Capital Mundial do Azeite passa por problemas causados pela seca na Europa

A província espanhola de Jaén, que abriga um quinto da oferta mundial de “ouro verde”, enfrenta as mudanças climáticas e as ameaças ao seu modo de vida

PUBLICIDADE

Por David Segal e José Bautista
Atualização:

THE NEW YORK TIMES - LIFE/STYLE - O galho, arrancado de uma das milhares de árvores em um olivedo densamente compactado nesta aldeia, tem folhas amarronzadas e alguns botões minúsculos e secos que estão agrupados perto de seu final. Para Agustín Bautista, o galho conta uma história, e a história é sobre uma colheita que está condenada.

PUBLICIDADE

Normalmente, esses botões são verdes e saudáveis e produzem 59.000 litros de azeite em uma temporada. Isso é mais do que suficiente para Bautista, de 42 anos, sustentar sua esposa e dois filhos pequenos. A partir de outubro, quando as azeitonas são sacudidas das árvores e colhidas em redes no chão, ele terá a sorte de produzir um quinto dessa quantidade.

“Vou perder dinheiro”, ele disse. Ao olhar os hectares áridos de sua propriedade, ele resumiu a realidade enfrentada pelos olivicultores da Espanha: “Sem água, sem futuro”.

Um pomar de oliveiras na região da Serra de Cazorla; a seca assolou dezenas de culturas em toda a Europa, mas entre as mais duramente atingidas está a oleicultura da Espanha, que produz metade do azeite de oliva do mundo. Foto: Emilio Parra Doiztua/The New York Times

A seca devastou dezenas de plantações em toda a Europa: milho na Romênia, arroz na Itália, feijão na Bélgica e beterraba e alho na França. Entre os mais atingidos está a safra de azeitonas da Espanha, que produz metade do azeite do mundo. Quase metade da produção da Espanha vem de Jaén, uma província do sul sem litoral de 13.500 quilômetros quadrados que produz muito mais azeite anualmente do que toda a Itália, de acordo com o Conselho Oleícola Internacional. É muitas vezes chamada de capital mundial do azeite.

Agricultores e líderes políticos estão procurando respostas para uma pergunta urgente: o que acontece com uma economia de uma safra quando essa safra é arrasada por temperaturas recordes?

O local nunca foi um destino turístico, mas aqueles que vêm, principalmente para ver fortalezas mouriscas e catedrais de estilo renascentista, são recebidos com uma paisagem diferente de qualquer outra. Sessenta e sete milhões de oliveiras são plantadas em todas as colinas e vales, ao longo de todas as estradas, em todas as direções. Foi chamada de a maior floresta feita pelo homem.

Cultura

Desde que os romanos começaram a plantar esta floresta há séculos, as oliveiras sustentaram milhares de agricultores e trabalhadores itinerantes aqui. As árvores prosperam em um clima mediterrâneo e precisam de uma quantidade mínima de chuva. Mas não tão mínima. A Europa está sofrendo sua pior seca em 500 anos, diz o Observatório Europeu da Seca, um serviço administrado pelo Centro Comum de Pesquisa da Comissão Europeia, e está enfrentando ondas de calor tão severas que a cidade vizinha de Sevilha deu um nome a uma delas: Zoe.

Publicidade

Na manhã em que Bautista estudou o galho murcho da oliveira, ele estava suando de calor com a temperatura acima de 37 graus às 11 horas. Enquanto ele dirigia sua picape Toyota em torno das 5.000 árvores que cultiva em um bosque ao lado desta aldeia onde cresceu, ele estava lamentando os lucros perdidos. Ele e outros agricultores esperam que a safra de azeitonas de Jaén seja cerca de 50% menor do que no ano passado. As estimativas do governo de renda perdida são de US$ 1 bilhão.

“A situação é crítica”, disse Francisco Reyes Martínez, presidente do Conselho Provincial de Jaén. “Muitas pessoas aqui vão ter que lutar.”

A colheita é apenas o último revés para as centenas de aldeias que pontilham Jaén e dependem há décadas da colheita da azeitona. El Molar tem um bar, uma igreja, nenhum restaurante e uma população oficial de 237 pessoas.

“Acho que o número real está mais próximo de 200″, disse a prefeita da vila, Misericordia Jareño. “Algumas pessoas morreram.”

Uma variedade de azeites em uma loja na cidade de Úbeda, na província espanhola produtora de azeite de Jaén. Foto: Emilio Parra Doiztua/The New York Times

CONTiNUA APÓS PUBLICIDADE

Com um empurrão do governo local, uma indústria nascente de turismo do azeite, apelidada de “azeiteturismo”, está começando a crescer. Há spas com tratamentos de azeite e lojas especializadas, como a Panaderia Paniaceite, que vende dezenas de variedades de azeite. Uma almazara, como são conhecidas as fábricas tradicionais, oferece degustações de azeite como degustações de vinho em um vinhedo. Os visitantes também podem passar um dia trabalhando e vivendo como um olivicultor, com refeições incluídas, por 27 euros (cerca de US$ 27).

“Foi uma surpresa para nós, o interesse que há em ver como produzimos azeite “, disse José Jiménez, coproprietário da fábrica, Oleícola San Francisco, em uma aldeia chamada Baeza. “Já tivemos 50.000 visitantes de 78 países.”

O turismo nunca compensará as perdas nos campos nem impedirá uma variedade de mudanças que vão além do clima. Uma colheita que antes consumia dezenas de milhares de pessoas, incluindo um afluxo maciço de trabalhadores migrantes sazonais, agora requer apenas uma fração de trabalhadores porque grande parte do trabalho agora é feito por máquinas. Há a vibradora, um dispositivo portátil movido a gasolina - parece uma motosserra com um focinho longo e fino - que sacode azeitonas das árvores agarrando-se aos galhos e sacudindo-os.

Publicidade

Uma pessoa armada com uma vibradora pode derrubar 1.500 quilos de azeitonas no chão em um dia. Usando a técnica tradicional de bater com um pau, o número é mais próximo de 200 quilos por dia.

Essa é uma das razões pelas quais El Molar vem perdendo população; muito menos pessoas são necessárias para a colheita. E aqueles que ainda trabalham nos bosques enfrentam custos mais altos, especialmente agora que a inflação está acima de 9% na zona do euro, elevando o preço da energia elétrica, combustível, fertilizantes e mão de obra.

Em alta
Loading...Loading...
Loading...Loading...
Loading...Loading...

“O custo de produção de azeite é agora duas ou três vezes mais caro do que há 10 anos”, disse Juan Carlos Hervás, agricultor e especialista da filial local de um sindicato de agricultores. Ele fez as contas: um litro de azeite extravirgem, o grau mais alto, agora vale 3,90 euros, bem acima dos 1,8 euros por litro que eram comuns antes da pandemia. Mas o preço da colheita desse litro subiu 2,40 euros.

“Estamos perdendo dinheiro agora”, disse Hervás. “Pela primeira vez em muitos anos, vemos um bom preço para o azeite, mas nossos custos estão subindo e não chove há três meses.”

Sem sistemas de irrigação caros para regar as árvores, muitas ficam infrutíferas. Durante a viagem de Bautista pelos bosques de El Molar, houve uma clara dicotomia: as árvores que foram saciadas a partir de um reservatório próximo, usando muitos quilômetros de tubos pretos, pareciam saudáveis e verdes. As que não foram, estavam marrons e estéreis.

“Oito litros por hora, durante oito horas, uma noite por semana”, disse Bautista, explicando o quanto cada árvore é regada. Essa água é cara, e os agricultores daqui precisam comprar uma parte de uma cooperativa de reservatórios, criada em 2001, para acessá-la.

Jaén, uma província da Andaluzia, tem mais de 67 milhões de oliveiras. Foto: Emilio Parra Doiztua/The New York Times

Os subsídios da União Europeia são essenciais para os olivicultores de Jaén há anos. Atualmente, a taxa é de cerca de 690 euros por ano por hectare, disse Juan Vilar Hernández, analista agrícola e professor da Universidade de Jaén. Dado que o agricultor médio possui 1,58 hectares, o subsídio médio é de cerca de 1.090 euros por ano.

Publicidade

“Se você removesse os subsídios, cerca de 80% dos agricultores de Jaén perderiam dinheiro”, ele disse. O subsídio deve diminuir nos próximos anos, o que alarma muitos agricultores. Uma solução de longo prazo é que as fazendas aqui adotem a “olivicultura moderna”, o que significa embalar mais árvores na mesma pegada física e, em seguida, usar equipamentos industriais adicionais durante a colheita.

Para grande parte de Jaén, no entanto, isso não é possível. A maioria de seus bosques está em colinas inclinadas, onde novas máquinas caras, como colheitadeiras de azeitonas - essencialmente, tratores maciços de US $ 500.000 que passam por cima de árvores de 4 metros - não podem operar. Inevitavelmente, Jaén vai ficar para trás em produtividade em comparação com os bosques na Califórnia, Chile, Austrália e outros lugares, disse Hernández. A província pode sempre ser sinônimo de produção de azeitona, mas no futuro será uma competição que a província não poderá vencer.

“A idade média de um olivicultor aqui é de 60 anos”, ele disse. “E seus filhos estão todos se mudando para as cidades. Então, em 20 anos, ninguém vai morar nessas aldeias.”

Luis Planas, ministro da Agricultura da Espanha, disse que o país precisa se adaptar às novas condições. Ele delineou uma série de medidas que o governo tomou para fornecer alívio de curto prazo, incluindo isenções fiscais e um aumento nos benefícios trabalhistas. O objetivo é poupar e sustentar mais do que uma indústria.

“Se aldeias como El Molar desaparecerem, a Espanha perderá uma parte muito importante de sua identidade”, ele disse. “Se o olivedo desaparecer, essa área se tornará um deserto.” /TRADUÇÃO LÍVIA BUELONI GONÇALVES

The New York Times Licensing Group - Todos os direitos reservados. É proibido todo tipo de reprodução sem autorização por escrito do The New York Times

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.