Onde Elon Musk ‘meteu o bedelho’? Bilionário apoia partidos e interesses da extrema direita no mundo

Magnata avança com campanha de influência política dentro e fora dos Estados Unidos

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Foto do author Jéssica Petrovna

O homem mais rico do mundo está em campanha aberta para fortalecer a extrema direita no mundo. Ao mesmo tempo em que aumentava sua influência sobre o governo de Donald Trump, nos Estados Unidos, Elon Musk usava a sua rede social, o X, para declarar apoio a radicais e comprar suas brigas numa lista crescente de países, que inclui o Brasil.

“Elon Musk é um perpetrador da influência da direita nos Estados Unidos e no mundo atualmente. Faz parte de uma rede mais ampla, que tem atuado para minar democracias e levar extremistas ao poder”, afirma Jonathan Katz, diretor do Projeto Anticorrupção, Democracia e Segurança e editor do Democracy Playbook do Brookings Institution, think tank com sede em Washington.

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Após impulsionar o retorno de Trump com cheques milionários para a campanha, Musk agora conta com o poder dentro do governo americano, somado ao dinheiro — uma fortuna de US$ 370 bilhões — e ao controle sobre o antigo Twitter. A plataforma é uma das mais populares do mundo, com cerca de 600 milhões de usuários, além de ser a preferida dos políticos para anúncios oficiais.

“Agora, quando ele fala, muitas pessoas acreditam que fala em nome de Trump. E, claro, o papel dos Estados Unidos em nível global dá uma vantagem que ele não tinha antes de Trump vencer a eleição”, observa Katz, destacando que, foi a partir dessa relação com o republicano que Musk conseguiu unir o seu poder econômico e tecnológico ao poder político.

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Mesmo que Elon Musk deixe oficialmente o governo americano nas próximas semanas, como noticiado pela imprensa americana, tudo indica que ele manterá o acesso a Donald Trump.

“Claro, sua influência seria maior se continuasse no governo, no entanto, mesmo que ele saia, eu não acredito que ele vá interromper suas conexões com o nível mais alto do governo americano, que é o presidente americano”, observa o escritor e consultor político Arben Qirezi, Ph.D. em Ciência Política pela Universidade Nacional da Irlanda e mestre em Relações Internacionais pelo Instituto Universitário Ortega y Gasset.

O analista atribui a suposta intenção de deixar o governo aos custos para os negócios, em especial a Tesla, que tem sido alvo de protestos e vandalismo, com ataques a concessionárias e carros incendiados. As vendas e as ações da empresa estão em queda enquanto Elon Musk avança com sua ofensiva caótica nos Estados Unidos e se posiciona como porta-voz da extrema direita internacional.

Recentemente, milhares de pessoas foram às ruas em todos os Estados americanos para protestar contra os cortes de gastos e as demissões em de funcionários públicos promovidos pela dupla Musk-Trump.

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Manifestante exibe cartaz de Elon Musk fazendo saudação associada ao nazismo em protesto contra Donald Trump e seu conselheiro Musk.  Foto: Roberto Schmidt/AFP

A rede americana NBC News mapeou 18 países onde Elon Musk expressou apoio a nacionalistas e radicais de direita. Mas a atuação política do magnata não para por aí. É possível citar outros casos em que ele tem se alinhado às posições de Donald Trump ou comprado brigas com governos e instituições que tentam regular as redes sociais.

No Brasil, desafiou uma decisão do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes envolvendo o X e, posteriormente, sugeriu sanções contra o magistrado. Já na Austrália, reclamou de “censura” quando os tribunais ordenaram que as rede sociais ocultassem vídeos de um ataque a faca em Sydney. E chamou o governo de “fascista” pela lei que busca combater a desinformação online.

“É muito sintomático como Musk usa as redes sociais para permitir que o extremismo de direita ou a desinformação se espalhem — e isso influencia o sentimento público. No caso da alegação de fraude eleitoral de Bolsonaro, isso alimenta a chama. O público fica preso nesse ciclo, nessa repetição constante de conspirações, de mensagens sobre fraude e acaba pensando que essa é a única verdade”, observa Katz. “O X para Musk não é necessariamente uma forma de fazer dinheiro, é propaganda”.

Quem influencia quem?

Há casos em que Elon Musk papagueia Donald Trump. Assim como o chefe, ele se referiu ao ex-primeiro-ministro Justin Trudeau como “governador” em alusão às ameaças de transformar o Canadá no 51º Estado americano. “Garota, você não é mais governador do Canadá então não importa o que diz”, respondeu na publicação em que Trudeau dizia não haver a mínima chance de o seu país se tornar parte dos Estados Unidos.

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Da mesma forma, Elon Musk ecoou os interesses de Donald Trump ao dizer para os seus mais de 218 milhões de seguidores no X que a Groenlândia seria bem-vinda como parte dos Estados Unidos. O republicano tem insistido em adquirir a ilha da Dinamarca, contra a vontade dos seus habitantes. E não descarta usar a força militar para assumir o controle sobre o território considerado estratégico pela localização e pelos recursos minerais.

Mas às vezes é difícil estabelecer, de fato, quem influencia quem. No dia em que Marine Le Pen se tornou inelegível, condenada por usar recursos da União Europeia para pagar dirigentes do partido, Elon Musk saiu em defesa da líder da extrema direita francesa. Depois, seria a vez de Donald Trump.

“Quando a esquerda radical não consegue vencer por meio do voto democrático, ela abusa do sistema legal para prender seus oponentes. Essa é sua cartilha padrão em todo o mundo”, escreveu ao compartilhar uma publicação de Mike Benz, uma espécie de porta-voz das críticas dos conservadores à suposta censura online. O post comparava casos como o de Marine Le Pen, Jair Bolsonaro e Donald Trump, alegando que os processos contra líderes populares seriam um “punhal no coração da credibilidade da democracia”.

No fim daquela mesma semana, Donald Trump reforçou o coro em apoio à líder da extrema direita francesa. “A Caça às Bruxas contra Marine Le Pen é mais um exemplo de esquerdistas europeus usando lawfare para silenciar a liberdade de expressão e censurar o oponente político”, escreveu. “É o mesmo ‘manual’ que foi usado contra mim”, concluiu o republicano, que costuma atribuir os seus problemas com a Justiça à suposta perseguição política.

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Há casos em que o próprio Donald Trump parece seguir os interesses de seu funcionário, como aconteceu no bloqueio de assistência para África do Sul, o país de origem de Elon Musk.

A ordem do presidente citava o que considera ser uma “discriminação racial injusta” contra a população branca — o que o governo sul-africano nega. “A África do Sul está confiscando terras e tratando certas classes de pessoas MUITO MAL”, acusou o republicano.

A controvérsia gira em torno da lei que autoriza o Estado sul-africano a confiscar terras, em algumas circunstâncias sem compensação, para enfrentar a disparidade racial no país, herança do apartheid. Os brancos correspondem a apenas 7% da população, mas ainda controlam a maior parte das riquezas e das terras.

O presidente Cyril Ramaphosa se defendeu dizendo que “a África do Sul, assim como os Estados Unidos da América e outros países, sempre teve leis de desapropriação que equilibram a necessidade de uso público da terra e a proteção dos direitos dos proprietários”. E chamou o governo Donald Trump ao diálogo.

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O bilionário sul-africano retrucou quase de imediato. “Por que vocês têm leis de propriedade abertamente racistas?”, questionou em sua conta no X.

Elon Musk em discurso em Wisconsin. Bilionário busca ampliar sua influência política dentro e fora dos EUA.  Foto: Jeffrey Phelps/Associated Press

“Uma das primeiras medidas do governo Trump, de forma inesperada, foi suspender a assistência para África do Sul. E fez isso porque Musk tem uma briga com o governo África do Sul sobre as políticas para os sul-africanos brancos”, afirma Jonathan Katz, do Brookings Institution.

“Eventualmente, talvez possamos ver os Estados Unidos atuando de forma ameaçadora com outros países em nome de Musk ou dos seus interesses. E isso se torna muito perigoso no sentido do interesse nacional americano”, alerta Katz.

Porta-voz da extrema direita

No caso da Europa, Elon Musk foi além do confronto iniciado por Donald Trump ao declarar apoio à Alternativa para Alemanha, partido da extrema direita, ou pressionar o rei Charles III, do Reino Unido, a dissolver o Parlamento e convocar novas eleições.

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O caso alemão mostra que, apesar do seu poder político e econômico, a influência do bilionário tem suas limitações. Embora a AfD tenha se tornado o segundo maior partido do Bundestag, com 20% dos votos, o resultado terminou sendo um pouco abaixo do esperado.

“Por um lado, ele tem esse incrível poder, mas a sua influência talvez seja menos significativa quando vai para o voto. Na Alemanha, apesar do forte apoio à AfD e dos esforços nas redes sociais, não parece que Musk impulsionou a AfD além do que já pontuava nas pesquisas antes de ele se tornar mais ativo na campanha”, destaca Katz.

Conforme observou o comentarista de política internacional Filipe Figueiredo em coluna no Estadão, o apoio de Elon Musk — que fez uma saudação associada ao Nazismo na posse de Trump — saiu pela culatra. Na tentativa de impulsionar a AfD, ele acabou contribuindo para a campanha de mobilização contra a extrema direita que resultou no maior comparecimento às urnas desde a reunificação da Alemanha.

No Reino Unido, alvo frequente do bilionário, o efeito Elon Musk pode ser ainda pior para o Reform UK. O partido anti-imigração começou o ano animado, com a esperança de receber 100 milhões de libras do magnata. Mas agora está rachado e a doação parece cada vez mais improvável.

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As coisas começaram a desandar com as desavenças entre e Nigel Farage, o líder do Reform UK, e Elon Musk sobre a prisão do extremista de direita Tommy Robinson, que cumpre pena de 18 meses de prisão por desacato à Justiça. Musk pressionou para que ele fosse solto e se irritou porque Farage não endossou o apelo.

“Minha opinião continua sendo que Tommy Robinson não é a pessoa certa para o Reform e eu nunca abro mão dos meus princípios”, disse Farage sobre o extremista de direita que admitiu em tribunal ter violado uma liminar da Justiça após perder um caso por difamação contra um refugiado siírio.

O bilionário então sugeriu que o criador do partido fosse descartado. “O Reform UK precisa de um novo líder. Farege não tem o que é preciso”, escreveu no X, insinuando que esse novo líder poderia ser o deputado Rupert Lowe.

A declaração é apontada como gatilho para a disputa fraticida que levou à suspensão de Lowe do partido. A crise ameaça ofuscar o avanço do Reform UK, que chegou a aparecer na frente dos Trabalhistas e dos Conservadores em pesquisas para a próxima eleição.

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Já na Itália, Elon Musk saiu em defesa de Giorgia Meloni quando os tribunais bloquearam seu planos de deter imigrantes na Albânia. “Esses juízes têm que ir embora”, disse menos de 24 horas após ser nomeado pelo presidente Donald Trump para o Departamento de Eficiência Governamental.

De novo, ele saiu em defesa de Giorgia Meloni quando a primeira-ministra italiana pressionou por uma reforma que prevê a separação das carreiras do Judiciário. A proposta é apontada pelos críticos como um risco à autonomia e independência dos magistrados. Mas não para Elon Musk. “Bravo”, escreveu no X em resposta a uma publicação sobre o projeto.

“Elon Musk, além de ser um grande apoiador da ideologia Make America Great Again de Donald Trump, ele tem a ambição de se tornar, se não um líder, um porta-voz da extrema direita no mundo”, conclui Arben Qirezi.