Esta praia no México é um refúgio LGBTQ, mas até quando?

A cidade de Zipolite tornou-se um oásis para a comunidade queer, mas à medida que sua popularidade aumenta, alguns temem que o espírito da cidade esteja começando a desaparecer

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Por Oscar Lopez e Lisette Poole
5 min de leitura

THE NEW YORK TIMES - LIFE/STYLE - ZIPOLITE, México - Quando o sol começa a deslizar em direção ao oceano nesta idílica cidade litorânea na costa do Pacífico mexicano, uma migração silenciosa começa. Grupos de pessoas, a maioria homens gays, muitos deles nus, caminham pela praia em direção a um afloramento rochoso.

Eles sobem uma escada em espiral, sobre o penhasco irregular e descem para uma enseada escondida conhecida como Playa del Amor. O sol vai se transformando em uma esfera laranja, o céu se torna lilás, e os muitos corpos nus, negros e bronzeados, curvilíneos e esculpidos, ficam dourados. Quando o sol finalmente mergulha na água, a multidão explode em aplausos.

Zipolite, no México tornou-se oásis para a comunidade queer, mas à medida que sua popularidade aumentou, alguns se preocupam que o espírito da cidade esteja começando a desaparecer. Foto: Lisette Poole via The New York Times

“A primeira vez que vi realmente a Playa del Amor ao pôr do sol, senti vontade de chorar”, disse Roberto Jerr, 32, que visita Zipolite há cinco anos. “É um lugar onde você pode ser muito livre.”

Por décadas, esta antiga vila de pescadores que virou ponto de encontro hippie tem sido um oásis para a comunidade queer, que é atraída por suas praias douradas, pela vibração contracultural e pela prática de nudismo que abraça corpos de todas as formas.

Mas à medida que sua popularidade cresceu, atraindo um número cada vez maior de visitantes gays e heterossexuais, a cidade está começando a se transformar: os estrangeiros estão arrebatando terras, os hotéis estão se multiplicando, os influenciadores estão se reunindo na praia e muitos moradores e visitantes agora temem que a magia de Zipolite possa se perder para sempre.

“Todos na comunidade devem visitar um lugar onde possam se sentir confortáveis, onde possam se sentir livres, como Zipolite”, disse Jerr, que é gay. “Mas, por outro lado, há também essa outra parte, esse turismo extremamente massificado que começa a deixar os lugares sem recursos.”

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Outrora uma comunidade de agricultores e pescadores, Zipolite tornou-se um destino popular para hippies e mochileiros europeus a partir de 1970, quando muitos vieram às praias do estado de Oaxaca para uma visão excepcionalmente nítida de um eclipse solar. O turismo hippie deu à cidade um espírito boêmio - é uma das poucas praias de nudismo do México - que também começou a atrair pessoas queer, que foram bem recebidas pela maioria dos moradores. Em fevereiro, Zipolite elegeu a primeira pessoa abertamente gay para chefiar o conselho da cidade.

Tais atitudes tolerantes são raras fora das grandes cidades do México, onde os valores católicos conservadores persistem. Apesar do casamento gay ser legalizado em mais da metade do país, a violência homofóbica e transfóbica é comum. Entre 2016 e 2020, cerca de 440 lésbicas, gays e trans foram mortos em todo o país, segundo o Letra Ese, um grupo de advocacy da Cidade do México.

David Montes Bernal, 33, cresceu a poucas horas de Zipolite em uma comunidade conservadora onde o machismo e a homofobia estavam arraigados. Quando ele tinha cerca de 9 anos, o padre da cidade realizou o que chamou de “praticamente um exorcismo” para “tirar” sua homossexualidade.

“Foi quando percebi que era um lugar hostil”, disse Bernal.

Em Zipolite, ele encontrou um lugar onde pode se sentir confortável com sua sexualidade e seguro em seu corpo.

“Senti uma espécie de esperança”, disse Bernal sobre sua primeira visita em 2014. “Finalmente parece que agora há um lugar onde podemos ser quem quisermos.”

À medida que a notícia dessa abertura se espalhou, a população LGBTQ da cidade aumentou: bares e hotéis gays se multiplicaram e bandeiras de arco-íris são comuns.

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Antes um local mais tranquilo, com aumento do turismo, hospedagens mais caras, bares, restaurantes e festas mais barulhentas começaram a tomar conta de Zipolite. Foto: Lisette Poole via The New York Times

Mas, ainda que muitos moradores locais aceitem, outros sentem que a identidade de Zipolite como uma cidade descontraída que recebe qualquer pessoa, de famílias mexicanas a aposentados canadenses, está sendo corroída, que está se transformando em uma cidade festeira gay.

Miguel Ángel Ziga Aragón, um morador local que também é gay e é conhecido como “La Chavelona”, assistiu ao boom da economia local, não apenas por causa do turismo gay, mas também pelo aumento do turismo em geral. Embora antes oferecesse principalmente cabanas rústicas e redes ao longo da praia, a cena turística de Zipolite tornou-se o que ele chama de “mais VIP”: as suítes à beira-mar agora custam até US$ 500 por noite.

Enquanto a maioria dos moradores concorda que é necessário mais planejamento, alguns dizem que a transformação é inevitável.

“É o ciclo de vida de todo destino turístico”, disse Elyel Aquino Méndez, que dirige uma agência de viagens gay. “Você tem que aproveitar a oportunidade.”

Mas outros temem que Zipolite possa seguir o caminho de muitas cidades de praia mexicanas que se tornaram resorts prósperos, como o popular destino gay de Puerto Vallarta ou, mais recentemente, Tulum. Outrora um paraíso boêmio, a praia caribenha de Tulum se tornou um lucrativo mercado imobiliário repleto de hotéis de luxo, influenciadores famosos e houve um aumento da violência.

Ainda assim, à medida que a popularidade de Zipolite cresce, sua vibe hippie está mudando. Bares são mais barulhentos, restaurantes estão se tornando mais luxuosos. O turismo LGBTQ também está mudando, tornando-se cada vez mais americanizado, menos diversificado.

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Ivanna Camarena, uma mulher trans, passou seis meses em Zipolite no ano passado e conheceu apenas algumas outras pessoas trans. “Os corpos eram muito atléticos e muito masculinos”, ela disse sobre as pessoas que viu na praia em seus primeiros meses lá.

Ela se lembrou de ir a uma festa de nudismo que era quase exclusivamente de homens gays. “Quando cheguei lá, era como ‘Uau, o que uma mulher trans está fazendo aqui?’ Tipo, eles ficaram estranhos.”

Entre as mudanças notáveis está o que aconteceu na Playa del Amor, que já teve fogueiras e violões e agora muitas vezes tem luzes a laser e DJs tocando música house. As pessoas costumavam conversar com diferentes grupos sociais; agora, a praia tornou-se mais segregada em panelinhas.

A cena sexual também evoluiu. Enquanto os visitantes, incluindo casais heterossexuais, praticam sexo na praia após o anoitecer há décadas, nos últimos anos tudo ficou mais ousado, com festas dançantes às vezes se transformando em sexo grupal nas sombras.

“Cada vez é mais hedonista, mais hedonista, mais hedonista”, disse Ignacio Rubio Carriquiriborde, professor de sociologia da Universidade Nacional Autônoma do México que estuda Zipolite há anos. “Agora há mais uma dinâmica de festa constante.” /TRADUÇÃO LÍVIA BUELONI GONÇALVES

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