Um patrulheiro russo matou nesta quarta-feira com um disparo um pescador japonês e capturou outros três em um incidente ocorrido nas imediações das Ilhas Curilas, o que piora a disputa entre Tóquio e Moscou por esse arquipélago no noroeste do Pacífico. O pacto tácito feito há um ano entre Japão e Rússia sobre as Curilas foi prejudicado com este fato, que faz renascer uma disputa iniciada na II Guerra Mundial. O incidente ocorreu perto da ilha de Kaigara, uma das ilhas que faz parte das Curilas do Sul e que está em mãos russas desde 1945, quando a União Soviética a tomou do Japão. Segundo as autoridades japonesas, um patrulheiro russo abriu fogo contra o navio Kisshin Maru 31, que navegava nas águas próximas à península de Nemuro, na ilha japonesa de Hokkaido, norte do país, onde o pesqueiro japonês tinha sua base. De acordo com a guarda costeira japonesa, um dos pescadores, Mitsuhiro Morita, de 35 anos, morreu com um tiro na cabeça. O capitão da embarcação, de 59 anos, e outros dois pescadores, de 29 e 25 anos, não sofreram nada, mas foram detidos pelo patrulheiro e conduzidos juntos à ilha de Kunashiri para serem interrogados. Após o incidente, o Governo japonês expressou sua indignação por meio da Embaixada russa em Tóquio. "Demandei a imediata libertação dos membros da tripulação do pesqueiro aprisionado", disse o ministro das Relações Exteriores japonês, Taro Aso. Além disso, o chefe do Departamento de Assuntos Europeus desse ministério, Chikahito Harada, convocou com urgência o ministro conselheiro da Embaixada russa, Mikhail Galuzin, que substitui temporariamente o embaixador Alexander Losiukov. Galuzin disse à imprensa que a Guarda-Costeira capturou o barco porque ele trabalhava ilegalmente em águas russas. O Departamento de Fronteiras russo negou que sua Guarda-Costeira tenha disparado contra o pesqueiro japonês. Segundo o departamento, foi dada apenas uma rajada de fuzil automático Kalashnikov, disparada para o alto como advertência para que o barco japonês parasse. As autoridades fronteiriças da Rússia dizem que a Guarda-Costeira entrou no barco e encontrou um dos pescadores morto, segundo eles, atingido por uma bala perdida. A Promotoria russa, no entanto, anunciou que foram abertos dois processos: um sobre o emprego de armas de fogo na captura do navio pesqueiro e outro contra o capitão da embarcação por violação da fronteira. O lugar onde ocorreu o fato, Kaigara, está localizado a cerca de três quilômetros do Cabo Nosappu, na ponta leste de Nemuro, onde moravam tanto os pescadores que foram detidos quanto o que morreu. Segundo a agência de notícias "Kyodo", os pescadores de Nemuro tinham, até agora, um acordo com o Governo russo, dentro do qual efetuavam uma série de pagamentos para poderem trabalhar nos arredores de Kaigara. No início do mês, contudo, as autoridades de Hokkaido já tinham pedido aos pescadores da região que evitassem a pesca furtiva, devido ao endurecimento das advertências lançadas pela Administração russa. Esta é a primeira vez desde outubro de 1956 que um pescador japonês morre na conflituosa fronteira de águas territoriais dos dois países. Desde 1994, contudo, já foram detidas na região entre o sul da ilha russa de Sacalina e as Curilas do Sul cerca de 30 barcos pesqueiros japoneses, com um total de 210 tripulantes. Nesse período, pelo menos em seis ocasiões a Guarda-Costeira russa fez uso de armas e feriu sete pessoas. A disputa pelas Curilas mantém os dois países tecnicamente em guerra desde 1945 e o Japão se nega a assinar um tratado de paz até que Rússia aceite devolver "seus" quatro "territórios do norte". A visita ao Japão em novembro de 2005 do presidente russo, Vladimir Putin, trouxe certa calma para o conflito. O ocorrido faz lembrar novamente que o assunto é a principal polêmica entre os dois países. As autoridades russas dizem que dialogam somente sobre a concessão de Shikotan e de Habomai, como ficou estabelecido na Declaração de 1956 assinada pelo Japão e pela URSS. O Governo japonês, no entanto, cita a chamada Declaração de Tóquio, assinada em 1993 pelo então presidente russo, Boris Yeltsin, na qual se fazia alusão à solução do conflito tratando as quatro ilhas como um só conjunto.
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