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O que é o Hezbollah? Por que o grupo representa uma ameaça para Israel?

Grupo pró-Irã, baseado no Líbano, tem trocado fogo com Israel desde o início do conflito com Hamas

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Por Nicholas Casey e Euan Ward
Atualização:

Israel e a milícia xiita radical libanesa Hezbollah trocaram uma série de ataques nos últimos meses, especialmente após a explosão de pagers e walkie-talkies de membros do grupo radical libanês na terça-feira, 17, e na quarta-feira, 18, que deixaram 37 mortos e mais de 3 mil feridos ao redor do Líbano.

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Israel disse neste sábado, 28, que matou o líder do Hezbollah, Hasan Nasrallah, no que seria o golpe mais significativo contra a milícia xiita após meses de conflito. Não houve confirmação imediata do Hezbollah.

Por décadas, Hezbollah tem sido uma força significativa no Líbano, manejando tanto poder político quanto militar — ao mesmo tempo que se envolve em conflitos retaliatórias com o seu inimigo do sul, Israel.

Nesta sexta-feira, 20, o Hezbollah disparou cerca de 140 projéteis contra posições de Israel no norte e muitos mísseis foram interceptados, segundo o Exército de Israel. O grupo libanês apontou que seus foguetes atingiram sedes de duas divisões militares de Israel no norte e nas Colinas do Golan.

Já as Forças de Defesa de Israel (FDI) realizaram uma série de bombardeios contra posições do Hezbollah no sul do Líbano e também nos subúrbios de Beirute. De acordo com a mídia israelense, o alvo do Exército de Israel em Beirute foi Ibrahim Aqil, um importante oficial do Hezbollah. Segundo fontes da AFP, Aqil foi morto pelos ataques israelenses.

O que está acontecendo entre Israel e Hezbollah?

Israel e Hezbollah estão trocando fogo desde o dia 7 de outubro do ano passado, quando o terroristas do Hamas invadiram o sul de Israel, mataram 1,2 mil pessoas e sequestraram 250. Em muitos momentos desde o inicio do conflito no enclave palestino existiu a possibilidade de uma guerra em duas frentes, mas isso ainda não se concretizou, apesar dos intensos ataques entre as duas partes.

Diversas cidades próximas do sul do Líbano e do norte de Israel foram esvaziadas e cada ataque é medido para que não haja uma guerra regional.

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Na terça-feira, 17, pagers de integrantes do Hezbollah explodiram ao redor do Líbano, em uma ação atribuída a Israel, apesar de Tel-Aviv não ter admitido ou negado a autoria dos ataques. 12 pessoas morreram no ataque e milhares ficaram feridas.

Os pagers que explodiram aparentemente foram adquiridos pelo Hezbollah depois que o líder do grupo ordenou que os membros parassem de usar celulares em fevereiro, alertando que eles poderiam ser rastreados pela inteligência israelense.

Um dia depois de explosões simultâneas de pagers ,walkie-talkies usados pelos militantes do grupo também explodiram na quarta-feira, 18. Somadas as duas explosões, o número de mortos chegou a 37 e 3 mil ficaram feridas.

Projéteis da artilharia israelense explodem sobre Dahaira, uma vila fronteiriça do Líbano com Israel, na segunda-feira, 16. Foto: AP/Hussein Malla

De onde o Hezbollah vem?

As origens do grupo remontam a uma diferente invasão terrestre envolvendo palestinos. Em 1982, Israel avançou para o sul do Líbano com o objetivo de aniquilar a Organização para a Libertação da Palestina (OLP), cujos líderes utilizavam o país como base. Israel logo viu a si mesmo contra um novo movimento xiita-muçulmano fundado para reunir a vontade popular contra a ocupação de Israel.

O movimento levou o nome de Hezbollah, que em árabe significa “Partido de Deus”. Hezbollah logo encontrou um novo aliado no Irã, e um inimigo nos Estados Unidos, depois de se envolver no caso de um atentado suicida na Embaixada dos Estados Unidos em Beirute, em 1983. Israel logo se retirou do Líbano em 2000, mas a ameaça do Hezbollah permaneceu desde então.

O grupo terrorista Hamas reforçou os laços com o Irã e o Hezbollah nos últimos anos, após um período de relações mais frias na última década, quando os dois grupos armados apoiaram lados opostos na guerra civil síria.

Libaneses militantes do Hezzbolah seguram cartazes com a foto do líder da milícia xiita libanesa, Hasan Nasrallah, em protesto em Beirute; Israel afirma ter matado Nasrallah  Foto: Mahmoud Zayyat/AFP

O Hezbollah já lutou contra Israel antes?

Sim. Em 2006, o grupo lutou em uma guerra sangrenta que durou 34 dias e deixou áreas de Beirute e outras partes do Líbano arrasadas pelos ataques aéreos de Israel. Pelo menos 1,109 cidadãos israelenses morreram, de acordo com o Observatório de Direitos Humanos, juntamente com dezenas de soldados israelenses e combatentes do Hezbollah. A guerra também começou na parte norte da fronteira: em julho daquele ano, um ataque do Hezbollah a Israel matou oito soldados e raptou outros dois. A violência aumentou rapidamente a partir daí.

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Hezbollah e seus políticos aliados perderam sua maioria nas eleições parlamentares do Líbano no último ano, mas o grupo permanece com uma força política formidável que continua a exercer controle de fato sobre as regiões do país, incluindo o sul do Líbano.

Qual é a posição atual do Hezbollah no Líbano?

Durante anos, o Hezbollah desempenhou um papel político oficial, com ministros no governo e legisladores no parlamento. Atualmente, detém o ministério de obras públicas e o ministério do trabalho e, muitas vezes, formou coalizões com outros partidos políticos, inclusive cristãos, em acordos de compartilhamento de poder.

A política no Líbano é sectária e fragmentada. Os conflitos internos levaram o país a uma guerra civil sangrenta opondo diversos grupos entre 1975 e 1990. Os libaneses dividiam-se em uma minoria de cristãos maronitas, herdeiros da tradição das cruzadas que haviam conquistado Jerusalém na Idade Média, que controlavam a economia e eram aliados do Ocidente, e muçulmanos, ligados à Síria. Cada região era governada por um grupo, cristão ou islâmico. A animosidade entre os grupos foi aumentando com as sucessivas guerras entre árabes e israelenses na região, que criaram um cenário propício à eclosão de uma guerra civil.

A ocupação israelense sobre a quase totalidade do território palestino obrigou um imenso contingente populacional a buscar refúgio nos países vizinhos. Milhares de palestinos migraram para o sul do Líbano, onde passaram a viver em situação precária e, o que é pior, de onde grupos radicais islâmicos iniciaram ataques militares contra o norte de Israel.

Sistema de defesa israelense Domo de Ferro intercepta mísseis do Hezbollah  Foto: Leo Correa/AP

Os grupos populares muçulmanos do Líbano começaram então a enfrentar os cristãos, ocasionando uma devastadora guerra civil envolvendo cristãos do Partido Falangista, muçulmanos da Organização para Libertação da Palestina (OLP) e judeus israelenses. Duas invasões do exército de Israel marcaram as fases mais violentas do conflito: 1978 e 1982. Na segunda incursão, Israel exigia a retirada da OLP de Beirute, acordo que só seria firmado no ano seguinte.

Um acordo permitiu que os grupos rivais selassem a paz mantendo uma frágil divisão do poder. O Líbano não possui uma religião majoritária. Os muçulmanos xiitas, os muçulmanos sunitas e os cristãos maronitas representem 30% cada. Os drusos e as outras minorias, tanto cristãs (armênios, melquitas, ortodoxos, siríacos) como islâmicas (alaítas), completam o restante. Esta divisão sectária se reflete na política libanesa. Por lei, metade do Parlamento precisa ser composto por cristão, e metade por muçulmanos, incluindo os drusos. Estes deputados são alocados de acordo com a região do país.

O presidente é, por lei, cristão maronita. O chefe das Forças Armadas também tem de ser cristão maronita. Os sunitas possuem o posto de premiê. Os xiitas, o de presidente do Parlamento. O vice-premiê, cristão ortodoxo, e o gabinete ministerial também é dividido de forma sectária.

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É nesse caldo sectário que se instala o poder do Hezbollah na política libanesa. Apesar de ter uma força reduzida no Parlamento e não poder ocupar os cargos de presidente ou premiê, o Hezbollah opera um Estado dentro do Estado no Líbano, muitas vezes desrespeitando a soberania libanesa e usando sua força para desafiar Israel. Com apoio financeiro e militar do Irã, o grupo possui tentáculos e domina principalmente o sul do Líbano.

Esse acordo político fez o governo no Líbano permanecer fraco, politicamente dividido e atormentado pela corrupção. Atualmente, não há presidente devido a brigas internas. O resultado é que até mesmo os adversários internos de Hebzollah não conseguem controlar o grupo. O primeiro-ministro interino do Líbano, Najib Mikati, por exemplo, descreve-se como “liberal” e não faz parte do Hezbollah, mas tem pouco controle sobre o que o grupo faz.

O chefe do Hezbollah, Hassan Nasrallah, discursa após a explosão de pagers e walkie-talkies do grupo radical xiita libanês  Foto: Al-Mandar/AFP

Como o Hezbollah se tornou tão influente?

A guerra civil de 15 anos no Líbano, que foi travada em grande parte por linhas religiosas e sectárias, terminou com as milícias em conflito depondo suas armas. O Hezbollah, no entanto, foi a exceção, mantendo suas armas ostensivamente para combater as forças israelenses que ocupavam o sul do Líbano na época. É amplamente aceito que o Hezbollah poderia dominar o exército nacional se quisesse, embora o grupo pareça ter preferido manter seu status atual de agente poderoso.

O Hezbollah obteve amplo apoio interno para expulsar Israel em 2000, mesmo entre os setores cristãos, drusos e muçulmanos sunitas da sociedade fora de sua principal base xiita no sul do Líbano. Posteriormente, travou uma guerra de cinco semanas com Israel em 2006.

O apoio substancial dos aliados do Irã e da Síria também permitiu que o Hezbollah desempenhasse um papel de grande importância no Estado libanês.

Qual é a popularidade do Hezbollah no Líbano?

O apoio local que o Hezbollah recebeu como a única força libanesa capaz de dissuadir os ataques de Israel foi diminuindo ao longo dos anos, principalmente depois que ele ajudou o ditador sírio Bashar al-Assad a suprimir uma revolta pró-democracia com força sangrenta e letal.

Como a mais poderosa força de representação do Irã em sua região, o Hezbollah poderia ter sido forçado ou pelo menos coagido a lutar por Assad, que é um aliado próximo de Teerã e faz parte de seu “eixo de resistência” contra Israel e os EUA.

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No entanto, muitos libaneses viram os ataques do Hezbollah contra os sírios como uma intervenção injusta em um conflito estrangeiro, que corria o risco de levar seu frágil estado a mais distúrbios enquanto ele ainda se recuperava das cicatrizes de sua própria guerra civil, décadas depois de ela ter terminado formalmente.

Qual é o relacionamento do Hezbollah com o Hamas em Gaza?

O Hezbollah permitiu que o Hamas operasse no Líbano e coordena estreitamente com o grupo.

No entanto, embora compartilhem um inimigo comum em Israel, eles certamente não são fortes aliados. O Hamas, muçulmano sunita, também é considerado uma força de procuração iraniana, mas opera com independência, principalmente ao apoiar inicialmente as forças anti-Assad durante a guerra civil síria, o que prejudicou seu relacionamento com o Hezbollah.

Qual a força militar do Hezbollah no Líbano?

Sob a orientação do líder do Hezbollah, Hassan Nasrallah, o grupo ostenta uma força de tropas de 20.000 a 25.000 combatentes em tempo integral, com dezenas de milhares adicionais em reservas. A Unidade de elite do Hezbollah, a Radwan, é particularmente conhecida por sua proficiência em combate e importância estratégica em conflitos na região.

Essa unidade específica, que foi criada com a ajuda da força Quds do Irã, é encarregada de incursões em Israel, planejando a tomada de territórios e comunidades israelenses. Ela inclui milhares de agentes altamente treinados, alguns dos quais têm experiência operacional na guerra civil síria.

As capacidades de armamento do Hezbollah no Líbano são notáveis e mais semelhantes às de um exército de um país de médio porte. Ele possui mais de 150.000 foguetes e mísseis, incluindo os foguetes Fajr-5 e Zelzal-2 fabricados no Irã. Esses armamentos enfatizam a ameaça que o Hezbollah representa para a segurança israelense, pois seu arsenal é capaz de penetrar profundamente no território de Israel. O Hezbollah se transformou no ator não estatal mais poderoso do mundo.

Integrantes do Hezbollah participam do funeral de militantes do grupo que morreram após a explosão de pagers e walkie-talkies do grupo nesta semana  Foto: Bilal Hussein/AP

Armas do Hezbollah:

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  • 400 foguetes e mísseis de longo alcance (180-700 km)
  • Mísseis guiados de precisão (70-250 km)
  • 4.800 Foguetes de médio alcance (40-180 km)
  • 65.000 foguetes de curto alcance (20-40 km)
  • 140.000 morteiros

Capacidades avançadas de guerra e conexões entre o Hezbollah e o Irã

O avanço militar do Hezbollah é ainda mais exemplificado pelo seu acesso a mísseis antinavio, mísseis antitanque e UAVs, em grande parte importados do Irã. O uso de mísseis antinavio no conflito de 2006 com Israel destacou a capacidade do Hezbollah de atingir ativos navais de forma eficaz. A aquisição de UAVs avançados para operações de vigilância e combate reflete a evolução da estratégia militar e das capacidades tecnológicas do Hezbollah. Além de sua capacidade de atingir o centro e o sul de Israel (o que, mais uma vez, representa capacidades militares significativas nas mãos de uma organização terrorista reconhecida), ela também inclui capacidades como

  • 17 sistemas de mísseis ar-superfície
  • Cerca de 100 mísseis antinavio, com um alcance de 200 km
  • Centenas de UAVs, com alcance de cerca de 400 km
  • Hassan Nasrallah: Início e evolução do Hezbollah

Desde sua criação em 1982, o Hezbollah passou de uma milícia para uma entidade híbrida político-militar. Sob a liderança de Hassan Nasrallah, o Hezbollah ganhou legitimidade política no Líbano e, ao mesmo tempo, se envolveu em atividades que prejudicam a estabilidade regional.

Nasrallah entrou para o Hezbollah logo após sua fundação em 1982. Dez anos depois, ele se tornou líder da organização terrorista e trabalhou para expandir o arsenal e o alcance dos foguetes.

As declarações públicas de Nasrallah foram marcadas pelo antissemitismo extremo, inclusive dizendo: “O que os judeus querem? Eles querem segurança e dinheiro. Ao longo da história, os judeus têm sido as criaturas mais covardes e avarentas de Alá”.

Libaneses assistem ao discurso do chefe do Hezbollah, Hassan Nasrallah, em um café no subúrbio de Beirute  Foto: Hassan Ammar/AP

Principais ataques terroristas do Hezbollah

O Hezbollah foi responsável por vários ataques terroristas em grande escala contra alvos israelenses e ocidentais nos últimos 40 anos.

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Esses ataques incluem:

O atentado a bomba no quartel de Beirute em 1983, que matou 241 militares dos EUA. 220 dos mortos eram fuzileiros navais dos EUA, o dia mais mortal da história da corporação desde Iwo Jima.

O atentado à bomba contra a embaixada israelense em Buenos Aires em 1992, que matou 29 pessoas e feriu 242

O atentado a bomba de 1994 contra o centro cultural judaico de Buenos Aires, que matou 85 pessoas e feriu mais de 300.

Um poster de Hassan Nasrallah é colocado ao lado de flores que foram postas na embaixada do Líbano em Teerã, Irã  Foto: Vahid Salemi/AP

Até o 11 de setembro, o Hezbollah era responsável por mais mortes de americanos do que qualquer outra organização terrorista do mundo.

Como resultado desses e de outros ataques terroristas, o Hezbollah é reconhecido como uma organização terrorista global pelos Estados Unidos, Reino Unido, Liga Árabe, Canadá, Argentina, Bahrein, Colômbia, Alemanha, Conselho de Cooperação do Golfo, Honduras, Israel, Holanda e Paraguai. Embora não acreditemos que haja uma diferença, a Austrália, a União Europeia e a Nova Zelândia reconhecem a ala militar do Hezbollah como uma organização terrorista.

Como muitas organizações terroristas, além do apoio iraniano, o Hezbollah recebe um apoio significativo do tráfico de drogas. Isso começou no início dos anos 90 e se expandiu ainda mais após a guerra do Líbano de 2006, que foi iniciada pelo Hezbollah e levou a uma crise financeira cada vez mais profunda no Líbano. A DEA visou o Hezbollah pela primeira vez com a Operação Titan, interceptando carregamentos de várias toneladas de cocaína. Outro caso notável foi um processo da DEA contra o Lebanese Canadian Bank./com NYT, W.Post, AP e AFP

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