Nova guerra comercial de Donald Trump contra a China é uma guerra também contra opioides

Presidente alega que as drogas estão envenenando a geopolítica

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Por The Economist

Mais de seis anos depois que Donald Trump, então em seu primeiro mandato como presidente dos Estados Unidos, ter iniciado uma guerra comercial contra a China, as armas voltam a disparar. Em 4 de fevereiro, Trump impôs uma tarifa adicional de 10% sobre as importações da China, que respondeu com uma série de outras tarifas sobre vários produtos americanos.

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Canadá e México, que também foram ameaçados com tarifas, obtiveram um adiamento pelo menos temporário. Mas mesmo que a China eventualmente consiga uma concessão semelhante, as drogas que Trump cita como razão para suas últimas ações — opioides sintéticos — continuarão a devastar vidas de americanos e envenenar o relacionamento China-EUA. A batalha contra essas drogas será amarga e prolongada.

“O fluxo dessas drogas para nossa nação ameaça o tecido de nossa sociedade”, afirmou Trump ao anunciar a taxação sobre os produtos chineses. O presidente acusou a China de “sustentar e expandir ativamente o negócio de envenenar nossos cidadãos”. A China revidou: “O fentanil é um problema para os EUA”, disse Pequim, alertando que as taxas poderiam minar a cooperação no controle de drogas.

Bonecas russas tradicionais de madeira, chamadas Matryoshka, representando o presidente da China, Xi Jinping, à esquerda, e o presidente dos EUA, Donald Trump, à direita Foto: Dmitri Lovetsky/AP

As afirmações de Trump sobre o comércio de opioides são hiperbólicas, e seu remédio, contraproducente, mas há pouca dúvida de que o negócio de drogas sintéticas é um problema e que a China poderia colaborar mais. No ano período de um ano até agosto de 2024, quase 90 mil americanos morreram de overdose de drogas. A maioria tomou fentanil. As empresas chinesas são as principais fornecedoras de produtos químicos que são “cozidos” na preparação do fentanil, por cartéis no México, e contrabandeados para os EUA. (Quase nada passa pelo Canadá.)

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Trump tentou colocar parte da culpa em Joe Biden, a quem ele acusa de não ter conseguido convencer o líder chinês, Xi Jinping, a cumprir uma promessa (que de acordo com Trump em seu primeiro mandato o presidente da China lhe fez) de executar pessoas que enviassem fentanil para os EUA. “Isso teria impedido”, disse Trump a repórteres em 23 de janeiro. Mas mesmo que a China fizesse tal promessa, é improvável que sentenças de morte ajudassem. Em 2019, Pequim proibiu a fabricação não autorizada de todos os opioides do tipo fentanil. Um tribunal chinês impôs uma sentença de morte em suspensão a um homem por tráfico de fentanil para os EUA. Mas a repressão levou as empresas chinesas a exportar os componentes químicos, ou “precursores”, usados na fabricação do fentanil — que geralmente também têm usos legais.

O problema é, em parte, político. A China esperava recompensas por levar as preocupações dos EUA mais a sério. E indignou-se quando o governo Trump impôs sanções ao seu instituto de ciência forense, do Ministério da Segurança Pública, em 2020, por causa de suas supostas ligações com a repressão aos uigures em Xinjiang. Pequim reduziu sua cooperação com Washington no combate às drogas. Em 2022, cortou essa colaboração em resposta à visita a Taiwan de Nancy Pelosi, então presidente da Câmara dos Deputados. A cooperação foi retomada somente após Biden concordar em suspender as sanções, em novembro de 2023, durante uma cúpula, em San Francisco, na qual se reuniu com Xi.

Em janeiro de 2024, um novo fórum bilateral sobre trabalho antinarcóticos se reuniu pela primeira vez em Pequim. A China adotou medidas adicionais para reforçar seus controles sobre empreendimentos relacionados a opioides. Em setembro, o governo chinês impôs restrições a mais três ingredientes de fentanil; fechou 14 sites e mais de mil lojas online que ofereciam precursores para venda. “Assim que algo for acordado internacionalmente, eles controlarão. Então, eu darei crédito a eles por isso”, diz um alto funcionário familiarizado com os esforços da China.

Mas sites que oferecem precursores ainda são abundantes. Se o país de origem dos vendedores não for explícito e seus detalhes de contato envolverem o WeChat, uma plataforma de mensagens chinesa, e números de celular chineses, a conexão com a China fica evidente. “Entrega segura no México e nos EUA”, diz um negociante em uma plataforma de comércio de produtos químicos em Xangai, alegando ser de uma empresa na província de Anhui. O site anuncia 1-Boc-4-AP, um dos precursores contra os quais a China se movimentou em 2024.

Pode ser um golpe. Em julho de 2024, porém, a agência de notícias Reuters disse que seus repórteres nos EUA compraram e receberam dentro do país precursores e uma prensa de comprimidos de vendedores online radicados na China. O material custou cerca de US$ 3,6 mil e teria capacidade de fabricar aproximadamente US$ 3 milhões em comprimidos de fentanil, de acordo com a Reuters.

Essas vendas podem ser interrompidas por outra medida anunciada por Trump juntamente com suas últimas tarifas: o fim das chamadas isenções de taxas sobre pequenos pacotes enviados da China. Produtos “de minimis” geralmente entravam no país com muito pouca inspeção, facilitando evitar detecção de remessas relacionadas ao fentanil.

Pequenos frascos de fentanil são mostrados na farmácia de internação do Hospital da Universidade de Utah, em Salt Lake City, em 2018 Foto: Rick Bowmer/AP

Autoridades da era Biden dizem que, em 2023, Xi pareceu entender melhor a magnitude nevrálgica que a crise do fentanil havia adquirido na política americana e se mostrou mais disposto a ajudar. “A China trabalhou de forma mais produtiva com os EUA durante os últimos 15 meses na questão dos precursores”, diz um ex-funcionário envolvido nesses esforços.

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Em abril do ano passado, porém, uma comissão bipartidária da Câmara dos Deputados dos EUA divulgou um relatório sobre conexões da China com o fentanil. O painel alegou que o aparato de segurança da China reprime consistentemente traficantes de drogas “somente em casos que afetam sua população doméstica”. E que a China estava usando o fentanil como uma “valiosa ferramenta retórica e de propaganda” com objetivo de enfatizar a decadência do Ocidente. Em julho, um alto funcionário americano disse que o governo Biden não tinha informações para sustentar a constatação da comissão de que a China realmente subsidiava exportações de precursores. Mas, disse o funcionário: “Considero que há uma necessidade de uma conversa contínua sobre isso”.

As tarifas de Trump não estimularão a China a falar. Mas Vanda Felbab-Brown, da Brookings Institution, em Washington, acredita que os EUA têm capacidade de influenciar. A China almeja ser retirada de uma lista anual americana dos principais países produtores e de trânsito de drogas, à qual foi adicionada em 2023. Felbab-Brown acredita que Pequim pode ter disposição em adotar mais medidas para interromper o comércio relacionado aos opioides se os EUA concordarem em remover essa classificação. “A China está muito focada em sua reputação”, acrescenta ela.

Nem com os esforços mais árduos da China o problema desaparecerá rapidamente. O país tem uma indústria química vasta e ágil que, juntamente com a da Índia, domina o fornecimento global de matérias-primas farmacêuticas. Seus fabricantes são capazes de produzir com agilidade outros elementos químicos compatíveis se o governo restringir as vendas de algum componente específico do fentanil.

Seus usos legítimos, além da fabricação de fentanil, fariam qualquer país hesitar em interromper completamente sua produção. Os governos locais da China têm interesse em proteger empresas que sustentam o crescimento econômico em declínio no país. E uma repressão mais dura na China poderia empurrar mais empresas para outros lugares, como a Índia. Na geopolítica, esse veneno persistirá por muito tempo. /TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO

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