Desde que a pandemia chegou ao Peru, o venezuelano Rodolfo Castillo precisou trocar a engenharia mecânica pelo serviço funerário para sobreviver em Lima. “Saio para trabalhar e recolho mais de dez mortos por dia. Por medidas sanitárias, nenhum corpo de vítima da covid-19 é preparado para um funeral. A gente coloca em uma sacola especial para levar ao crematório”, contou Castillo ao Estadão.

O venezuelano chegou ao Peru há dois anos e mora em um bairro de classe média com primos e tios. Castillo perdeu o emprego na empresa de refrigeração e resolveu pedir ajuda a amigos venezuelanos que já trabalhavam no setor funerário. “Pouco a pouco, vou me acostumando, mas não é fácil. Agora, tenho uma rotina dura e passei a tomar mais cuidado, porque não é apenas uma gripe.”
No Peru, mais de 4 mil pessoas morreram e 141 mil casos de covid-19 foram confirmados. O país teve um lockdown rígido. Em 15 de março, já havia fechado aeroportos e fronteiras, mas a disseminação tem sido rápida porque há muita informalidade e muitos vivem em situação sanitária precária.
Esse é um dos cenários que Castillo encontra em seu trabalho: pessoas que morreram em casas pequenas, onde a máquina de lavar roupas está ao lado da cama sem lençóis. Para retirar os mortos, ele precisa de uma escada para carregar os cadáveres.
Desde 2015, mais de 4,5 milhões de latino-americanos, a maioria venezuelanos, migraram para países da região. Governos lançaram programas de auxílio e garantiram vistos temporários ou permissões de trabalho, mas agora existe o temor de que a pandemia impeça novas ações sociais, enquanto a recessão e a disputa por leitos de hospitais aumenta.
Auxílios.
No Peru, em 2017, quando o êxodo venezuelano aumentou, o governo do então presidente, Pedro Pablo Kuczynski, estendeu a duração do visto de trabalho temporário e criou um visto específico de permanência. Com isso, em 2018, 500 mil venezuelanos entraram no país.
O número de venezuelanos vivendo no Peru é de 860 mil, mas a integração é mais difícil do que em países como a Colômbia, explica Brian Winter, editor-chefe da Americas Quarterly, em artigo sobre políticas migratórias da América Latina. Ele cita a questão das culturas e similaridades entre os países caribenhos.
O risco de contaminação para Castillo é grande, assim como ocorre com a maioria dos imigrantes na América Latina. Segundo a Organização Internacional do Trabalho (OIT), muitos não estão regularizados e trabalham em serviços essenciais – portanto, não conseguem cumprir o isolamento social.
“Vários venezuelanos têm trabalhado em serviços essenciais, como auxiliares de enfermagem, segurança privada, limpeza e serviços de gestão de cadáveres. Além disso, os imigrantes sofrem com o aumento da xenofobia”, afirma o diretor da OIT para a América Latina e o Caribe, Vinícius Pinheiro.
Xenofobia.
Segundo a Organização Internacional para as Migrações (OIM), a pandemia pode levar à perda do status migratório legal por conta do fechamento de fronteiras, por isso é importante que essa população receba mais apoio dos Estados.
Castillo não tem o visto permanente. Ele diz que o processo foi paralisado com a crise. Mas seu desejo agora é retornar à Venezuela. “A economia aqui (no Peru) vai decair muito e sempre nos rotulam de várias coisas, menos de boas pessoas.”
A situação se repete em outros países da América do Sul. Na Colômbia, por exemplo, quase 1,8 milhão de venezuelanos chegaram entre 2015 e 2019, mas 65 mil deles regressaram desde o início da pandemia.