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Quando foi que os perfumes deixaram de ser sobre sexo?

Não é uma competição sobre que perfume é o mais sexy; é sobre qual deles pode provocar a conexão emocional mais forte

Por Rachel Strugatz
Atualização:

THE NEW YORK TIMES - LIFE/STYLE - Quando um novo perfume Yves Saint Laurent saiu em 2001, Tom Ford, o diretor criativo da casa na época, deu uma festa sensacional na Bolsa de Paris, onde colocou um bando de modelos praticamente nus em um contêiner gigante de acrílico. A fragrância foi chamada Nu.

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Linda Wells, editora-chefe fundadora da Allure e também uma festeira, comparou a festa de Ford a um “aquário humano”, repleto de modelos “se contorcendo” em roupas íntimas. Era como uma piscina de bolinhas que se pode encontrar em uma festa de aniversário infantil, só que maior, abastecida com álcool e cheia de adultos quase nus.

“Eram todos esses corpos”, disse Wells. “Era toda essa carne. Era como uma orgia.”

Perfumarias deixaram de vender perfumes usando apelos que remetem a sexo ou à conquista. Foto: Miki Kim/The New York Times

Um evento como esse parece inimaginável hoje, e não apenas porque o hedonismo descontrolado se tornou um tabu depois do #MeToo. Todo o ideal de marketing mudou: a maioria dos designers e marcas não está usando sexo para vender perfume, e as pessoas não estão comprando perfume para fazer sexo.

Durante décadas, o marketing em torno do perfume fez da sedução uma prioridade. A fragrância era uma maneira engarrafada de ajudar alguém a encontrar um parceiro, uma construção que parece incrivelmente irrelevante já que agora temos aplicativos de namoro, uma maneira mais eficiente e consistente de encontrar um parceiro do que alguém sentir seu cheiro e se apaixonar por você.

“Parece realmente antiquado e meio ofensivo”, disse Wells. “Agora todos nós pensamos: ‘Esse anunciante vai me dizer como devo me sentir ou que quero fazer sexo por causa de sua fragrância ou que quero me tornar um objeto por causa de sua fragrância?’”

Hoje, as marcas falam sobre a fragrância em termos de lugares e como ela fará o usuário se sentir. Marcas de perfume menores e de nicho, como a Byredo ou Le Labo, são anunciadas como “gênero neutro”.

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Essas marcas não jogam com construções de gênero desatualizadas e mensagens singulares sobre sexo e orientação sexual. Não é uma competição sobre que perfume é o mais sexy; é sobre qual deles pode provocar a conexão emocional mais forte.

De acordo com Rachel Herz, neurocientista e autora de The Scent of Desire: Discovering Our Enigmatic Sense of Smell, o perfume passou do marketing de “temas diretos” como poder ou sexo para encorajar uma “jornada pessoal”.

Essa jornada pode ser sobre empoderamento ou sobre ser a melhor versão de “você”, que é o que a Glossier vende com o Glossier You. De acordo com seu site, o perfume “crescerá com você, não importa onde você esteja em sua evolução pessoal” porque “não é um produto acabado. Ele precisa de você.”

Outras fragrâncias levam os clientes a uma jornada diferente. O Harlem Nights, da World of Chris Collins, leva os usuários ao clima dos bares speakeasy com notas de almíscar e rum que evocam charutos, bebidas de alta qualidade e a vida noturna dos anos 1920.

Então, quando o perfume deixou de ser sobre sexo?

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Ideais de Gênero em Evolução

Tradicionalmente, os perfumes eram projetados para homens ou mulheres - raramente ambos - impulsionados por campanhas multimilionárias que retratavam normas tradicionais de gênero ou imagens hipersexualizadas. Você se lembra dos anúncios do Eternity da Calvin Klein dos anos 1980 com Christy Turlington e Ed Burns? E aquela campanha sensual de 2010 do Guilty da Gucci com Evan Rachel Wood e Chris Evans? Ambos parecem heteronormativos no clima cultural de hoje.

Uma geração mais jovem com interpretações mais fluidas do que constitui gênero, orientação sexual e relacionamentos românticos está liderando a conversa. “Gênero neutro” e “sem gênero” tornaram-se conceitos dominantes, integrais à moda, maquiagem e fragrâncias, e não estão mais à margem.

Seguiu-se um aumento nas fragrâncias unissex e sem gênero. De fato, muitos dos rótulos de nicho e artesanais que ganharam amplo apelo nunca atribuíram gênero às suas fragrâncias.

A Byredo comercializa seus perfumes como unissex desde que Ben Gorham fundou a linha em 2006. O mesmo vale para Le Labo, Escentric Molecules, D.S. & Durga, Malin + Goetz e Aesop.

“Seu gênero, sua nacionalidade, sua orientação sexual - não importa”, disse Chris Collins, fundador e executivo-chefe da World of Chris Collins. Todos os 12 perfumes da marca de quatro anos são sem gênero. “Não deve haver distinção”, ele disse.

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Para as potências globais de fragrâncias, gênero e romance ainda são essenciais para atrair o mainstream. Embora as campanhas publicitárias da Dior não sejam abertamente sexuais, a marca apresenta ideais femininos distintos por meio das campanhas femininas da Miss Dior, que apresentam Natalie Portman desde 2011, bem como os anúncios dourados da J’Adore Dior, nos quais Charlize Theron encarnou uma deusa grega por 18 anos.

“O romance não está necessariamente ultrapassado”, disse Herz. São as representações do romance que estão mais abstratas, ela explicou, porque “as coisas são menos definidas heterossexualmente” do que há uma década.

Por que usamos perfume agora

Durante a pandemia, com lojas fechadas e formas limitadas de testar perfumes antes de comprar, Suzanne Sabo, 45, de Levittown, Pensilvânia, comprou perfumes “às cegas” para se agradar. A primeira fragrância que ela encomendou foi Jasmine Rouge da Tom Ford Beauty, que ela descobriu através de um anúncio online.

“Não havia nada de sensual ou sexual nisso”, disse Sabo, escritora bolsista de uma escola técnica. “Era tão básico. Era uma descrição do cheiro. Eu me senti uma nova mulher apenas usando o perfume de moletom em casa. Eu me senti valendo um milhão de dólares.”

A coleção de fragrâncias Tom Ford de Sabo cresceu para incluir Lost Cherry, Soleil Blanc, White Suede e Bitter Peach. “Não moramos na parte rica da cidade”, ela disse. “Somos mães de classe média que estavam estressadas.”

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Rachel ten Brink, sócia geral da Red Bike Capital e fundadora da linha de perfumes Scentbird, viu os clientes começarem a adotar essa mentalidade anos atrás.

A principal resposta de uma pesquisa de 2015 perguntando aos clientes da Scentbird por que eles usavam fragrâncias foi “como elas fazem com que me sinta”. Atrair o sexo oposto era o número 6 ou 7, disse Brink.

Marcas menores e independentes costumam ser mais criativas em sua forma de fabricar perfumes, destacando ingredientes e notas individuais ou usando uma história para atrair clientes. As fragrâncias costumam ser mais fortes, mais ousadas e mais caras do que nas lojas de departamento, sinônimo de “presente grátis com compra”.

“Aromas artesanais sempre foram mais sobre o perfume, as notas e os ingredientes, e menos sobre a imagem”, disse Larissa Jensen, analista da indústria de beleza do NPD Group.

Frascos de fragrâncias com limões, laranjas ou lavanda são a “descrição visual” que atrai as pessoas, ela disse. “Você não está olhando para um anúncio que tem apenas a bunda nua de um homem.” /TRADUÇÃO LÍVIA BUELONI GONÇALVES

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