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Um livro traz mulheres na África falando sobre sexo

‘The Sex Lives of African Women’ explora experiências das mulheres, em suas próprias palavras, ajudando a promover ‘uma revolução sexual que está acontecendo em todo o nosso continente’

Por Abdi Latif Dahir
Atualização:

THE NEW YORK TIMES - LIFE/STYLE - A ideia nasceu durante uma viagem à praia em Gana, quando Nana Darkoa Sekyiamah percebeu que a conversa entre suas amigas não parava de se voltar para um assunto: sexo.

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Pela primeira vez em sua vida, Sekyiamah disse, ela sentiu que estava ouvindo mulheres africanas falarem aberta e honestamente sobre suas experiências, desejos e fantasias sexuais. “Foi tão libertador. Parecia sem julgamento. Parecia confortável. Parecia seguro”, disse Sekyiamah, que é ganense, recentemente. “Nunca tinha me sentido assim antes.”

Após a viagem, relutante em deixar as discussões de lado, ela co-fundou um blog onde as mulheres podiam compartilhar seus relatos. As histórias surgiram e se tornaram a gênese de um livro, The Sex Lives of African Women (A Vida Sexual das Mulheres Africanas, em tradução livre). Composto por 32 relatos em primeira pessoa, incluindo da própria Sekyiamah, foi ao mesmo tempo compreensível - e revolucionário.

O livro explora as maneiras pelas quais as mulheres africanas buscaram liberdade, prazer e cura por meio de suas experiências sexuais. Em um continente onde a educação sexual abrangente nas escolas é mínima ou inexistente, e as tradições religiosas e sociais impediram as mulheres de explorar sua sexualidade ou discuti-la publicamente, Sex Lives provocou um debate em toda a região e na diáspora africana.,

Nana Darkoa Sekyiamah, autora de 'The Sex Lives of African Women', livro que retrata perspectivas sexuais de mulheres em primeira pessoa.  Foto: Khadija Farah/The New York Times

“Este livro captura nossa história coletiva de liberação sexual”, disse Felogene Anumo, que participou de uma recente produção teatral do livro em um auditório lotado na capital do Quênia, Nairóbi. “Ele captura nossas experiências de dor e prazer no mesmo livro e ajuda a descolonizar o olhar que a maior parte do mundo tem sobre o corpo feminino africano.”

Desde que foi publicado pela primeira vez na Grã-Bretanha no ano passado e nos Estados Unidos em março, Sex Lives foi distribuído em mais de 100 países e territórios - geralmente uma rota comum para livros em inglês publicados por muitos autores africanos. Ao longo do caminho, disseram os leitores, ele ajudou as mulheres a encontrar comunidades de apoio, enfrentar mitos e até, em alguns casos, mudar suas vidas.

A coleção conta uma rica variedade de experiências: como é estar em um casamento polígamo no Senegal; encontrar amor gay no Egito; curar-se de abuso sexual infantil na Etiópia; e escolher o celibato como forma de limpeza espiritual nos Estados Unidos.

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Para Sekyiamah, que estava entre o público de 200 pessoas que assistiu à adaptação do livro no teatro Alliance Française, no centro de Nairóbi, a experiência trouxe não apenas as histórias que ela havia capturado, mas também a conversa necessária que ela esperava desencadear sobre a vasta tapeçaria da sexualidade das mulheres africanas. “Estamos sempre sendo retratadas de maneiras extremamente limitadas”, disse Sekyiamah em uma entrevista.

As mulheres africanas, ela disse, são muitas vezes vistas como pessoas “passivas, miseráveis, constantemente grávidas, sofrendo de HIV e AIDS e que foram mutiladas”, ela disse, referindo-se à mutilação genital feminina. “Parecia tão estreito para mim porque você nunca soube da história completa.”

O livro recebeu ótimas críticas, incluindo elogios da editora e escritora Margaret Busby, da escritora NoViolet Bulawayo, da autora vencedora do Booker Prize Bernardine Evaristo e de inúmeras outras mulheres que compartilham suas reações nas mídias sociais, rindo e chorando pelas curas e mágoas que encontram na coleção.

Muitos também falaram publicamente sobre dar o livro como presente para incentivar a discussão entre amigos e familiares.

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A publicação do livro ocorre em um momento em que escritores de todo o continente e seus leitores nas mídias sociais falam cada vez mais sobre intimidade, amor e igualdade de gênero e questionam o papel do Estado e da religião na opressão sexual e na liberdade.

Embora as mulheres frequentemente compartilhem seus sentimentos sobre o livro e suas histórias em público, Sekyiamah disse que os homens que o leem geralmente comunicam seus sentimentos a ela em particular.

Silas Nyanchwani, jornalista e autor queniano que escreve sobre sexualidade, disse que achou algumas das revelações do livro “chocantes”. Mas isso não o impediu de recomendá-lo amplamente aos homens, porque ele achou informativo por mostrar o que as mulheres querem.

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Quando ela leu o livro pela primeira vez, uma musicista, atriz e educadora sexual queniana que atende pelo nome de Kaz soube que queria colocar as histórias no palco. Ela dirigiu a adaptação de The Sex Lives of African Women e também é a cabeça por trás do The Spread, um podcast sex positive que ocorre desde 2016 e que aborda tópicos como namoro, trabalho sexual, pornografia e saúde reprodutiva.

Em muitas escolas e lares africanos, ela disse, a conversa sobre sexo costuma ser negativa, com os mais jovens recebendo alertas de que vão contrair doenças, uma gravidez indesejada ou até morrer se fizerem sexo. Kaz disse que essas narrativas são amplamente moldadas pela interseção do colonialismo, capitalismo e patriarcado, e é por isso que ela vê seu trabalho como algo que ajuda as pessoas a desaprender essas crenças.

“Ter discussões abertas sobre sua sexualidade é um ato político em si”, disse Kaz em uma entrevista. “Definitivamente, vejo que a razão pela qual o livro é um grande sucesso é porque as pessoas estão em um espaço de autodescoberta.”

Para a peça, Kaz trouxe 10 artistas que leram trechos do livro e, em seguida, organizou uma conversa com a autora.

Sekyiamah, que foi aplaudida de pé após o término da apresentação, disse que ficou animada com a reação ao livro. Escrevê-lo também foi uma experiência de aprendizado para ela, disse, ao vislumbrar como as mulheres com deficiência namoram ou como aquelas que sofreram mutilação genital feminina desfrutam do sexo novamente.

Se o livro conseguir alguma coisa, ela disse, ela espera que dê às mulheres a opção de buscar sua liberdade.

“Liberdade, esse é sempre o objetivo”, disse Sekyiamah. “Liberdade pessoal, liberdade sobre nossos próprios corpos, liberdade sobre nossas vidas, liberdade para escolher quem amamos, com quem queremos nos relacionar, liberdade para escolher não estar em um relacionamento com as pessoas. Apenas libertação.” /TRADUÇÃO LÍVIA BUELONI GONÇALVES

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