Enquanto assistia ao discurso de Hosni Mubarak na semana passada, pensei: "As coisas não precisavam ter seguido por este rumo". Em junho de 2005, como secretária de Estado, cheguei à Universidade Americana no Cairo para fazer um discurso sobre a crescente força do movimento por mudanças democráticas na região. Seguindo o espírito do segundo discurso de posse do presidente George W. Bush, eu disse que os EUA ficariam ao lado daqueles que buscam a liberdade. Tratou-se de um reconhecimento de que os EUA tinham buscado preservar a estabilidade sacrificando a democracia, sem atingir os objetivos propostos.Durante algum tempo pareceu que a liderança egípcia estava respondendo - nem tanto a nós quanto ao seu próprio povo, que exigia mudanças. Os egípcios tinham acabado de testemunhar a retirada das tropas sírias instaladas no Líbano e a eleição de um novo governo; as eleições livres organizadas no Iraque; e o surgimento de novos líderes palestinos. Alguns meses mais tarde, eleições presidenciais mais livres foram o resultado de acalorados debates.Mas, pouco depois, Mubarak recuou. As eleições parlamentares foram uma farsa, as detestadas "leis de emergência" permaneceram em vigor e opositores foram detidos. Entre os egípcios começou a ferver uma raiva que acabaria explodindo na revolta da Praça Tahrir.Agora o regime de Mubarak se foi. Há temores compreensíveis de que as coisas não terminem muito bem. A Irmandade Muçulmana representa a força política mais organizada do Egito. Mubarak sempre disse que tudo se tratava de uma escolha entre ele e a irmandade, e deu prosseguimento a políticas que tornaram realidade tal profecia. Enquanto muitos líderes decentes, mais seculares, foram perseguidos, a irmandade se organizou e ofereceu serviços sociais que o regime não podia proporcionar.Os EUA sabem que a democracia é um processo longo. Não pretendo fazer pouco dos desafios que a incerteza quanto ao futuro egípcio representam para os interesses americanos. Não podemos determinar quais serão as preferências da política externa do próximo governo. Mas podemos influenciá-lo por meio de nossos laços com o Exército, nossos elos com a sociedade civil e a promessa de auxílio econômico para ajudar a melhorar a situação do povo do Egito.No momento, o passo mais importante é expressar nossa confiança no futuro de um Egito democrático. Os egípcios não são como os iranianos, e não estamos em 1979. As instituições egípcias são mais fortes e o secularismo é mais profundo no país. Cabe aos egípcios definir o que virá a seguir. A democracia política será desafiada pelos princípios políticos do Islã. Os próximos meses e anos devem ser turbulentos. Mas esta turbulência é preferível à falsa estabilidade da autocracia, na qual forças malignas encontram espaço para se instalar na ausência de liberdade.Não estamos em 1979 nem em 1989. Ainda assim, os EUA devem apoiar as forças da democracia, não porque elas se mostrarão mais amistosas em relação a nós, e sim porque serão mais amistosas em relação ao seu próprio povo.Os governos democráticos, entre eles nossos aliados mais próximos, nem sempre concordam conosco. Ainda assim eles partilham de nossa crença mais fundamental - a de que o povo deve ser governado pelo consentimento. Isto é tão verdadeiro hoje quanto em 2005, quando eu disse que o medo de escolhas livres não poderia mais justificar a negação da liberdade. Temos uma única escolha: confiar que no longo curso da história estas crenças partilhadas serão mais importantes do que os obstáculos imediatos que temos pela frente e, no fim, nossos interesses e ideais serão adequadamente contemplados. / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL É EX-SECRETÁRIA DE ESTADO DOS EUA