THE WASHINGTON POST - Mais uma vez, os fiéis subiram os degraus da Catedral Nacional de Washington e entraram em sua nave. O coro cantava, as pessoas sorriam e a luz matinal de fevereiro era filtrada pelos vitrais. Muitos, ao que parecia, estavam ansiosos para compartilhar o serviço dominical com uma pessoa em particular.
Já se passaram 12 dias desde que a Reverenda Mariann E. Budde, bispa episcopal de Washington, implorou ao presidente Donald Trump que “tivesse misericórdia” dos imigrantes, das crianças LGBTQ e de outros que poderiam estar assustados com seu retorno ao poder.
Doze dias desde que a tempestade midiática começou. Doze dias desde que elogios começaram a chegar de todo o mundo — e também o ódio. Doze dias desde que um membro da Câmara dos EUA pediu que a bispa, nascida em Nova Jersey, fosse “adicionada à lista de deportação”.

Agora, Budde caminhava até o altar para seu primeiro serviço público na catedral desde aquele sermão, o evento final da cerimônia de posse de Trump. Os fiéis esticavam o pescoço e ficavam na ponta dos pés. Estendiam os braços para tirar uma foto.
“O Senhor esteja com vocês”, disse Budde, de 65 anos, a primeira mulher eleita para sua posição. “E também contigo”, respondeu a multidão.
Seu apelo direto a Trump naquele dia de janeiro — cerca de 24 horas depois que ele assumiu o cargo mais alto do país pela segunda vez — desencadeou uma enxurrada de reações. Foi um momento de catarse política? Um ato de resistência pública? Uma politização inapropriada do púlpito? Para Budde, foi uma expressão da teologia cristã básica. ”Estava enraizado em Jesus”, disse ela, “não em uma agenda partidária”.
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“Que bom é ter a bispa Mariann de volta entre nós”
No domingo, a catedral parecia mais cheia do que no evento da cerimônia de posse, que não foi aberto ao público. As cadeiras de madeira estavam ocupadas por uma multidão diversa de jovens e idosos: pessoas que haviam caminhado até a catedral vindas de casas próximas e aquelas que haviam dirigido por mais de uma hora, atravessando fronteiras estaduais.
“Que bom é ter a bispa Mariann de volta entre nós”, disse o reverendo Randolph “Randy” Hollerith, reitor da catedral. “Estamos tão felizes que ela esteja aqui”. Aplausos começaram a se espalhar pela nave perfumada de incenso.
“Parem com isso”, pareceu dizer ela, sorrindo e afastando os aplausos com a mão enquanto ficavam cada vez mais altos, até que centenas estavam de pé aplaudindo: a multidão, o coro, os bispos, todos de pé.
Desde seu discurso a Trump, pessoas de todo o país compartilharam trechos do sermão online. Seu livro, “How We Learn to Be Brave” (”Como aprender a ter coragem”, em tradução livre), ficou em segundo lugar na lista dos mais vendidos e lidos da Amazon — a primeira vez que apareceu na lista. Memes foram criados em sua homenagem nas redes sociais e referências foram feitas em programas noturnos de TV. Mais de 50.000 pessoas assinaram uma petição online agradecendo a ela.
Logo, a catedral foi inundada com ligações, e-mails e cartas de todo o mundo. Para alguns, o sermão reacendeu a esperança; para outros, era algo a ser condenado.
Essa dualidade “diz mais sobre onde estamos como nação do que sobre mim pessoalmente”, disse Budde em uma entrevista na tarde de domingo na catedral, com seguranças por perto.
A polícia de Washington, D.C., está investigando ligações telefônicas ameaçadoras feitas a ela, segundo Tom Lynch, porta-voz do departamento.

“Não é ativismo político um pastor pedir misericórdia”
Antes do momento viral, e do apoio e da fúria que se seguiram, Budde havia pensado muito sobre o que dizer. “É uma responsabilidade tremenda, que encaro com humildade e oração”, disse ela.
O serviço inter-religioso, uma tradição de quase um século, foi o evento final da posse, encerrando um ciclo eleitoral presidencial marcado por turbulência, ameaças e violência.
Ela redigiu e reescreveu seus comentários várias vezes. Queria focar nos três princípios da unidade. Mas, ao ouvir o discurso de posse de Trump, observar sua enxurrada de ordens executivas e notar a pouca resistência que ele encontrou até então, aqueles pilares pareceram incompletos e insuficientes.
Então, ela adicionou um quarto: um apelo ao novo comandante-em-chefe do país por misericórdia, em nome de todos aqueles assustados pelas maneiras como ele ameaçou exercer seu poder. Ela sentiu um pouco de medo, ao se levantar no púlpito. Trump estava sentado a cerca de 12 metros de distância, na primeira fila. Eles trocaram olhares. Ela respirou fundo.
“Em nome de Deus, peço que tenha misericórdia das pessoas em nosso país que estão com medo”, disse ela.
O presidente pareceu impassível. Mais tarde, chamou-a de “radical da esquerda dura, odiadora de Trump”. O deputado Mike Collins (R-Geórgia) disse que Budde deveria ser “adicionada à lista de deportação”.
Ainda assim, Budde insiste que foi “um sermão bastante básico, cujos temas têm sido pregados em muitos púlpitos do país em qualquer domingo”.
No serviço deste domingo, Budde presidiu a entronização cerimonial do reverendo Sean Walter Rowe, bispo presidente e primaz da Igreja Episcopal. Rowe instou os ouvintes a resistirem à divisão e a honrarem a dignidade inerente de cada ser humano.
“No Reino de Deus, imigrantes e refugiados, pessoas transgênero, os pobres e os marginalizados não estão à margem, com medo e sozinhos”, disse ele, sob uma onda de aplausos. “Eles estão no centro da história do Evangelho.”
No mês passado, o deputado Josh Brecheen apresentou uma resolução pedindo que a Câmara reconhecesse o sermão de Budde como uma “demonstração de ativismo político e condenasse sua mensagem distorcida”. Segundo a resolução, Budde promoveu “viés político em vez de defender o pleno conselho do ensino bíblico”.
No domingo, após o serviço, ela refletiu sobre a ação do parlamentar. “Não é ativismo político um pastor pedir misericórdia”, disse ela. “É uma expressão da fé cristã e dos ensinamentos de Jesus”.
Dizendo isso, ela seguiu pelo corredor da catedral, dando apenas alguns passos antes que uma mulher se aproximasse para lhe dizer: “Obrigada”.
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