Está quase acabando. O fim está tão perto que eles podem praticamente sentir as chaves que guardaram todos esses meses deslizando para dentro das fechaduras de suas antigas casas, as maçanetas girando em suas mãos, as camas nas quais eles vão afundar para sua primeira noite de descanso profundo em mais de 15 meses — suas próprias camas. Faltam apenas mais alguns dias.
Duas noites antes do anúncio da primeira fase do cessar-fogo em Gaza, Layan al-Mohtaseb, de 15 anos, sonhou que estava de volta ao seu quarto na Cidade de Gaza, limpando-o como costumava fazer antes de sua família fugir durante a guerra. “Desta vez, parece que estamos realmente voltando para casa”, disse ela.
Isso pode ser verdade apenas para aqueles cujas casas ainda estão de pé após meses de destruição. E sempre há uma chance de que a luta possa recomeçar após a trégua inicial de seis semanas se as negociações sobre uma permanente fracassarem. Mas as pessoas estavam sonhando acordadas com os primeiros momentos de paz. Sonhavam com as pessoas que abraçariam assim que a trégua se firmasse, os túmulos que visitariam. Elas já sabiam que estariam chorando, choro que mal sabiam se atribuíam à alegria ou à tristeza.

Se a quarta-feira à noite foi para celebrar a notícia de que um acordo de cessar-fogo havia sido fechado, os dias seguintes foram para fazer preparativos. Enquanto o gabinete de segurança israelense se reunia para votar no acordo de cessar-fogo e libertação de reféns nesta sexta-feira, os palestinos estavam pedindo caminhões que pudessem alugar para levar suas coisas de volta ao norte de Gaza, ou vans, ou até mesmo carroças puxadas por burros; arrumavam suas barracas, imaginando onde viveriam se suas casas não estivessem mais lá.
Fedaa al-Rayyes, de 40 anos, já estava comprando ingredientes para fazer pequenos doces festivos para dar boas-vindas ao fim da guerra. Mas a primeira coisa que ela planeja fazer quando as bombas e os drones silenciarem é procurar parentes que ela não vê há meses, descobrir quem ainda estava vivo e lamentar por aqueles que não viveram para ver este dia.
“É impossível descrever essa mistura de alívio e tristeza”, ela disse. “Estou feliz por termos sobrevivido e grata pelas pessoas gentis que nos ajudaram. No entanto, estou profundamente triste — triste pelos parentes e amigos que perdemos e pelo bairro para o qual retornaremos sem eles.”
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Também havia questões práticas para pensar. Ela lembraria seus filhos de “ficarem longe de qualquer coisa que ainda pudesse ser perigosa ou explosiva”, disse — de todas as munições não detonadas espalhadas por Gaza que poderiam continuar aumentando a contagem de vítimas da guerra, uma explosão acidental de cada vez, por meses ou anos.
A maioria da população de Gaza, de mais de dois milhões de pessoas, teve que se amontoar em tendas, escolas e apartamentos de outras pessoas durante boa parte da guerra, impulsionada pelos ataques aéreos de Israel e ordens de retirada de suas casas ou dos abrigos onde estavam. Agora, eles não conseguiam pensar em outra coisa senão em ir para casa. Mesmo que essas casas estivessem danificadas. Mesmo que agora não fossem mais do que escombros e cinzas.
Manal Silmi, de 34 anos, psicóloga de um grupo de ajuda internacional, planejou primeiro abraçar sua mãe e seus irmãos e depois “chorar, extravasando toda a dor que carregamos durante esses 15 meses”, disse ela.

Então a caminhada para casa poderia começar. Pelo acordo, as pessoas deslocadas do norte de Gaza para o sul poderão retornar no sétimo dia de trégua, que começa no domingo. A família já estava procurando uma van grande para levar todas as suas barracas e camas de volta para o norte. Os amigos e os poucos parentes que ela tinha deixado na Cidade de Gaza já tinham ligado, fazendo planos para encontrá-los no ponto de travessia que divide o norte e o sul de Gaza.
“Nós nos abraçaremos, choraremos e agradeceremos a Deus repetidamente por sobreviver a esta guerra”, disse ela.
Al-Hassan al-Harazeen, 23 anos, um estudante universitário do último ano com especialização em ciência da computação, sabia que a casa de sua família no leste da Cidade de Gaza estava em ruínas, disse. Mas ele ainda iria direto para lá assim que o cessar-fogo começasse.
Ele pensa em pintar com spray o nome de sua família em qualquer tijolo que ainda esteja inteiro, sentado sobre os escombros por um tempo. “Para abraçar aquelas pedras e tijolos quebrados como se fossem parte de mim”, disse.
Depois, ele visitaria o túmulo onde enterraram seu avô no início da guerra para recitar os primeiros versos do Alcorão para ele.
Se eu pudesse, voaria direto para o norte e pousaria nos escombros da minha casa.
Raed al-Gharabli, palestino de 48 anos
Mesmo quando os mediadores anunciaram o acordo na quarta, Israel ainda bombardeava Gaza. Dois funcionários da empresa de painéis solares que Jamal Mortaja, de 65 anos, possuía antes da guerra foram mortos na véspera do anúncio. Eles estariam em seus pensamentos, disse Mortaja, 65 anos, ao retornar para a Cidade de Gaza para visitar o que restava de sua casa antes de verificar suas lojas na rotatória de al-Ansar.
Raed al-Gharabli também quer retornar à Cidade de Gaza, apesar da destruição de sua casa, só para dizer adeus antes que os escombros fossem removidos. Deseja caminhar pelo bairro que morou, Shuja’iyya, e cumprimentar os vizinhos que resistiram todos esses meses.
E então, disse, vai pegar a barraca que montou de forma improvisada em Deir al Balah, para onde fugiu com a família, e montar ao lado das ruínas de sua casa. “Mal posso esperar para ver esse momento se tornar real”, disse o al-Gharabli, de 48 anos, um alfaiate. “Se eu pudesse, voaria direto para o norte e pousaria nos escombros da minha casa.”

Para acelerar as coisas, ele disse que sua família deixaria alguns pertences com vizinhos em Deir al Balah, onde eles e outros deslocados criaram laços de confiança com pessoas que eram totalmente estranhas no início da guerra.
Havia até uma parte deles que já sentia saudade da camaradagem que havia se formado entre eles e seus vizinhos temporários.
Depois que sua casa na cidade de Khan Younis, no sul, foi destruída, Ismail al-Sheikh, de 39 anos, um professor universitário, mudou-se para uma tenda, onde conheceu outros dois homens em tendas próximas. Os novos amigos passaram as noites relembrando a vida antes de 7 de outubro de 2023, quando a guerra começou, e imaginando em voz alta o que aconteceria quando o pesadelo acabasse. O que eles fariam. Para onde iriam.
Para o al-Sheikh, que lecionava na Universidade de al-Aqsa, os devaneios não eram nada loucos. Ele só queria sua vida normal de volta, dando aulas, encontrando-se com amigos à noite no Restaurante Titanic em Khan Younis. O Titanic, ouvira dizer, havia sido destruído.
Agora, com a guerra se aproximando do fim, seus novos amigos estavam se preparando para retornar à Cidade de Gaza, de onde eram originários.
“Sentirei muita falta dessas reuniões”, disse o al-Sheikh. “É realmente uma mistura de emoções — felicidade pelo retorno, tristeza pelas despedidas e esperança pelo que está por vir.”