Guerra, mudanças climáticas, custos de energia: Como o mercado de trigo foi afetado

O preço caiu acentuadamente em relação ao pico depois que um grande produtor, a Rússia, invadiu outro, a Ucrânia, mas isso não acabou com os temores de uma crise de fome global

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Por Joe Rennison
Atualização:

THE NEW YORK TIMES - LIFE/STYLE - O preço do trigo caiu de seu pico depois que a Rússia invadiu a Ucrânia, mas especialistas dizem que um dos alimentos mais consumidos do mundo continua escasso e alertam que uma crise de fome global ainda é uma ameaça.

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Assim como petróleo, aço, carne bovina e outras commodities essenciais à economia, o trigo muda de preço e disponibilidade em resposta a um conjunto complexo de fatores sobrepostos, como geopolítica e clima. Embora a queda do preço do trigo ofereça algum alívio para os países dependentes da importação da safra, pode dissuadir os agricultores a plantarem mais. A queda no preço também não resolve problemas preexistentes agravados por uma guerra entre dois dos maiores produtores do mundo. Os preços da energia continuam altos, afetando o custo de operação de equipamentos agrícolas e transporte de trigo para o mercado, bem como o custo de fertilizantes. E o clima quente e seco que diminui o rendimento das colheitas está se tornando mais comum.

“O quadro fundamental não mudou significativamente”, disse Ehsan Khoman, que gerencia pesquisas de mercados emergentes e commodities para o Mitsubishi UFJ Financial Group, um banco japonês. “Existe a possibilidade dos preços dos alimentos saírem do controle.”

Colheita em fazenda de trigo na Ucrânia.  Foto: Diego Ibarra Sanchez/The New York Times

O mercado de trigo está conturbado este ano.

A invasão da Ucrânia pela Rússia fez com que os preços dos alimentos e dos combustíveis disparassem, já que a guerra e as sanções interromperam o fornecimento de dois dos maiores exportadores agrícolas e de energia do mundo. Os dois países juntos respondem por cerca de um quarto das exportações globais de trigo, de acordo com o Departamento de Agricultura dos EUA.

Os preços do petróleo diminuíram um pouco desde o início da guerra, embora ainda custe muito mais do que no início do ano para os americanos abastecerem seus carros com gasolina, para os europeus aquecerem suas casas com gás natural e para qualquer pessoa em qualquer lugar fazer qualquer coisa relacionada ao custo do petróleo. Os preços do trigo, no entanto, caíram para aproximadamente onde começaram o ano.

O preço de um tipo de trigo amplamente comercializado que começou o ano em cerca de US$ 7,70 por alqueire saltou para US$ 13 logo após a invasão da Ucrânia pela Rússia no final de fevereiro, de acordo com contratos futuros negociados em Chicago, um centro global para a commodity. O preço ficou principalmente em dois dígitos até meados de junho, quando começou a cair. Na sexta-feira, o trigo foi negociado a pouco mais de US$ 8 por alqueire.

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Após o choque inicial da invasão, os preços mais altos dissuadiram alguns países a comprar trigo, diminuindo a demanda e afetando os preços. Um aumento na oferta das colheitas de trigo de inverno também baixou os preços nas últimas semanas.

Um acordo para libertar grãos presos fornece apenas um alívio parcial.

Um fator importante para derrubar os preços do trigo foi o progresso das negociações sobre o destino de mais de 20 milhões de toneladas de grãos presos nos portos do Mar Negro na Ucrânia. Há pouco mais de uma semana, chegou-se a um acordo para abrir um corredor de exportação para permitir que parte dos grãos presos pela guerra circule pelo mundo.

O acordo pode não se sustentar em meio aos combates e, mesmo que isso aconteça, especialistas dizem que provavelmente não será suficiente para resolver outras questões que pairam sobre o mercado global de trigo.

“Este acordo foi considerado uma solução para a escassez de alimentos no mundo, mas não é isso”, disse Tracey Allen, estrategista de commodities agrícolas do JPMorgan Chase & Co.

Outros fatores mais arraigados no mercado de trigo, desde os preços da energia e fertilizantes até as mudanças climáticas, podem desempenhar um papel maior na determinação do custo - e da disponibilidade - do pão em todo o mundo.

As mudanças climáticas estão tornando as colheitas de trigo menos previsíveis.

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As secas do ano passado significaram que, mesmo antes de a Rússia invadir a Ucrânia, os mercados globais de alimentos estavam sob pressão.

Embora algumas regiões, como a Argentina, tenham tido colheitas abundantes e a Rússia deva ter uma colheita robusta neste verão, o calor intenso e a baixa precipitação afetaram a quantidade de trigo que outros locais poderiam cultivar.

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No Canadá, as temperaturas atingiram recordes. No final de julho de 2021, cerca de três quartos das terras agrícolas do país foram classificadas como anormalmente secas. A produção de trigo do Canadá caiu quase 40% de 2020 a 2021, fazendo com que suas exportações para a América Latina e o Caribe diminuíssem em mais de 3 milhões de toneladas, segundo o Departamento de Agricultura dos EUA.

A queda na oferta global decorrente do mau tempo já havia ajudado a elevar os preços neste ano. Em janeiro de 2020, o trigo estava cerca de 30% mais barato do que agora.

Os preços da energia são importantes para os produtores de trigo.

Os preços do petróleo determinam em grande parte o custo de operação de equipamentos agrícolas e transporte de grãos colhidos. Os preços do gás natural são ainda mais importantes para os agricultores porque o nitrogênio, usado para produzir fertilizantes como amônia e uréia, é produzido a partir do gás natural.

“Não se trata apenas de preços de grãos - são custos de envio, preços de combustíveis, preços de fertilizantes e assim por diante”, disse Luiz Eduardo Peixoto, economista especializado em mercados emergentes do BNP Paribas.

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A Rússia, o maior produtor de fertilizantes do mundo, restringiu firmemente o fluxo de gás natural para a Europa, não apenas elevando os preços dos combustíveis, mas também elevando o custo dos fertilizantes à base de nitrogênio. À medida que os preços dos fertilizantes subiram, os preços do trigo também subiram, disparando na semana passada.

Como o fertilizante russo é muito importante para o comércio agrícola global, sanções internacionais que restringiram outras exportações russas foram evitadas, dando a Moscou influência política sobre outra commodity fundamental de que o mundo precisa.

Preços mais baixos não são necessariamente uma coisa boa para os produtores de trigo.

Custos mais altos de combustível e fertilizantes consomem o lucro que os agricultores podem obter e criam um dilema para as nações produtoras de trigo. Isso é particularmente verdadeiro para a Ucrânia, onde o transporte de trigo para compradores no exterior se tornou caro por causa da guerra, disse Dan Basse, economista agrícola e presidente da AgResource, uma empresa de análise.

Embora os preços altos prejudiquem os países que importam trigo, os preços baixos podem dissuadir os agricultores a plantar mais este ano, especialmente na Ucrânia, pois eles enfrentam desafios para vender sua safra atual, o que pode torná-los incapazes de cultivar mais. /TRADUÇÃO LÍVIA BUELONI GONÇALVES

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