‘Nosso triunfo dependia do apoio que não tivemos’

Após 40 anos na luta armada, ex-líder das Farc diz que grupo aprendeu a buscar novos caminhos

PUBLICIDADE

Por Fernanda Simas
Atualização:
7 min de leitura

Em maio, a Colômbia terá sua segunda eleição presidencial após a assinatura do acordo entre governo e Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc), principal guerrilha do país. Há quatro anos, a vitória de Iván Duque colocou em dúvida a continuidade do acordo.

”Quatro anos se perderam desde a assinatura. Se voltarmos a cometer o mesmo erro, quem sabe o caminho que a Colômbia vai tomar. Por isso, essas eleições são cruciais”, disse Rodrigo Londoño, conhecido como Timochenko, ex-líder das Farc e líder do Partido Comunes.

Sentado em sua residência e não mais em um acampamento de selva, Londoño faz uma reflexão sobre a falta de apoio que a guerrilha tinha, a mudança para a vida política e como debater as necessidades da população colombiana para as eleições.

Em 2018, Londoño saiu candidato à presidência da Colômbia, mas não foi até o fim após um ataque cardíaco  Foto: Raul Arboleda/AFP

Qual a importância dessas eleições na Colômbia?

Estamos em um momento histórico. Nós, colombianos, nos equivocamos em eleger um presidente cuja bandeira foi ser contra os acordos de paz. Por sorte, o acordo está protegido, mas quatro anos se perderam. Se voltarmos a cometer o mesmo erro, quem sabe o caminho que a Colômbia vai tomar? Por isso, essas eleições são cruciais.

Como acabar com o assassinato de líderes sociais no país?

Continua após a publicidade

A JEP (Jurisdição Especial para a Paz) alertou para a situação de conflito em 12 zonas muito importantes do país, como Sul de Bolívar, Monte de María, sul de Chocó, Catatumbo, Aguare e outros. Toda essa situação já vem assim desde a eleição e por que? Porque não se implementou o que foi acordado, foi abandonado o espírito e a essência do que assinamos com o Estado colombiano, que era a base para iniciar a desescalada dessa violência. A situação não seria melhor do dia para a noite, mas era o começo da resolução dos problemas de violência do país, como a questão do ELN e a desmobilização dos grupos narcotraficantes. Por isso, volto a falar do desafio histórico dessas eleições.

Depois do acordo de paz, o sentimento na Colômbia era de esperança. O que aconteceu?

Infelizmente, o acordo não foi implementado e voltamos a ter violência. Mas não podemos perder a esperança. O acordo está feito, é um mandato da Constituição colombiana e qualquer funcionário público, começando pelo presidente, precisa defender o acordo e implementá-lo. O pouco que se conseguiu nesse governo (Duque) foi justamente por obrigação das circunstâncias. Vimos que é possível a paz. O acordo entre as Farc e o Estado colombiano provou que o diálogo leva a um acordo e agora esse é o desafio que temos.

É possível negociar com a Venezuela o apoio a grupos criminosos na fronteira?

A Colômbia precisa resgatar sua tradição diplomática de boa vizinhança. Acusar o governo venezuelano de apoiar esses grupos é uma afirmação complexa. Pessoas que apoiam esses grupos existiram a vida inteira. Narcotraficantes e contrabandistas encontram apoio em setores corruptos das Forças Armadas da Venezuela. Mas dizer que é algo oficial não ajuda em nada.

O narcotráfico é um dos principais problemas no país. Como tratar isso?

No acordo que assinamos se colocam as bases iniciais para atacar esse fenômeno. Além disso, é preciso falar com a comunidade internacional. Esse fenômeno não será resolvido por apenas um país. Enquanto houver a demanda, vai haver a oferta. Aqui temos a questão das condições de trabalho dos camponeses colombianos. O que acordamos no ponto 4, a substituição voluntária dos cultivos, é a forma de começar a atacar o fenômeno por onde se deve, mas isso também precisa ser implementado com boa vontade. O acordo prevê uma conferência internacional para tratar o tema e estamos na esperança que isso aconteça. Por isso falo que o acordo precisa ser implementado em sua totalidade.

Continua após a publicidade

Como você vê os protestos de jovens nos últimos anos no país?

Os protestos mostraram uma consciência que está sendo formada, em especial nos jovens, que saíram levantando as bandeiras do inconformismo. Isso é fruto do espaço aberto pelo acordo de paz, ou seja, ao desaparecer o conflito entre as Farc e o Estado colombiano, não é mais possível culpar as Farc por todos os problemas, como faziam antes. Agora, aparecem na superfície os grandes conflitos do interior da sociedade colombiana e essa expressão de luta. Temos conversado com as pessoas para mostrar que a luta precisa chegar nas eleições, que é preciso sair para votar e acertar na tomada de decisões.

Como foi para você e seus companheiros a transição para a vida política?

Essa é uma pergunta complexa porque ainda estamos em transição. Estamos aprendendo a nos adaptar a uma nova forma de luta e combater sem renunciar aos nossos princípios. Por sorte, há muito apoio da comunidade internacional, assim como nas redes sociais e políticas de pessoas que decidiram nos apoiar e ensinar, porque também há momentos em que nos equivocamos, afinal é um cenário totalmente novo para a gente, apesar do acúmulo de 50 anos de luta política, com as armas. Esse cenário é diferente. Estamos aprendendo. Nessas eleições estamos tendo uma experiência bastante nova da campanha, com bastante entusiasmo e ânimo. Vamos esperar os resultados.

Houve muita decepção com ex-companheiros que voltaram às armas?

Não foram muitos. Aqui ficaram os melhores. Infelizmente, quadros importantes fizeram isso e nos perguntamos o motivo. Homens que ajudaram na construção do acordo de paz e voltaram atrás. Claro que, do ponto de vista pessoal, isso é sentido. Foram companheiros que viveram situações complexas na luta e isso acaba criando laços muito fortes.

Qual a importância de reconhecer os crimes cometidos no conflito?

Continua após a publicidade

Esse é um tema interessante, porque é algo original desse processo de paz. Quando estávamos na discussão do tema das vítimas do conflito, nasceu o sistema integral de justiça e reparação, cuja coluna vertebral é a verdade para todos os atores. Esse sistema não foi construído para as Farc, mas para todos os atores do conflito, para buscar uma solução distinta das soluções punitivas e de castigo. Aqui seremos punidos, mas com sanções para reparar o dano à sociedade colombiana. Agora sabe como nos sentimos? É difícil, especialmente quando nos colocamos em frente às vítimas, é doloroso, mas se descansa. Até porque vimos na grande maioria das vítimas muita generosidade. E o que as pessoas pedem, mais do que castigo, é a verdade, saber o que passou e que lhes contemos o porquê.

Com a proximidade do dia da assinatura do acordo de paz, como foi se sentindo?

Nosso triunfo dependia do apoio das pessoas, que não tivemos. Em 50 anos, não tivemos o apoio da maioria. Isso nos foi ensinando que havia outros caminhos. É um processo complexo. Eu não cheguei à guerra do nada, como muitos. Eu cheguei convencido de que a ternura não chegaria ao país senão pela força. Mas a vida nos mostrou que havia outros caminhos e agora seguimos o da política e do social. Na guerrilha, era um aprendizado e uma tensão permanentes, começando pelo fato de que estávamos em uma terra quente e, em oito dias, podíamos estar em temperaturas abaixo de zero. O guerrilheiro tem como uma de suas características aprender a se adaptar. E isso nos serviu.

Como era a vida das crianças na guerrilha?

Era um dos grandes problemas. Tentávamos não ter filhos, porque conviver na guerra era impossível. Por isso, quando nasciam crianças, deixávamos com parentes. Tive uma filha, 38 anos atrás. Eu a vi com 2 meses e depois com 5 anos, porque ela foi criada por parentes. Agora, com a paz, tenho um filho que está com dois anos e meio e vive comigo na maior parte do tempo. Na guerra era impossível tê-los pelas condições.

Sente falta de algo da vida no campo?

Era uma vida bonita e poderia ser mais, se não estivéssemos em guerra. Lá, o tempo passava devagar, as decisões eram tomadas com muita tranquilidade, as comunicações levavam dias, às vezes meses. Aliás, no começo (da guerra), um correio levava dois, três meses para ir e voltar. Agora, é uma coisa dinâmica. Estamos diante de uma conjuntura hoje e pela noite tudo pode mudar. As decisões precisam ser tomadas mais rapidamente. O contraste é evidente entre aquela vida e a que levamos agora.

Continua após a publicidade

Presidente Juan Manuel Santos e Londoño participam de ato pelo desarmamento de guerrilheiros após acordo de paz  Foto: Fernando Vergara/AP

Voltando ao dia da assinatura do acordo, o que sentiu quando três caças sobrevoaram o local?

Sinceramente, eu estava concentrado no que estava dizendo, no tom que estava usando, porque inclusive estava no fim de minha fala, e percebi um ruído. eu vinha de outra cidade, onde, no momento da minha fala caíram raios fortes. Então naquele momento (em Cartagena) pensei que era uma tempestade elétrica. Quando olhei e vi os aviões em cima da gente, já não tinha tempo para mais nada. Voltei para olhar para os outros, inclusive Raúl Castro, e ele me disse ‘estão saudando a paz’ e eu, ‘claro, estão saudando a paz’. O susto veio depois, aí pensei em tudo que poderia ter passado.

Você se arrepende da luta armada?

Fiquei 40 anos na luta armada. Entrei com 17 anos nas Farc, e com 57 anos assinei o acordo. Há coisas que, olhando agora, eu faria de outra maneira. Ter me vinculado à luta nunca foi um arrependimento. Com 17 anos, entrei com um sonho para as Farc. Com 57 anos, assinei um acordo com esse mesmo sonho. Mas há coisas que tomamos consciência agora, coisas não deveríamos ter feito, coisas que foram um desacerto muito grande - não gosto de falar em equívoco -, porque rompeu nossas éticas e princípios. Mas, aquilo tudo foi fruto de um contexto, não podemos separar essas ações do contexto em que ocorreram.

Como você vê hoje a relação entre os países latino-americanos?

Esse é um tema complexo. Uma situação era a que existia quando assinamos o acordo de paz. Outra é a que vemos agora. O tema mais complexo continua sendo o econômico e a grande dependência das grandes potências. É preciso impulsionar o diálogo e retomar os mecanismos de integração regional, como Unasul e Celac. Acredito que os países terão novamente governos progressistas, como Chile, Bolívia e Argentina. Esperamos que agora, com as eleições, a Colômbia vá pelo mesmo caminho. O futuro está sendo construído e trabalhamos por ele.

Continua após a publicidade

Como vê a situação na Ucrânia hoje?

A guerra não é o caminho para resolver os conflitos. Atacar um povo por considerar que não ele tem o governo que queria, não me parece o caminho certo. O caminho do diálogo, da discussão e do debate é o que deve ser feito. O mais grave é que agora se coloca em risco a segurança de todos. E há possibilidades de um conflito nuclear, do qual não sairá nenhum vencedor.

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.