Fé tecnológica: Alguns muçulmanos estão usando anéis digitais para contar suas preces

Assim como as ferramentas de fitness que contam os passos, esses dispositivos eletrônicos ajudam a manter um registro das recitações religiosas do dia

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Por Raja Abdulrahim
Atualização:

THE NEW YORK TIMES - LIFE/STYLE - JERUSALÉM - Caminhando pelo pátio da mesquita Al-Aqsa, em Jerusalém, em uma tarde recente, Nisreen Biqwaidar usava um Apple Watch rosa no pulso para contar seus passos e um anel verde no dedo para contar suas recitações religiosas.

Contadores digitais de preces se tornaram sensação entre os fiéis mulçumanos. Foto: Afif Amireh/The New York Times

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“Todo dia eu digo ‘Deus é grande’ 1.000 vezes e ‘glória a Deus’ 1.000 vezes”, disse recentemente Nisreen, 13 anos, ao sair das orações da tarde. O anel é superior às contas de oração, ela disse, porque “é mais rápido e fica na sua mão”.

Ao longo do dia, cada vez que recita, ela diz, aperta um botão prateado no anel e sua contagem no monitor digital aparece. No final do dia, ela aperta um botão de reset menor, limpando o anel para as lembranças do dia seguinte. Ela usa um contador digital desde os 10 anos.

Muitos muçulmanos ao redor do mundo há muito usam contas de oração para recitações e louvores religiosos. A prática, que se soma às cinco orações diárias mais realizadas, é uma forma de infundir a lembrança religiosa em seu dia. Cada vez mais, palestinos como Nisreen recorrem a contadores digitais de orações para marcar suas recitações, como um Fitbit para seus Allahu akbars, árabe para “Deus é grande”.

Os lojistas da Cidade Velha de Jerusalém dizem que os contadores começaram a aparecer lá cerca de cinco ou sete anos atrás, embora o momento exato de sua chegada não seja claro. O interesse por eles começou depois que os palestinos que voltaram de peregrinações à Arábia Saudita os trouxeram. Eles se tornaram um sucesso instantâneo.

Agora, nas lojas da Cidade Velha, longos fios de contas de oração multicoloridas ficam ao lado de uma série de contadores de oração. Os contadores digitais tendem a variar de pouco mais de US$ 1 a cerca de US$ 10 e são especialmente populares durante o mês sagrado do Ramadã, que deve terminar no domingo na maior parte da região.

Os anéis e outros contadores de oração podem ser encontrados em grande parte do mundo muçulmano. Aqueles que os usam em Jerusalém variam em idade, e alguns disseram que usavam anéis e contas, mas preferiam a opção digital quando não estavam em casa.

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Enquanto muitos cristãos usam contas de rosário de maneira semelhante, os lojistas do bairro cristão da Cidade Velha disseram que os contadores digitais ainda não faziam sucesso, principalmente porque os cristãos tendem a rezar dezenas de Ave-Marias ou Pai-Nossos em um dia, em vez de centenas ou mais.

Naquela tarde recente, Nisreen havia esquecido de colocar o anel de oração antes de sair de casa em Bersebá, no sul de Israel. Mas enquanto ela caminhava pelas ruas da Cidade Velha, uma mulher estava distribuindo tâmaras e anéis de oração. Nisreen pegou um.

“Se não tenho o anel, uso as contas de oração”, disse Nisreen, que muitas vezes guarda contas de oração em sua mochila como reserva. “E se eu não tiver as contas de oração, uso meus dedos.”

Quando crianças, muitos muçulmanos são ensinados a recitar louvores religiosos com suas mãos, usando as dobras em seus dedos. Alguns ainda preferem isso, para imitar o profeta Maomé, que dizem ter usado os dedos.

O comércio de contadores digitais de orações conquistou mulçumanos, mas não tem feito tanto sucesso com cristãos.  Foto: Afif Amireh/The New York Times

Muitos muçulmanos ainda preferem contas de oração - que geralmente têm cerca de 100 contas de comprimento, mas podem ser ainda mais longas - e os fiéis mais velhos geralmente mantêm suas contas constantemente na mão.

Mas pode ser difícil lembrar o total. Aqui entram os contadores de oração.

“Se você quer fazer 1.000 louvores, é difícil contar”, disse Ahmad Natsha, 35, que estava trabalhando na loja de seu amigo à beira do complexo da mesquita de Aqsa recentemente. “Alguns compravam 10 contas de oração e usavam cada uma para contar”, ele disse, mas “é muito mais fácil com o contador”.

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Ibtihal Ahmad, 60, concorda. “Há paz de espírito”, ela disse. “Eu sei no final do dia quantos louvores fiz.”

Sentada de costas para o Domo da Rocha, ela olhou para o contador de plástico azul em seu dedo anelar, que estava ao lado de dois anéis de ouro quase tão grandes. A tela mostrava que ela já havia chegado a 755. Mas ela disse que ainda tinha muitas orações naquele dia.

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“Quando as pessoas veem um número alto, sentem uma sensação de realização”, disse Sham Ibrahim, 16, que estava sentado ao lado dela. Ahmad diz que ela dá anéis de oração aos seus netos quando eles ficam barulhentos e os instrui a recitar uma oração 500 vezes - dando-lhes um pouco de tempo para refletir e um tempo de silêncio para ela.

Assim como o Fitbits e outros rastreadores de saúde inspiraram a competição ou se gabam do ato básico de caminhar, os contadores de oração incentivaram um senso de competição religiosa.

Em um grupo religioso do WhatsApp em que ela está, Nadia Mohammad, 60 anos, e avó de Sham, disse que os membros compartilhavam regularmente sua contagem diária de orações. Um dos membros mais antigos costuma postar números na casa dos milhares.

“Isso encoraja o resto de nós”, ela disse recentemente, enquanto segurava contas de oração tradicionais logo após as orações da tarde. Outros publicam suas contagens diárias no Facebook.

Para aumentar a emoção, um novo modelo e design é lançado a cada ano, disseram os lojistas da Cidade Velha. O último parece um peixe e deve ser usado na palma da mão. Uma roda estriada pode ser girada com o polegar - replicando a sensação de mover um dedo pelas contas.

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Embora Natsha estivesse trabalhando em uma loja que vendia contas e contadores, ele criticava o que considerava novos métodos de adoração. Ele não usa nenhum.

“Em nossa religião, não devemos usar isso ou aquilo”, ele disse, apontando para o mostruário de contas de oração pendurado acima de caixas com anéis de oração. “Em nossa religião, devemos usar apenas nossas mãos. Isso é apenas capitalismo.” /TRADUÇÃO LÍVIA BUELONI GONÇALVES

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