O que sabemos - e não sabemos - sobre o que Trump fez no dia do ataque ao Capitólio

Uma das prioridades do comitê que investiga a invasão do Capitólio em 6 de janeiro de 2021 é descobrir qual a responsabilidade de Donald Trump nos eventos

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Por Amber Phillips
Atualização:

THE WASHINGTON POST - Enquanto o comitê que investiga as revoltas do dia 6 de janeiro de 2021 mede qual a responsabilidade que o presidente Donald Trump carrega por essas violências, membros disseram que descobrir o que Trump fez ou deixou de fazer naquele dia é uma de suas prioridades.

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Baseado no que foi reportado publicamente, há partes importantes do dia de Trump que não temos conhecimento - especialmente o que ele fez durante os 187 minutos de ataque, antes dele publicar um vídeo dizendo aos protestantes: “Vão para casa. Amo vocês, vocês são especiais.” Sabemos que Trump estava trabalhando em telefonemas o dia todo, mas o histórico oficial de ligações da Casa Branca tem uma pausa próximo ao horário que os manifestantes invadiram o Capitólio e retorna novamente após a segurança ser instaurada pelos militares.

Novos detalhes surgiram na tarde desta terça-feira, quando Cassidy Hutchinson, ex-assessora da Casa Branca, testemunhou frente ao comitê e compartilhou o que ela viu e ouviu naquele dia. Ela testemunhou que Trump sabia que os protestantes que se reuniram em Washington no dia 6 de janeiro de 2021 tinham armas e ele os incentivou a ir até o Capitólio mesmo assim. O testemunho de Cassidy levantou ainda mais dúvidas em relação ao que Trump sabia sobre o ataque.

Aqui está o que sabemos sobre as ações de Trump em 6 de janeiro e as principais questões que continuam desconhecidas.

Vamos definir o cenário: A contagem de votos eleitorais do Congresso deveria ser uma tarefa rotineira, a fase final para certificar o vencedor das eleições presidenciais. Entretanto, enquanto os legisladores se reuniam no Capitólio, a cidade e os políticos estavam ansiosos. Durante meses, Trump insistiu em falsas acusações sobre fraudes nas eleições e tentou pressionar os republicanos a ajudá-lo a reverter os resultados dos estados que ele perdeu. Quando essa estratégia falhou, ele voltou sua atenção a Washington. Trump apareceu na reunião da organização anti-democrática “Stop The Steal”, que descredibiliza o sistema eleitoral norte-americano. O evento aconteceu na rua do Capitólio e o ex-presidente convidou seus apoiadores a participar também. “Estejam lá, sejam selvagens”, ele twittou um mês antes. Grupos de extrema-direita, que estiveram se manifestando na cidade durante semanas, atenderam o chamado. Secretamente, oficiais militares temiam que o presidente pudesse tentar um golpe se não conseguisse o que queria.

Membros dos Proud Boys, de extrema direita, fazem um gesto com a mão do lado de fora do Capitólio dos EUA em Washington, D.C., em 6 de janeiro de 2021 Foto: Amanda Andrade-Rhoades/The Washington Post

Trump passa suas manhãs fazendo ligações

Com quem Trump conversou no início do dia?

8:23 - Trump está na Casa Branca fazendo muitas ligações. De acordo com o histórico de ligações da Casa Branca, uma das primeiras pessoas com quem ele conversa é o conselheiro político Stephen K. Bannon, o qual o comitê afirma que fazia parte de um centro de comando em um hotel próximo, onde aliados de Trump estavam tentando convencer membros republicanos do Congresso a votar de modo que revertesse os resultados estaduais. Bannon também previu, em seu podcast, que “o inferno vai se soltar” no dia 6 de janeiro. Trump também conversa com seu advogado pessoal, Rudy Giuliani, que vem tendo papel de liderança na divulgação pública de falsas alegações de fraude eleitoral, e com o aliado congressista, o republiano Jim Jordan (R-Ohio.)

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9:02 - Ele liga para o vice-presidente Mike Pence, a quem Trump vinha pressionando pública e privadamente para descartar os votos eleitorais dos estados em seu papel de presidir o Congresso naquele dia. A certa altura, Pence considerou fazê-lo, de acordo com o livro “Perfil”, de Bob Woodward, do The Washington Post, e Robert Costa, da CBS, mas ele anuncia mais tarde, naquela manhã, que não anulará nenhum voto eleitoral estadual.

Aproximadamente 11:00 - Trump se reúne no Salão Oval com seus familiares e principais assessores. Por volta das 11h20, ele fala com Pence ao telefone. Um assessor que presenciou essa ligação disse ao comitê que Trump pressionou Pence novamente para não confirmar os resultados e descreveu o comportamento de Trump como “frustrado”. Ivanka Trump, uma conselheira da Casa Branca, disse ao comitê que ouviu seu pai adotar um “tom diferente” do que ele já teve com Pence. E outro assessor disse ao comitê que Trump chegou a “xingar” Pence.

Em seguida, Trump dirige-se para o comício “Stop the Steal” (tradução: “pare o roubo”), organizado por seus aliados e que ocorria do lado de fora da Casa Branca. Dois membros do Congresso e vários aliados de Trump já tinham discursado quando Trump chegou.

Pouco depois disso, o histórico de chamadas oficiais da Casa Branca não possui mais registros.

Trump conversa com o comício “Stop the Steal”

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Que papel o evento e o discurso de Trump desempenharam na contribuição para a violência naquele dia?

Antes dele subir no palco: Trump estava em uma barraca antes do discurso quando foi informado de que seus apoiadores em Washington estavam fortemente armados. O comitê do Congresso disse que os apoiadores compareceram ao comício “Stop the Steal” no parque National Mall armados com spray de pimenta, facas, soco inglês, armas de choque, coletes à prova de balas, máscaras de gás, cassetetes e armas contundentes – e Trump foi informado que muitas dessas pessoas não podiam passar pela segurança. Hutchinson testemunhou que Trump estava bravo porque o Serviço Secreto não estava deixando esses apoiadores armados entrarem no comício, o que Trump negou. “Eu estava próxima de uma conversa em que ouvi o presidente dizer algo como: ‘Sabe, não me importo que eles tenham armas. Eles não estão aqui para me machucar’ “, disse ela.

Um pouco antes do meio-dia: Trump sobe ao palco e faz um discurso de uma hora para uma multidão de milhares. Ele não diz explicitamente a seus apoiadores para entrar no Capitólio, mas diz a eles para “descer ao Capitólio”, diz que irá com eles e deixa claro que acha que a contagem de votos eleitorais do Congresso deve ser interrompida.

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No fim do discurso, ele diz aos seus apoiadores: Eu disse que algo estava errado aqui, algo está muito errado, não podia ter acontecido, e nós vamos lutar. Nós vamos lutar até o inferno e se você não lutar até o inferno você não vai mais ter um país”.

Manifestantes do lado de fora do Capitólio dos EUA em Washington, em 6 de janeiro de 2021 Foto: Jose Luis Magana/AP

Agressores começam a invadir o Capitólio

13:00 - Enquanto isso, o Congresso começa a votar para confirmar os resultados, votando para aprovar as contagens eleitorais, um estado de cada vez. Um número suficiente de republicanos se opõem aos resultados do Arizona para fazer as câmaras se separarem e debaterem a objeção. Mas eles não vão muito longe. Centenas de apoiadores do Trump se aglomeraram do lado de fora. O documentarista Nick Quested, que se juntou aos Proud Boys (organização política neofascista de extrema-direita) naquele dia, testemunhou que alguns Proud Boys começaram a andar por lá antes mesmo do discurso de Trump começar.

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Ao mesmo tempo, as pessoas quebram as barricadas que a polícia montou ao redor do Capitólio e começam a bater nas janelas e portas, gritando “Deixe-nos entrar! Deixe-nos entrar!”

Cerca das 13:10 - O discurso de Trump acabou e outras centenas de pessoas começaram a marchar em direção ao Capitólio.

Trump havia dito que queria se juntar à caminhada. O Serviço Secreto tenta abrir uma rota, mas o chefe da segurança do presidente considera muito arriscado. Trump retorna ao seu carro fortemente blindado e tenta arrancar o volante do chefe do Serviço Secreto para ir ao Capitólio. De acordo com Hutchinson, retransmitindo o que ela ouviu da equipe de segurança do presidente: “O presidente disse algo no sentido de ‘eu sou a p**ra do presidente. Leve-me até o Capitólio agora’, ao que [Robert Engel, chefe do Serviço Secreto] respondeu: ‘Senhor, temos que voltar para a Ala Oeste.’ O presidente estendeu a mão para a frente do veículo para agarrar o volante. Engel agarrou seu braço e disse: ‘Senhor, você precisa tirar a mão do volante. Vamos voltar para a Ala Oeste. Não vamos ao Capitólio.” Trump então usou sua mão livre para se lançar em direção a Bobby Engel.” Trump negou que isso tenha acontecido.

Após Trump retornar à Casa Branca: O registro oficial de ligações da Casa Branca e sua agenda diária não informam o que Trump fez, nem para quem ele ligou ou com quem conversou nas horas seguintes, enquanto os ataques aconteciam.

Os registros de chamadas de Trump têm uma pausa

Como Trump respondeu à violência e pressão de seus aliados para cancelar o ataque?

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Das 14h às 19h: Os protestantes invadiram as câmaras do Congresso e os principais escritórios. Eles sobrecarregam os policiais do Capitólio, quebrando janelas para arrombar. Pence e senadores são levados embora. Parlamentares da Câmara, aterrorizados, colocam máscaras de gás e se agacham na câmara enquanto ouvem tiros e manifestantes próximos.

Os registros oficiais da Casa Branca não dão nenhuma indicação do que o presidente estava fazendo no momento, mas com base em entrevistas do comitê com seus assessores, parece que ele estava assistindo na TV em sua sala de jantar privada do lado de fora do Salão Oval. A ex-secretária de imprensa da Casa Branca, Stephanie Grisham, disse que Trump estava “alegre” ao ver o ataque se desenrolar, e o comitê diz que ele até aplaudiu os gritos de “Enforquem Mike Pence”. “Talvez nossos apoiadores tenham a ideia certa”, comentou Trump a seus assessores, de acordo com a republicana Liz Cheney (R-Wyo.), vice-presidente do comitê de 6 de janeiro.

Uma forca foi colocada do lado de fora do Capitólio enquanto apoiadores de Trump gritavam "Enforquem Mike Pence" Foto: Ricky Carioti/The Washington Post

Às 14:24, Trump twittou que “Mike Pence não teve coragem de fazer o que deveria ter sido feito para proteger nosso país e nossa Constituição…”, enquanto os ataques aconteciam e Pence e seus familiares ainda corriam perigo.

Durante esse período, Trump também publica alguns tweets dizendo aos manifestantes para serem pacíficos, mas ele não diz para saírem, embora mais de 20 republicanos estivessem implorando a ele e a Meadows que fizessem exatamente isso. Pelo menos um aliado de Trump, o ex-governador de Nova Jersey Chris Christie, disse que tentou falar com Trump durante o ataque, mas não conseguiu.

Mesmo que os registros de chamadas não mostrem, sabemos por reportagens que Trump falou ao telefone com, pelo menos, dois legisladores republicanos em algum momento durante o ataque. Enquanto os manifestantes estavam invadindo o slão do Senado, Trump ligou, por engano, para o senador Mike Lee (R-Utah), esperando falar com o senador Tommy Tuberville (R-Ala.). Lee entregou o telefone, e Tuberville e o presidente conversaram por alguns minutos antes que a polícia retirasse os senadores. A ligação foi curta. “Não muito bem, senhor presidente”, respondeu Tuberville, quando Trump perguntou como estava indo. “Na verdade, eles estão prestes a nos retirar.”

“Sei que temos problemas”, respondeu Trump, segundo reportagem do Post.

O líder da minoria na Câmara, Kevin McCarthy (R-Calif.), disse que foi um dos primeiros a falar com Trump durante o ataque e, pelo que sabemos, a ligação foi tensa. “Chame-os!” McCarthy gritou com Trump.

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“Bem, Kevin, acho que essas pessoas estão mais chateadas com a eleição do que você”, disse Trump, de acordo com outro membro do Congresso, que disse que McCarthy contou sobre a ligação para ela.

De acordo com a investigação do comitê, várias vezes Ivanka Trump entrou na sala de jantar onde seu pai assistia à televisão para conversar com ele e convencê-lo a denunciar a violência. Hutchinson testemunhou que, a certa altura, o advogado da Casa Branca Pat Cipollone agarrou Meadows e foi até a sala de jantar para tentar convencer Trump a cancelar os ataques.

O depoimento da ex-assessora Cassidy Hutchinson foi um dos mais reveladores sobre o quanto Trump estava ciente dos riscos daquele 6 de janeiro de 2021 Foto: Jacquelyn Martin/AP

Trump publica um vídeo dizendo para os manifestantes voltarem para suas casas

O que motivou Trump a, finalmente, dizer aos manifestantes para irem à casa?

16:17 - Trump divulga um vídeo de 60 segundos, gravado no Roseiral da Casa Branca dizendo aos manifestantes para irem à casa. São necessárias 3 tentativas para gravar e a linguagem é de apoio aos invasores. “Vá para casa, nós te amamos. Você é muito especial”, ele diz. Em seguida, volta direto para o Salão Oval.

Hutchinson disse que Trump foi encorajado a fazer o vídeo por seus principais assessores, que alertaram que ele poderia estar em risco de impeachment por seu gabinete sob a 25ª Emenda: “Se não fizermos isso, já há conversas sobre invocar a 25ª Emenda. Você precisa disso como proteção”, disse ela, descrevendo as conversas que os assessores tiveram com Trump na época.

O vice-presidente Mike Pence e a presidente da Câmara Nancy Pelosi presidem uma sessão conjunta do Congresso convocada para certificar os votos do Colégio Eleitoral no início de 6 de janeiro de 2021, horas depois de uma multidão de apoiadores do então presidente Donald Trump atacar o Capitólio Foto: Erin Schaff/The New York Times

A Guarda Nacional é enviada ao Capitólio

Por volta das 18h - A Guarda Nacional finalmente chega ao Capitólio. Trump envia o que será seu último tweet do dia – e um de seus últimos antes do Twitter bani-lo. O que ele diz irrita os legisladores republicanos, que ainda não estão seguros. “Estas são as coisas e eventos que acontecem quando uma vitória eleitoral esmagadora sagrada é tão sem cerimônia e cruelmente arrancada de grandes patriotas que foram mal e injustamente tratados por tanto tempo. Vá para casa com amor e em paz. Lembrem-se deste dia para sempre!”

18:27 - Trump sai do Salão Oval e vai para sua residência, de acordo com os registros diários da Casa Branca. Por volta das 7, os registros de chamadas recomeçam e mostram que ele começa a ligar para assessores e seus advogados.

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Congresso se reúne para confirmar vitória de Biden

20:06 - O Capitólio está sob controle e o Congresso se reúne para continuar certificando os votos eleitorais dos estados. Em meio a vidros estilhaçados, parlamentares fazem discursos emocionantes sobre a violência, e alguns republicanos que disseram que apoiariam levantar objeções aos resultados das eleições anunciam que mudaram de ideia. ”Não conte comigo”, diz a senadora Lindsey O. Graham (R-S.C.). “Já basta.” Facebook e Twitter começam a bloquear Trump de suas contas.

Um número suficiente de aliados de Trump, incluindo a maioria dos republicanos da Câmara, se opõe à certificação dos resultados da Pensilvânia para atrasar o processo.

Os registros de chamadas de Trump retornam

Tarde da noite: Enquanto isso, Trump trabalha nos telefones, de acordo com o histórico de ligações da Casa Branca. Ele está ligando para assessores de campanha, advogados como Giuliani, que o ajudaram a levar ao tribunal alegações condenadas de fraude eleitoral, seu secretário de imprensa, Bannon e até o apresentador da Fox News, Sean Hannity.

Sua última ligação gravada, às 23h23, é também uma das mais longas da noite – para o responsável pela equipe da Casa Branca, John McEntee. Não sabemos sobre o que eles conversaram, mas sabemos que assessores da Casa Branca, três secretários do Gabinete e altos funcionários da segurança nacional anunciaram ou estavam prestes a anunciar sua renúncia.

3:24 - Pence confirma a vitória de Biden.

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