da China ao mercado também pode limitar seu acesso às frequências abertas em órbita bixa. “Em 2015 e 2016, quando houve uma espécie de corrida do ouro nas frequências de órbita baixa, os chineses simplesmente não participaram”, disse Curcio. “E acredito que isso será um obstáculo para eles, algo que cria certa urgência.”

Em um estudo divulgado em fevereiro, uma equipe de pesquisadores na Universidade de Engenharia Espacial acusou os EUA de se apoderarem dos recursos de órbita baixa, incluindo frequências, e disse que o rápido desenvolvimento da Starlink não era apenas um projeto comercial, mas um “plano de interesse competitivo e estratégico” por parte do governo americano.

Os pesquisadores também descreveram potenciais métodos para desativar os satélites da Starlink, caso venham a ser usados futuramente em operações militares dos EUA. “É difícil danificar fisicamente a constelação da Starlink “, disse o artigo, destacando a possível chuva de destroços que um ataque aos satélites criaria.

“Assim sendo, lasers, micro-ondas de alta potência . . . podem ser usados para danificar os equipamentos de reconhecimento armados nos satélites da Starlink”, disseram os pesquisadores, referindo-se à técnica que desabilitar um satélite sem destruí-lo, evitando assim os destroços. Os pesquisadores militares chineses também sugeriram “aproveitar” possíveis pontos fracos nos serviços de internet da Starlink para mobilizar ataques cibernéticos e “paralisar sua rede de comunicações”.

A fonte em Pequim informada a respeito do programa disse que esse tipo de pesquisa já “se encontra em um nível relativamente sofisticado. O maior desafio é monitorar as operações da Starlink”, disse a fonte. “O tamanho da constelação dificulta a compreensão do seu real propósito.”

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Ainda que o programa seja relativamente recente, a ansiedade de Pequim em relação à Starlink mostra como é tensa a concorrência entre EUA e China no setor espacial.

“Se estão falando em vulnerabilidades da Starlink ou do Starshield, é porque sabem que elas existem e já as estudaram em seus sistemas”, disse Martin Whelan, vice-presidente sênior do Grupo de Sistemas de Defesa da Aerospace Corporation, centro de pesquisa e desenvolvimento com financiamento federal que oferece análise e experiência técnica para os programas espaciais americanos. “Mas isso me diz que estão pensando em atacar uma capacidade e negar o acesso a ela, coisa que sempre deixa os militares americanos nervosos.”

Whelan disse que uma das maiores preocupações ao lidar com os crescentes programas espaciais chineses é a falta de comunicação. “Os EUA registram seus satélites; os orçamentos podem ser consultados, tudo pode ser lido. Mas, do lado chinês, tudo é menos transparente.”

Não é a primeira vez que a China se surpreende com o rápido desenvolvimento dos satélites da Starlink. Em 2021, Pequim apresentou uma queixa na Onu, alegando ter sido obrigada a realizar manobras evasivas em duas ocasiões para evitar uma colisão entre sua estação espacial e os satélites da Starlink, o que levou a duras críticas contra a SpaceX e Elon Musk na China.

Musk estaria planejando uma viagem à China este mês para se reunir com funcionários do alto escalão do governo. / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL

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