A realidade virtual pode ajudar crianças autistas a navegar no mundo real?

Uma empresa, a Floreo, espera que suas ferramentas indiquem o caminho, apesar de algumas críticas de autorrepresentantes do autismo

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Por Gautham Nagesh
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THE NEW YORK TIMES - LIFE/STYLE - Vijay Ravindran sempre foi fascinado por tecnologia. Na Amazon, ele supervisionou a equipe que construiu e iniciou a Amazon Prime. Mais tarde, ele se juntou ao The Washington Post como diretor digital, onde aconselhou Donald E. Graham na venda do jornal para seu ex-chefe, Jeff Bezos, em 2013.

No final de 2015, Ravindran estava encerrando seu período na rebatizada Graham Holdings Co. Mas seu foco principal era seu filho, que tinha 6 anos na época e fazia terapia para o autismo.

A Floreo, fundada por Vijay Ravindran, ex-Amazon, está desenvolvendo aulas de realidade virtual destinadas a ajudar terapeutas comportamentais, fonoaudiólogos, educadores especiais e pais que trabalham com crianças autistas. Aqui, o filho de Ravindran, usa seu fone de ouvido VR. Foto: Valerie Plesch/The New York Times

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“Então uma coisa incrível aconteceu”, disse Ravindran.

Ravindran estava brincando com um fone de ouvido de realidade virtual quando seu filho pediu para experimentá-lo. Depois de passar 30 minutos usando o fone de ouvido no Google Street View, a criança foi para sua sala de brinquedos e começou a encenar o que havia feito na realidade virtual.

“Foi uma das primeiras vezes que o vi brincar de faz de conta assim”, disse Ravindran. “Acabou sendo um momento de insight.”

Como muitas crianças autistas, o filho de Ravindran tinha dificuldades com brincadeiras de faz de conta e outras habilidades sociais. A capacidade de seu filho de traduzir sua experiência de realidade virtual para o mundo real despertou uma ideia. Um ano depois, Ravindran abriu uma empresa chamada Floreo, que está desenvolvendo aulas de realidade virtual destinadas a ajudar terapeutas comportamentais, fonoaudiólogos, educadores especiais e pais que trabalham com crianças autistas.

A ideia de usar a realidade virtual para ajudar pessoas autistas já existe há algum tempo, mas Ravindran disse que a ampla disponibilidade de fones de ouvido comerciais de realidade virtual desde 2015 permitiu a pesquisa e a implantação comercial em escala muito maior. A Floreo desenvolveu quase 200 aulas de realidade virtual projetadas para ajudar as crianças a desenvolver habilidades sociais e treinar para experiências do mundo real, como atravessar a rua ou escolher onde sentar no refeitório da escola.

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O sistema da Floreo requer um iPhone (versão 7 ou posterior) e um fone de ouvido de realidade virtual (um modelo de baixo custo custa entre US $15 e US $30), bem como um iPad, que pode ser usado por um pai, professor ou treinador presencial ou remoto. O custo do programa é de cerca de US $50 por mês. (A Floreo está atualmente trabalhando para habilitar o reembolso dos seguros e recebeu a aprovação do Medicaid em quatro estados.)

Uma criança coloca o fone de ouvido e navega na aula de realidade virtual, enquanto o treinador - que pode ser o pai, mãe, professor, terapeuta, conselheiro ou assistente pessoal - monitora e interage com a criança por meio do iPad.

Ravindran ajusta o headset VR de seu filho entre as aulas. "Foi uma das primeiras vezes que eu o vi fingir brincar assim", disse sobre a época em que seu filho usou o Google Street View por meio de um fone de ouvido. Foto: Valerie Plesch/The New York Times

As lições abrangem uma ampla gama de situações, como visitar o aquário ou ir ao supermercado. Muitas das lições envolvem ensinar crianças autistas, que podem ter dificuldades para interpretar sinais não verbais, a interpretar a linguagem corporal.

Os autorrepresentantes do autismo observam que a terapia comportamental para tratar o autismo é controversa entre aqueles com autismo, argumentando que não é uma doença a ser curada e que a terapia é frequentemente imposta a crianças autistas por seus pais ou responsáveis não autistas. A terapia comportamental, eles dizem, pode prejudicar ou punir as crianças por comportamentos como inquietação. Eles argumentam que, em vez de condicionar os autistas a agirem como indivíduos neurotípicos, a sociedade deveria ser mais acolhedora com eles e sua maneira diferente de vivenciar o mundo.

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“Muito do descompasso entre as pessoas autistas e a sociedade não é culpa das pessoas autistas, mas da sociedade”, disse Zoe Gross, diretora de advocacy da Autistic Self Advocacy Network. “As pessoas devem ser ensinadas a interagir com pessoas que têm diferentes tipos de deficiência.”

Em 2017, a Floreo garantiu uma doação rápida de US$ 2 milhões do National Institutes of Health. A empresa está testando primeiro se crianças autistas tolerarão fones de ouvido e, em seguida, realizando um ensaio clínico randomizado para testar a utilidade do método em ajudar pessoas autistas a interagir com a polícia.

Os primeiros resultados foram promissores: de acordo com um estudo publicado na revista Autism Research (Ravindran foi um dos autores), 98% das crianças concluíram suas aulas, suprimindo preocupações sobre crianças autistas com sensibilidades sensoriais serem resistentes aos fones de ouvido.

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Gross disse que viu potencial nas aulas de realidade virtual que ajudaram as pessoas a ensaiar situações desconhecidas, como a lição da Floreo sobre atravessar a rua. “Existem partes da Floreo realmente excitantes: o passeio pelo aeroporto, ou doces ou travessuras - uma história social para algo que não acontece com tanta frequência na vida de alguém”, ela disse, acrescentando que gostaria de ver uma lição para procedimentos médicos.

No entanto, ela questionou a ênfase geral da indústria de terapia comportamental no uso de tecnologias emergentes para ensinar habilidades sociais a autistas.

Um segundo ensaio clínico randomizado usando telessaúde, conduzido pela Floreo usando outra doação do NIH, está em andamento, na esperança de mostrar que a abordagem da Floreo é tão eficaz quanto o coaching presencial.

As aulas da Floreo são projetadas para ajudar crianças autistas a desenvolver habilidades sociais e treinar para experiências do mundo real, como ir ao supermercado. Foto: Valerie Plesch/The New York Times

Os médicos que usaram o sistema Floreo dizem que o ambiente de realidade virtual torna mais fácil para as crianças se concentrarem na habilidade ensinada nas aulas, ao contrário do mundo real, onde elas podem ficar sobrecarregadas por estímulos sensoriais.

A Celebrate the Children, uma escola particular sem fins lucrativos em Denville, Nova Jersey, para crianças com autismo e desafios relacionados, recebeu um dos primeiros pilotos da Floreo; Monica Osgood, cofundadora e diretora executiva da escola, disse que a escola continuou a usar o sistema.

Ela disse que colocar o fone de ouvido virtual pode ser muito empoderador para os alunos, porque eles foram capazes de controlar seu ambiente com leves movimentos de cabeça. “A realidade virtual é certamente um verdadeiro presente para nossos alunos que continuaremos a usar”, ela disse.

Kelly Rainey, gerente de instrução especial do Conselho de Deficiências do Desenvolvimento do Condado de Cuyahoga, em Ohio, disse que sua organização usou a Floreo no ano passado para ajudar os alunos com habilidades sociais e de vida. Sua colega Holly Winterstein, especialista em intervenções na primeira infância, disse que as ferramentas foram mais eficazes do que os cartões de conversa normalmente usados pelos terapeutas. O escritório começou com dois fones de ouvido, mas rapidamente comprou equipamentos para cada um de seus oito funcionários.

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“Eu realmente vejo infinitas possibilidades”, disse Winterstein. /TRADUÇÃO LÍVIA BUELONI GONÇALVES

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