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Nos cães de rua de Chernobyl, os cientistas procuram efeitos genéticos da radiação

Novo estudo é primeiro passo para entender como a exposição a um nível baixo de radiação crônica afetou os cães da região

Por Emily Anthes
Atualização:

THE NEW YORK TIMES - LIFE/STYLE - Após o desastre na usina nuclear de Chernobyl, na Ucrânia, em 1986, os moradores locais foram obrigados a se retirar permanentemente, deixando para trás suas casas e, em alguns casos, seus animais de estimação. Preocupados com a possibilidade de esses animais abandonados espalharem doenças ou contaminarem os humanos, as autoridades tentaram exterminá-los.

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E, no entanto, de alguma forma, uma população de cães resistiu. Eles encontraram amparo nas equipes de limpeza de Chernobyl, e os trabalhadores da usina que permaneceram na área às vezes lhes davam comida. (Nos últimos anos, turistas aventureiros também contribuíram.)

Hoje, centenas de cães soltos vivem na área ao redor do local do desastre, conhecida como zona de exclusão. Eles vagam pela cidade abandonada de Pripyat e se deitam na altamente contaminada estação de trem de Semikhody.

Agora, os cientistas realizaram o primeiro mergulho profundo no DNA dos animais. Os cães de Chernobyl são geneticamente distintos, diferentes dos caninos de raça pura, bem como de outros grupos de cães de procriação livre, cientistas relataram na Science Advances.

Ainda é muito cedo para dizer se, ou como, o ambiente radioativo contribuiu para os perfis genéticos únicos dos cães de Chernobyl, disseram os cientistas. Mas o estudo é o primeiro passo em um esforço para entender não apenas como a exposição prolongada à radiação afetou os cães, mas também o que é necessário para sobreviver a uma catástrofe ambiental.

Quase metade dos cães estudados vivia nas imediações da usina de Chernobyl Foto: Jordan Lapier/The New York Times

“Eles têm mutações que adquiriram que lhes permitem viver e se reproduzir com sucesso nesta região?”, disse Elaine Ostrander, especialista em genômica canina do National Human Genome Research Institute e autora sênior do estudo. “Que desafios eles enfrentam e como responderam a eles geneticamente?”

Antes que os pesquisadores pudessem enfrentar essas questões, no entanto, eles tiveram de entender a paisagem canina.

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“Você tem essa região onde há diferentes níveis de radioatividade e há cães vivendo por toda parte”, disse Ostrander. “Tínhamos de saber quem era quem e o que era o que antes de podermos começar nossa busca por essas mutações essenciais.”

O projeto é uma colaboração entre cientistas dos Estados Unidos, Ucrânia e Polônia, além do Clean Futures Fund, uma organização sem fins lucrativos com sede nos Estados Unidos que trabalha em Chernobyl. A organização sem fins lucrativos, criada em 2016, começou como um esforço para fornecer assistência médica e apoio aos funcionários da usina que ainda trabalham na zona de exclusão.

Mas a organização logo percebeu que os moradores caninos de Chernobyl também precisavam de ajuda. Embora a população canina aumentasse durante o verão, muitas vezes diminuía no inverno, quando a comida ficava escassa. A raiva era uma preocupação constante.

Em 2017, o Clean Futures Fund começou a estruturar clínicas veterinárias para os cães locais, prestando cuidados, administrando vacinas, esterilizando e castrando os animais. Os pesquisadores pegaram carona nessas clínicas para coletar amostras de sangue de 302 cães que vivem em diferentes locais dentro e ao redor da zona de exclusão.

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Quase metade dos cães vivia nas imediações da usina, enquanto a outra metade vivia na cidade de Chernobyl, uma área residencial pouco ocupada a cerca de 15 quilômetros de distância. (Um pequeno número de amostras veio de cães em Slavutych, uma cidade construída para trabalhadores da usina que tiveram de se mudar, a quase 48 km de distância.)

Embora houvesse alguma sobreposição entre as populações caninas, em geral, os cães da região da usina eram geneticamente distintos dos cães da cidade de Chernobyl, descobriram os pesquisadores. Parecia haver pouco fluxo gênico entre os dois grupos, sugerindo que eles raramente cruzavam. (Barreiras físicas de segurança ao redor da usina podem ter ajudado a manter os cães separados, observaram os pesquisadores.)

“Fiquei completamente surpreso com a diferenciação quase total entre as duas populações, com o fato de que elas realmente existem em relativo isolamento há algum tempo”, disse Timothy Mousseau, biólogo da Universidade da Carolina do Sul e outro autor sênior do estudo.

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Cães da usina e da cidade de Chernobyl tinham ancestrais mestiços, mas ambos compartilhavam trechos de DNA com pastores alemães Foto: Gleb Garanich/Reuters

Os pesquisadores também traçaram relações de parentesco, conectando pais e filhotes para identificar 15 grupos familiares diferentes. Algumas famílias caninas eram grandes e espalhadas, enquanto outras eram minúsculas, com territórios geográficos mais definidos. Três grupos familiares compartilhavam uma instalação de armazenamento de combustível nuclear usado, descobriram os cientistas.

“Eu não acho que alguém tenha olhado geneticamente para uma única população de cães de procriação livre com este nível de detalhe antes”, disse Adam Boyko, geneticista canino da Faculdade de Medicina Veterinária da Universidade Cornell, que não esteve envolvido na pesquisa.

O estudo será um bom ponto de partida para uma investigação mais aprofundada dos efeitos da radiação, acrescentou Boyko. “Eles descobrem onde estão as populações interessantes”, ele disse, “onde estão os grupos familiares interessantes”.

Os cães da usina e os cães da cidade de Chernobyl tinham ancestrais mestiços, mas ambos compartilhavam trechos de DNA com pastores alemães, bem como com outras raças de pastores da Europa Oriental. Os cães da cidade de Chernobyl também tinham variantes comuns com boxers e rottweilers.

Esses segmentos do DNA de pastores podem produzir dados particularmente úteis em estudos futuros, disseram os cientistas. A comparação entre as sequências dos cães da usina, dos cães da cidade de Chernobyl e dos pastores de raça pura que vivem em ambientes não radioativos pode ajudar os pesquisadores a identificar mudanças relacionadas à radiação no genoma.

“Esta é uma oportunidade única”, disse Mousseau, “uma população única de animais”. /TRADUÇÃO LÍVIA BUELONI GONÇALVES

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