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‘Eu adoraria cantar Lucia’, diz soprano masculino Samuel Mariño, que acaba de lançar álbum

Cantor com um tipo de voz raro na ópera apresenta ‘Sopranista’, seu disco de estreia pelo selo Decca e vislumbra um futuro com gêneros mais fluidos

Por J.S. Marcus
Atualização:

THE NEW YORK TIMES - LIFE/STYLE - BERLIM - Samuel Mariño é uma raridade na ópera: um verdadeiro soprano masculino.

Em vez de depender do falsete como faria um contratenor, Mariño, 28 anos, é capaz de cantar confortavelmente notas altas com sua voz de peito. Agora ele está se diversificando com peças barrocas originalmente escritas para castrati. Um grande passo nessa direção: Sopranista, seu álbum de estreia pelo selo Decca.

O soprano venezuelano Samuel Mariño, que sofreu bullying na adolescência por conta de sua voz mais aguda, faz sucesso cantando músicas tradicionalmente interpretadas por mulheres. Foto: Maria Sturm/The New York Times

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Ele está de olho em uma variedade de papéis, incluindo Sophie, a ingênua de Der Rosenkavalier de Strauss, e Rusalka de Dvorak, ele disse, com o objetivo de enviar uma mensagem de que a música clássica deve ser “aberta a todas as comunidades”, incluindo uma multiplicidade de gêneros. E Sopranista, em homenagem ao termo italiano para soprano masculino, oferece um vislumbre desse futuro mais fluido.

O álbum abre com a ária de Cherubino Voi che sapeto, de As Bodas de Fígaro, de Mozart. Cherubino, originalmente escrito para uma soprano feminina, agora é um típico papel-travesti - geralmente um personagem jovem masculino interpretado por uma mezzo-soprano. O programa de Mariño inclui mais Mozart, bem como a gravação da estreia mundial de Son amour, sa constance extrême, uma ária (novamente, originalmente para uma mulher) da ópera de câmara pouco conhecida de Joseph Boulogne “L’ Amant Anonyme” (“O Amante Anônimo”).

Mariño, nascido na Venezuela e radicado em Berlim, não perdeu os aspectos infantis de sua voz na puberdade; ele apenas “quebrou parcialmente”, disse. Com um tom agudo, a vida de adolescente - gay, aliás - era difícil. “Todo mundo fazia piadas, me intimidando”, ele disse.

Então ele procurou a ajuda de sua mãe; ela o levou a médicos que propuseram cirurgia ou terapia vocal. Mas um deles sugeriu que ele poderia ser um cantor. Depois de estudar no Conservatório de Paris, teve aulas com a soprano Barbara Bonney. Ele então passou o início de sua carreira se especializando em papéis de castrato.

Ao contrário dos castrati dos séculos 17 e 18 - sempre imberbes e tipicamente altos e barrigudos - Mariño é baixo e ágil e já ostentava um pouco de barba em um passeio recente durante a tarde com Leia, sua Cavalier King Charles Spaniel.

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Em seu apartamento, Mariño falou sobre seu novo álbum, seu desejo de ir além dos papéis castrati e sua campanha para se libertar - junto com a música clássica em geral - dos limites das fronteiras tradicionais de gênero.

Seguem trechos editados da conversa.

Quando você foi exposto pela primeira vez à música clássica?

Cantávamos em casa e minha família adorava dançar. Salsa, merengue, esse tipo de coisa - mas nada de música clássica. Meus pais eram professores universitários e trabalhavam das 7 da manhã às 9 da noite. Eu terminava a escola às 13h, e eles me colocavam em um monte de coisas para preencher o tempo. Fiz piano, caratê, beisebol, pintura, cantei em corais, e comecei a fazer balé aos 12 ou 13 anos. Terminei o ensino médio aos 16 e queria estudar biologia porque amo animais e a natureza. Não consegui uma vaga para isso na universidade e disse à minha mãe que queria ser bailarino. Ela disse: “Por que você não tenta cantar?”

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Quando você começou a estudar canto em Paris, você estava treinando como soprano masculino?

Os professores estavam tentando me tratar como um contratenor. Eu tive que cantar mais baixo quando podia cantar muito mais alto. Ser um contratenor é uma coisa estabelecida, e eles estavam tentando me colocar nessa caixa. Então, em 2017, conheci Barbara Bonney. Uma amiga me disse que eu canto muito como ela. Escrevi para ela e disse: “Oi. Eu sou Samuel e quero ter aulas com você. Fui para Salzburg, na Áustria, e Barbara era como uma fada madrinha. Ela me disse para cantar como eu falo, para apenas colocar notas na minha voz comum. E é isso que eu faço hoje.

Seu novo álbum começa com uma famosa ária de Mozart escrita para uma mulher que está interpretando um homem. O que você traz para o papel como cantor masculino?

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Minha voz é um soprano lírico leve, com um pouco de coloratura. Na partitura, Cherubino é um papel de soprano, mas hoje é para mezzo-sopranos e suas cores masculinas. Se você falar com qualquer mezzo, vão te dizer que é muito difícil cantar Cherubino porque o tom é bem alto - não notas superagudas, mas o tempo todo em uma tessitura alta. Cherubino é um jovem adolescente, e eu o faço como um menino inocente e confuso. É uma visão totalmente diferente de como o papel pode ser cantado.

Fora do palco, você costuma misturar e combinar roupas tradicionais masculinas e femininas. Você está buscando algo semelhante como cantor?

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Não estou em transição. Sou apenas um homem que gosta de usar saias. Tenho milhares de jeans, milhares de tênis - e milhares de saltos. Na capa do meu novo álbum, estou usando Vivienne Westwood. Estou tentando expandir minha bolha, mudar minha técnica, misturar gêneros. Eu cantei papéis masculinos toda a minha vida, mas espero que isso mude. Há papéis de macho castrato - Giulio Cesare ou Teseo de Handel - mas não gosto muito deles. Eu adoraria cantar Lucia di Lammermoor.

Além de Lucia, existem outros papéis femininos tradicionais que você gostaria de tentar? A Rainha da Noite ou Carmen?

Tecnicamente falando, posso cantar a Rainha da Noite, mas não tenho a voz dramática. Então seria como uma criança cantando. E não posso cantar Carmen, que não é sobre a voz, mas sobre a personalidade. Eu adoraria cantar um trecho de soprano em uma sinfonia de Mahler. Barbara sempre me disse: “Querido, você pode cantar isso. Você tem uma voz maior que a minha.” /TRADUÇÃO LÍVIA BUELONI GONÇALVES

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