SEUL — O provável próximo líder da Coreia do Sul apoiaria os esforços do presidente americano Donald Trump para reiniciar o diálogo com Kim Jong-un da Coreia do Norte — e até mesmo consideraria indicá-lo para o Prêmio Nobel da Paz se houver um avanço significativo, sinalizando uma mudança brusca na atual estratégia linha-dura de Seul em relação a Pyongyang.
Se virar presidente de seu país e reinstituir um governo progressista em Seul, Lee Jae-myung também moderaria a abordagem agressiva da Coreia do Sul em relação à China — o que potencialmente o colocaria em desacordo com o governo Trump.
“É uma questão de administrar um equilíbrio”, disse Lee em entrevista ao Washington Post, na quinta-feira. “O problema é que a Coreia do Sul está na linha de frente” de um cenário geopolítico desafiador na região Ásia-Pacífico.

Isso significa que a Coreia do Sul não pode se dar ao luxo de alienar a China, afirmou Lee. No entanto, ele enfatizou que continua sendo importante para Seul fortalecer sua aliança de segurança com os Estados Unidos e cooperar com Washington e Tóquio.
“Os EUA não adotam consistentemente uma postura exclusivamente antagônica ou exclusivamente cooperativa em relação à China”, disse Lee, acrescentando que Seul também deve adaptar sua estratégia em relação a Pequim, seu maior parceiro comercial.
Lee, de 61 anos, é líder do principal partido de oposição na Coreia do Sul, o Partido Democrata, e o grande favorito para se tornar o próximo presidente do país se o Tribunal Constitucional remover Yoon Suk Yeol do cargo por sua decisão de impor lei marcial no fim do ano passado. O tribunal está revisando a decisão da Assembleia Nacional de impeachment de Yoon e pode decidir em algumas semanas. Se Yoon for removido, uma nova eleição presidencial terá de ser realizada em 60 dias.
Embora tenha se recusado a declarar abertamente que está buscando a presidência — que perdeu para Yoon por uma margem muito estreita em 2022 — Lee moderou recentemente suas posições políticas e está claramente se posicionando para lidar com a imprevisibilidade de Trump, afirmando que encontrará maneiras de trabalhar com o presidente americano, não importando o que acontecer.
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Lee disse que acolheu o desejo de Trump de reiniciar o diálogo com a Coreia do Norte após as reuniões do primeiro mandato de Trump com Kim não levarem a lugar nenhum, mas considerou as conversas notáveis pelo fato de terem ocorrido.
Se Trump pudesse trazer um avanço significativo nas hostilidades de oito décadas na Península Coreana, afirmou Lee, seu Partido Democrata poderia ser motivado a indicar o presidente americano para um dos maiores prêmios do mundo.
“Espero que haja uma situação neste ano em que nós, como partido, indiquemos oficialmente Trump para o Prêmio Nobel da Paz”, disse Lee. “Se houver progresso significativo nas questões nucleares e de mísseis na Península Coreana, seria benéfico para todos.”
Isso pode soar como música aos ouvidos de Trump: quando o ex-primeiro-ministro do Japão, Shinzo Abe, o indicou para o mesmo prêmio em 2019, ele classificou o ato como “o mais bonito”.
Mas Lee também está ciente de que Trump pode atingir a Coreia do Sul com tarifas — novamente — apesar de o líder sul-coreano ter dito que o presidente americano não seria capaz de travar uma guerra comercial indefinidamente.
Uma guerra tarifária “não é uma situação desejável nem boa do ponto de vista da Coreia do Sul, mas o que devemos fazer?”, disse Lee. “É bom pressionar empresas estrangeiras aumentando tarifas, mas provavelmente seria difícil mantê-las quando os preços nos EUA começarem a subir”.
Uma vitória de Lee marcaria uma mudança em relação a Yoon, um conservador que fortaleceu as relações com Washington e Tóquio e se alinhou mais proximamente com os americanos em sua competição estratégica com a China.
Governos progressistas da Coreia do Sul têm apoiado a aliança EUA-Coreia do Sul, mas também não se curvaram — preferindo se proteger entre os americanos, de quem Seul depende para sua segurança, e Pequim, que é importante para a economia sul-coreana e para conter a Coreia do Norte.
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Lee disse que fortalecer a relação trilateral EUA-Coreia do Sul-Japão é a coisa certa a se fazer. Washington não precisa se preocupar “excessivamente” ou “desnecessariamente” com a força da aliança sob um governo do Partido Democrata sul-coreano, afirmou ele.
“Se o Partido Democrata tentar prejudicar a relação Coreia do Sul-EUA, o que nós ganharíamos com isso? Nós perderíamos mais com a deterioração dos laços com Washington” do que ganharíamos simplesmente ficando do lado da China, disse ele.
Lee está adotando uma posição de política externa significativamente mais sutil do que no passado. Em 2023, ele liderou uma greve de fome de 24 dias para se opor à posição mais branda de Yoon em relação ao Japão, que ocupou a Península Coreana, muitas vezes brutalmente, de 1910 a 1945. E também criticou duramente os exercícios militares conjuntos EUA-Coreia do Sul-Japão iniciados sob Yoon.
A recente mudança retórica de Lee também reflete sua necessidade de atrair eleitores indecisos moderados em uma eleição antecipada, afirmam analistas. A opinião pública sul-coreana — particularmente os eleitores mais jovens e indecisos — tornou-se mais crítica em relação à China e à Coreia do Norte e mais hostil em relação ao Japão desde que o último líder progressista deixou o cargo em 2022, disse o analista político Park Sung-min.
Embora reconheça que a Coreia do Sul e o Japão precisam cooperar enquanto democracias vizinhas, Lee disse que os sul-coreanos não podem recuar diante de querelas históricas não resolvidas, incluindo uma disputa territorial e compensações a operários forçados a trabalhar para empresas japonesas durante a colonização.
“Acho que esse é um problema que o Japão deveria resolver como a Alemanha resolveu. (…) A Alemanha refletiu seriamente, trabalhou duro para garantir que a história não se repetisse e mostrou seus esforços ao mundo”, disse Lee. Mas o Japão não admitiu adequadamente seus erros da era colonial, disse ele.
O Japão acredita que querelas históricas foram resolvidas quando as duas nações normalizaram as relações, em 1965, e Tóquio pagou US$ 500 milhões à Coreia do Sul para resolver reivindicações da era colonial “completamente e definitivamente”.
Um retorno às tensas relações Tóquio-Seul preocuparia autoridades políticas em Washington, que querem ver os vizinhos cooperando contra uma ameaça em comum: a China.
Apesar de ser o favorito para a presidência, de acordo com as pesquisas, Lee pode não conseguir concorrer. Ele enfrenta vários obstáculos jurídicos, desde alegações de direcionar fundos ilegalmente para a Coreia do Norte até um escândalo de corrupção envolvendo um projeto de desenvolvimento em Seongnam, onde ele foi prefeito. Lee nega as alegações e afirma que as investigações são motivadas politicamente.
Lee apelou de sua condenação, de novembro, por uma infração à lei eleitoral. Se a Suprema Corte confirmar o veredicto de culpado de Lee antes de uma eleição especial ser convocada, ele será desqualificado para concorrer.
Isso é normal para o eterno azarão. Lee cresceu na pobreza, trabalhando em fábricas clandestinas quando adolescente para ajudar a sustentar sua família, cursando o ensino médio intermitentemente. Um acidente em uma fábrica de luvas lhe deixou um braço permanentemente deformado.
Lee acabou se tornando um advogado trabalhista e especializado em direitos humanos. Depois de atuar como prefeito de Seongnam, ele virou governador da Província de Gyeonggi, nos arredores de Seul. Essa experiência de vida variada o ajudou a “entender lados obscuros e outros aspectos do mundo”, disse ele, e lhe produziu empatia pelos eleitores.
“Nem sempre é fácil para os políticos sentirem o quanto uma política tem impacto”, disse Lee. “Mas eu experimentei isso na pele.”
Lee classifica o ex-presidente americano Franklin Roosevelt como um modelo em razão de suas políticas pró-trabalhistas do New Deal, assim como Kim Gu, um famoso ativista pró-independência durante a ocupação japonesa.
No ano passado, Lee sobreviveu a uma tentativa de assassinato na qual um homem o esfaqueou no pescoço durante um evento. “Eu desmoronei, olhei para o céu azul e pensei, ‘Oh, este céu logo desaparecerá da minha vista. Deve ser a morte’”, disse Lee. “Agora, o tempo que me resta parece um bônus. Isso me transformou numa pessoa mais livre, menos preocupada com a preciosidade da minha vida.”
Essa experiência esteve em sua mente na noite de 3 de dezembro, depois que Yoon declarou lei marcial. Lee correu para a Assembleia Nacional, onde soldados se reuniram para impedir — sem sucesso — que os legisladores votassem pela reversão do decreto de Yoon.

Enquanto sua mulher o levava de carro até lá, Lee iniciou uma transmissão ao vivo em seu canal no YouTube, pedindo ao público que se juntasse a ele.
“Nós precisamos de vocês para proteger este país”, disse Lee no vídeo, que teve quase 3 milhões visualizações. O vídeo ajudou a atrair multidões de manifestantes para desacelerar o avanço dos soldados. Ele continuou transmitindo enquanto escalou o muro do Parlamento para entrar e votar. “Eu estava preparado para os soldados da lei marcial que me cercavam. Eu queria mostrar-lhes me prendendo”, disse Lee. “Mas não tive medo de que me matassem.”/TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO