Um tratamento contra o câncer faz a leucemia desaparecer, mas cria mais mistérios

Doug Olson estava se sentindo meio cansado em 1996. Quando uma médica o examinou, ela franziu a testa

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Por Gina Kolata
4 min de leitura

THE NEW YORK TIMES LIFE/STYLE - “Eu não gosto da sensação de tocar nesses gânglios linfáticos”, ela disse, cutucando o pescoço dele.

Ela pediu uma biópsia. O resultado foi assustador. Ele tinha leucemia linfocítica crônica, um câncer no sangue que atinge principalmente pessoas mais velhas e é responsável por cerca de um quarto dos novos casos de leucemia.

“Meu Deus!”, disse Olson. “Achei que era meu fim.”

Ele tinha apenas 49 anos e, segundo ele, sempre foi saudável.

Em 2010, Olson se tornou um dos três pacientes a serem submetidos à terapia celular CAR T como parte de um ensaio clínico para tratar câncer. Foto: Arquivo pessoal de Doug Olson via The New York Times

Seis anos se passaram sem que o câncer progredisse. Então começou a crescer. Ele fez quatro sessões de quimioterapia, mas o câncer continuou voltando. Ele havia chegado ao fim da linha quando seu oncologista, o Dr. David Porter, da Universidade da Pensilvânia, lhe ofereceu a chance de estar entre os primeiros pacientes a tentar algo sem precedentes, conhecido como terapia com células T CAR.

Em 2010, ele se tornou o segundo de três pacientes a receber o novo tratamento.

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Na época, a ideia para esse tipo de terapia “estava bem longe”, disse o Dr. Carl June, o principal pesquisador do estudo na Penn, e ele moderou suas próprias expectativas de que as células que ele estava fornecendo a Olson como terapia sobreviveriam.

“Pensamos que elas desapareceriam em um mês ou dois”, disse June.

Agora, uma década depois, ele relata que suas expectativas estavam completamente confusas. Em um artigo publicado na Nature, June e seus colegas, o Dr. J. Joseph Melenhorst e Porter, relatam que o tratamento com CAR T fez o câncer desaparecer em dois dos três pacientes naquele estudo inicial. Todos tinham leucemia linfocítica crônica. A grande surpresa, porém, foi que, embora o câncer parecesse ter desaparecido há muito tempo, as células T CAR permaneceram na corrente sanguínea dos pacientes, circulando como sentinelas.

“Agora podemos finalmente dizer a palavra ‘cura’ com células T CAR”, disse June.

Embora a maioria dos pacientes não vá reagir tão bem, os resultados trazem esperança de que, para alguns, o câncer será vencido.

Mas os mistérios permanecem.

O tratamento envolve a remoção de células T, glóbulos brancos que combatem vírus, do sangue de um paciente e sua modificação genética para combater o câncer. Em seguida, as células modificadas são infundidas de volta à circulação do paciente.

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No caso da leucemia linfocítica crônica, do tipo que Olson tinha, o câncer envolvia células B, as células formadoras de anticorpos do sistema imunológico. As células T de um paciente são ensinadas a reconhecer as células B e destruí-las. O resultado, se o tratamento fosse bem-sucedido, seria destruir todas as células B do corpo. Os pacientes ficariam sem células B, mas também sem câncer. Eles precisariam de infusões regulares de anticorpos na forma de infusões de imunoglobulinas.

A terapia ajudou muitos com câncer no sangue e provou ser particularmente eficaz em pacientes com leucemias agudas e outros cânceres de sangue. Por outro lado, aqueles como Olson com leucemia linfocítica crônica, também conhecida como LLC, tiveram menos sucesso. Entre aqueles com esse câncer, cerca de um terço a um quinto entram em remissão com a terapia CAR T, mas muitos cujos cânceres desaparecem depois reincidem.

“A questão não é apenas por que alguns pacientes reincidem ou são resistentes à terapia, mas por que alguns pacientes são curados?” disse o Dr. John F. DiPersio, chefe da divisão de oncologia da Universidade de Washington em St. Louis, que não esteve envolvido no estudo.

O tratamento com CAR T também causou sérios efeitos colaterais em alguns pacientes, como febre alta, comas, pressão perigosamente baixa e até morte - embora na maioria dos pacientes os sintomas alarmantes se resolvam. Ainda não funcionou em pessoas com tumores sólidos encontrados em condições como câncer de mama e próstata.

Tão estranha quanto a incapacidade da CAR T de ajudar a maioria dos pacientes com câncer é o destino dessas células T modificadas nos pacientes curados.

A modificação genética envolveu um subconjunto de células T conhecidas como células CD8, que se supõe serem as que realmente matam o câncer. Elas são as assassinas do sistema imunológico.

Mas os assassinos precisam de ajudantes e, para as células CD8, os ajudantes são outro grupo de células T conhecidas como células CD4.

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A princípio, as células CD8 pareciam estar agindo exatamente como se esperava no estudo de June. As células T CD8 modificadas mataram quase imediatamente entre 1,5 e 3 Kg de células cancerígenas nos corpos de Olson e do primeiro paciente do estudo, William Ludwig, que também foi curado de seu câncer, mas morreu no ano passado de COVID-19 .

Depois que as células CD8 fizeram seu trabalho, elas permaneceram no sangue, mas, inesperadamente, se transformaram em células CD4. E quando os investigadores da Penn removeram as células CD4 do sangue de Ludwig e Olson, viram que essas células podiam matar células B em laboratório. As células CD4 se transformaram em assassinas ou, observou DiPersio, “pelo menos guardiãs que podem manter as células tumorais sob controle e indetectáveis no paciente por anos”.

As células CD4 poderiam permanecer no sangue sem células cancerígenas para matar? Ou elas estavam lá porque a leucemia não havia realmente desaparecido, mas continuava tentando retornar, apenas para ser atacada por células CD4?

“Não conseguimos encontrar células de leucemia em Doug”, disse June. Mas, ele acrescentou, talvez elas ainda estejam lá em pequenas quantidades e surgindo, apenas para serem repelidas pelas células CD4, “como em um jogo de caça à toupeira”, ele disse.

Ele suspeita, porém, que as células CD4 sejam mais como guardas.

“A leucemia se foi, mas elas permanecem no trabalho”, ele disse.

Seja qual for o mecanismo, disse Porter, o resultado “está além da minha imaginação”.

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“Os oncologistas não usam palavras como ‘cura’ de maneira leve ou fácil ou, francamente, com muita frequência”, ele disse. “Eu garanto que não está sendo usada levianamente. Os pacientes que tratamos tinham a doença muito avançada”, ele observou, acrescentando que “a maior decepção é que não funciona o tempo todo”. /TRADUÇÃO LÍVIA BUELONI GONÇALVES

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