Orbán usa guerra e direitos LGBT em sua disputa eleitoral mais difícil

Húngaros vão às urnas neste domingo, 3, para votar em eleições parlamentares e participar de referendo sobre diversidade sexual

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Por Thaís Ferraz
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5 min de leitura

O premiê húngaro, Viktor Orbán, enfrenta neste domingo, 3, as eleições mais difíceis desde quando assumiu o poder pela segunda vez, em 2010. Em disputa contra uma coalizão heterogênea que une os seis maiores partidos de oposição do país, Orbán usa a guerra na Ucrânia e um referendo sobre direitos LGBT para mobilizar sua base e conquistar o voto de uma Hungria bastante polarizada.

Nas últimas semanas, a guerra na Ucrânia deu o tom das campanhas do partido Fidesz, de Orbán, e das legendas que compõem a oposição. “Se queremos paz, devemos votar no Fidesz. Se queremos arriscar nossa paz, podemos votar na esquerda”, disse Orbán em um comício de campanha na quarta-feira, 30 . No dia anterior, o economista cristão e conservador Peter Marki-Zay, candidato da oposição ao cargo de premiê, também trouxe o assunto à tona acusando Orbán de ter criado um Estado de partido único “militantemente anti-Europa e pró-Putin”. “Pertencemos fortemente ao Ocidente, pertencemos à Otan e pertencemos à UE”, disse ele em um comício.

“A guerra derrubou as estratégias anteriores de campanha de ambos os lados”, explica Jennifer McCoy, professora de Ciência Política na Universidade do Estado da Georgia, nos Estados Unidos, e pesquisadora na Central European University, na Hungria. “Agora, a oposição tenta tornar a eleição uma escolha entre a Europa ou Putin, entre democracia e autoritarismo. Já o governo tenta transformar as eleições em uma escolha entre ficar em segurança, fora da guerra, ou ser arrastado para ela por uma oposição irresponsável”.

O premiê húngaro, Viktor Orbán, discursa em comício em Kecskemetar Foto: Benko Vivien Cher HANDOUT

Até o momento, Orbán tem assumido uma posição de relativa neutralidade em relação à guerra, embora o país seja um aliado de longa data da Rússia. A Hungria apoiou as sanções ocidentais contra Moscou, mas não enviou armas ou equipamento à Ucrânia. Ao mesmo tempo, a mídia húngara, controlada por aliados do Fidesz, partido de Orbán, continua veiculando mensagens pró-Kremlin e propaganda de guerra russa.

A oposição tem tentado usar a neutralidade de Orbán contra ele – acusando-o de ser um fantoche de Putin e dizendo que a falta de apoio à Ucrânia é imoral, explica McCoy. “Mas a mensagem de Orbán, de que ele manterá os húngaros seguros não tomando partido e não envolvendo a Hungria nos esforços de guerra – nem mesmo permitindo o transporte de armas da Otan pelo país para a Ucrânia – parece ressoar entre muitos húngaros que estão preocupados com sua própria segurança física e econômica”, diz.

As últimas pesquisas divulgadas indicam que a votação deve ser acirrada, mas dão dianteira a Orbán. Um levantamento do think tank IDEA Institute, publicado na quinta-feira e realizado entre 22 e 28 de março, indicou que o Fidesz deve levar 41% dos votos, contra 39% da oposição. Cerca de 6% dos eleitores ainda estão indecisos, de acordo com o levantamento.

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Referendo

A guerra substituiu outro tema polêmico que até então ocupava o centro das campanhas eleitorais: os direitos LGBT.

Em julho do ano passado, Orbán havia anunciado a realização de um referendo que mediria o apoio popular a uma lei anti-pedofilia modificada para incluir restrições à veiculação de conteúdo relacionado à diversidade sexual e limites ao ensino de educação sexual nas escolas.

A consulta tinha potencial político e foi anunciada em um momento estratégico para Orbán, à época fragilizado pela força da coalizão opositora e pelo escândalo de espionagem Pegasus. “Esta é definitivamente uma questão que pode mobilizar os eleitores do Fidesz, especialmente os mais velhos e menos instruídos, que só têm acesso à mídia controlada pelo governo”, explica Sonja Priebus, pesquisadora da Universidade Europeia Viadrina. “Esses eleitores são muito suscetíveis a mensagens fáceis que trazem a ideia de ameaça externa em sua base.”

Priebus lista outras situações semelhantes. Em 2016, por exemplo, Orbán propôs um referendo sobre imigração no auge da crise que atingiu a União Europeia. A consulta consistiu em uma única pergunta – “Você quer que a União Europeia seja capaz de determinar a transferência obrigatória de cidadãos não-húngaros para a Hungria, mesmo sem a aprovação da Assembleia Nacional? O “não” venceu com mais de 98% dos votos, mas a participação civil ficou abaixo do quórum necessário para que os resultados se tornassem juridicamente vinculativos.

A essa experiência, ela acrescenta outras, sempre relacionadas a inimigos externos – em 2018, pouco antes das últimas eleições gerais, o governo húngaro visava o filantropo George Soros, fundador da Universidade Central Europeia, então sediada em Budapeste. Em 2019, às vésperas das eleições para o Parlamento Europeu, a rede de contatos de Soros tornou-se um tema central no país. “O Fidesz sempre encontra uma ameaça que pode ser usada para campanha política”, explica Priebus.

O referendo também foi um recado à União Europeia, que havia iniciado, seis dias antes do anúncio, processos de infração contra a Hungria e a Polônia relacionados à igualdade e à proteção dos direitos fundamentais.

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“O referendo foi uma reação direta ao processo de infração, que Orbán considera um ataque à soberania nacional”, diz Lisa Anders, pesquisadora da Universidade de Leipzig. “No passado, vimos Orbán muitas vezes se referir à vontade do povo húngaro quando protestou contra Bruxelas”, explica. “O referendo agora será usado para legitimar a posição anti-UE do governo e continuar a se mobilizar contra as ideias liberais sobre os direitos das minorias em particular e a UE em geral.”

A relação entre a UE e a Hungria vem se deteriorando nos últimos anos. Desde 2010, contando o caso mais recente, a Comissão Europeia lançou oito processos por infração contra a Hungria. Entre os assuntos tratados estão a lei de mídia, a independência do judiciário e o papel das ONGs.

Futuro

Para o analista político e pesquisador do Center for European Policy Analysis (CEPA) András Tóth-Czifra, a estratégia da oposição de usar a neutralidade de Orbán contra ele pode não funcionar. “Em um primeiro momento, houve essa tentativa de ligação, de lembrar que até recentemente o governo estava em bons termos com Putin. A oposição chamou Orbán e Fidesz de aliados de Putin, tentou classificar membros do Fidesz, mas isso não funcionou muito”, afirma. “Depois de uma espécie de choque, Orbán conseguiu encontrar uma direção que manteve os eleitores do partido unidos.”

Para ele, a neutralidade húngara não está ameaçada apenas em caso de vitória da oposição. “Se a oposição vencer, provavelmente a Hungria tomará partido. Mas mesmo se Orbán continuar no cargo, haverá uma pressão significativa para que ele encerre essa neutralidade”, diz. “A Polônia, por exemplo, é a aliada mais próxima da Hungria na UE e é um país do qual Orbán depende muito, que deve pressioná-lo nesse sentido. Podemos esperar ao menos alguns ajustes.”

Tóth-Czifra acha difícil determinar se o posicionamento de Orbán pode comprometer seu relacionamento de longa data com o presidente russo, Vladimir Putin, e ter impactos a médio e longo prazo. “Hoje, não sabemos nem onde Putin estará em um ano ou dois. O único consenso que há, até agora, é de que a UE decidiu reduzir sua dependência do gás russo e alguns países estão tomando passos significativos em relação a isso, o que pode acontecer também com a Hungria.”

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