Casa da Música, um museu inserido no coração das guerras culturais da Hungria

A máquina política do presidente Vitkor Orban interpreta a cultura como “algo que deve ser ocupado ou conquistado”, disse Krisztian Nyary, um autor que cresceu perto do Parque da Cidade

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Por Benjamin Novak
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THE NEW YORK TIMES - LIFE/STYLE, BUDAPESTE, Hungria - Um projeto polarizador do governo de Viktor Orban, primeiro-ministro de extrema-direita da Hungria, para transformar o histórico Parque da Cidade daqui em um distrito de museus produziu seu primeiro edifício: a Casa da Música, na Hungria.

Projetado pelo arquiteto japonês Sou Fujimoto, o centro cultural, inaugurado em 23 de janeiro, oferece exposições, educação e shows. Uma exposição interativa permanente guia os visitantes pelo desenvolvimento histórico da música ocidental; celebra a contribuição de compositores húngaros como Liszt, Bartok e Kodaly; e traça a tradição da música folclórica da Hungria às suas raízes da Ásia Central. Uma sala, pintada com as cores da bandeira húngara, apresenta vídeos sobre a história política do país e atletas famosos, com o hino nacional como trilha sonora.

Visitantes na Casa da Música, projetada pelo arquiteto japonês Sou Fujimoto, em Budapeste. Foto: Akos Stiller/The New York Times

No entanto, para além das paredes de vidro da Casa da Música, que são animadas por reflexos da construção em outros lugares do parque, este novo edifício está mergulhado em controvérsias.

Os críticos disseram que os planos do governo de transformar o Parque da Cidade de 200 anos em um distrito de museus perturbam o ambiente natural, privam os moradores de espaços públicos muito necessários e levantam preocupações sobre corrupção. Mas os responsáveis pelo projeto dizem que o local sempre foi mais do que um parque público e que o empreendimento é o maior projeto de desenvolvimento urbano da Europa. Em um discurso, Orban descreveu a transformação como uma “obra de arte inacabada”.

Em 2012, o governo de Orban anunciou um plano ambicioso para transformar o parque, em ruínas após décadas de abandono, em um distrito de cinco museus. O custo estimado na época era de cerca de US$ 250 milhões, mas em 2017 o valor aumentou para quase cinco vezes em relação às projeções originais. Houve um consenso virtual de que o parque precisava de obras, mas o governo e os conservacionistas do parque discordaram sobre o destino das características naturais do parque.

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Uma designação legal especial permitiu que o projeto contornasse as regras de desenvolvimento existentes, o que significa que o município de Budapeste não teve muita influência sobre os planos do governo. E a legislação adotada pelo partido de Orban colocou o parque sob a competência de uma empresa estatal recém-criada controlada por seus aliados. Sandor Lederer, da K-Monitor, uma agência anticorrupção, disse que registros públicos indicam que a Casa da Música sozinha custou aos contribuintes húngaros até US$ 100 milhões.

“O projeto é um bom exemplo de como os investimentos públicos funcionam sob Orban”, disse Lederer. “Não há necessidades reais e avaliações de impacto feitas; os cidadãos e as partes afetadas são excluídos de consultas e planejamentos.”

Ele disse que o mau planejamento e a corrupção beneficiaram amplamente empresas vistas como clientes de Orban, dizendo: “Não apenas as gerações presentes, mas também as futuras, pagarão os custos de outro projeto de estimação de Orban”.

Laszlo Baan, o comissário do governo que supervisiona o projeto, recusou-se a ser entrevistado, mas um porta-voz disse em comunicado que o governo até agora gastou 250 bilhões de florins húngaros, cerca de US$ 800 milhões, no projeto. O escritório de Fujimoto não respondeu a um pedido de entrevista.

Em 2016, seguranças privados entraram em confronto com conservacionistas do parque no futuro local da Casa da Música. Gergely Karacsony, político da oposição eleito prefeito de Budapeste em 2019, não compareceu à inauguração da Casa da Música em 22 de janeiro, que ocorreu no Dia da Cultura Húngara, uma celebração nacional. O edifício, ele escreveu nas redes sociais, não nasceu da cultura, mas da violência.

Em uma entrevista de rádio, Karacsony recentemente comparou a construção em um parque público a urinar em uma pia de água benta: “Você pode fazer isso, mas arruina o motivo de estarmos todos lá”.

Orban, no entanto, procurou enquadrar o distrito dos museus como um projeto de legado e o usou como um porrete em sua própria guerra contra o que vê como o declínio cultural do Ocidente. Inaugurando a Casa da Música, ele atacou os críticos da transformação do parque como esquerdistas que se opunham à beleza.

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“A nação húngara nunca esquece os nomes daqueles que construíram o país”, disse Orban em um discurso na cerimônia, acrescentando que os detratores não são lembrados, “porque a nação húngara simplesmente os expulsa de sua memória”. Ele acrescentou que as eleições nacionais em abril seriam “um período” que encerraria o debate sobre o futuro do parque.

Desde que voltou ao poder em 2010, Orban e seus aliados assumiram a mídia pública, bem como a maior parte da imprensa privada do país, para promulgar teorias da conspiração de extrema-direita, atacar os críticos do regime e promover a guerra cultural, que também atingiu a academia e as artes. As cidades da Hungria estão atualmente cobertas de anúncios políticos apresentando o principal oponente político de Orban como o Mini-Me dos filmes de Austin Powers.

A máquina política de Orban interpreta a cultura como “algo que deve ser ocupado ou conquistado”, disse Krisztian Nyary, um autor que cresceu perto do Parque da Cidade. “Eles só são capazes de pensar em termos de lógica política, mas a cultura é diferente.”

Ele acrescentou: “Precisamos de uma Casa da Música? Não sei. Vejo que é um prédio lindo e tenho certeza de que haverá eventos emocionantes, mas não pertence a esse lugar”. Reaproveitar o parque transforma sua função, ele disse, colocando em risco um valioso ambiente natural que serviu como “os pulmões” dos bairros vizinhos. O aclamado pianista húngaro Andras Schiff, que está em um exílio autoimposto há mais de uma década em protesto contra a política de Orban, disse por telefone que “a forma como Orban apoia a cultura é muito seletiva”. Schiff acrescentou que Orban “apoiará tudo que o seguir, todos que entrarem na onda”.

O governo de Orban, disse Schiff, tentou “com muita força mudar a história e mudar os fatos, mas seria melhor trabalhar nesse sentido, admitir falhas e erros”. Questionado se consideraria retornar à Hungria se Orban fosse deposto em abril, Schiff disse: “Sim, certamente”. “Eu adoraria voltar”, ele disse. “Este é o lugar onde nasci, é minha língua materna e amo profundamente a cultura húngara.” / TRADUÇÃO LÍVIA BUELONI GONÇALVES

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