O Tratado Interamericano de Assistência Recíproca (TIAR), ao qual os países americanos poderão recorrer nesta quarta-feira para preparar um plano de defesa regional em razão dos ataques nos EUA, é um dos acordos mais controvertidos da história da integração pan-americana. Assinado em 1947 no Rio de Janeiro, o TIAR é o equivalente nas Américas ao Tratado do Atlântico Norte, assinado em Washington em 1949 e que deu origem à Otan. Apesar de alguns juristas considerarem o TIAR um acordo "mais perfeito" do que o da Otan, sua aplicação tem despertado controvérsias e muitos rancores. Ação coletiva O TIAR é um tratado eminentemente militar, concebido como um mecanismo de ação coletiva de autodefesa em caso de ruptura da paz, por ação interna ou externa, em um de seus países-membros. Assinado em pleno início da Guerra Fria, o inimigo comum teve nomes próprios, a União Soviética e o comunismo. O princípio mais relevante do TIAR refere-se a que um ato de agressão contra um Estado-membro será considerado um ato de agressão a todos os demais. Na medida do possível, os países esgotariam as gestões antes de utilizarem a força, mas o uso desta não está descartado. Guerra das Malvinas O país que mais recentemente invocou o TIAR foi a Argentina. E o fez em 1982, durante a Guerra das Malvinas, quando a Grã-Bretanha enviou uma frota ao Atlântico Sul para recuperar as ilhas, ocupadas pelas forças militares argentinas. Os países do TIAR não adotaram nenhuma ação conjunta, porque o governo americano do presidente Ronald Reagan se colocou então do lado dos britânicos. Para muitos, entre os quais o presidente do México, Vicente Fox, esse desvio histórico de Reagan foi o tiro de misericórdia no TIAR - que os próprios EUA haviam invocado para realizar ações armadas no continente. ?Passado obscuro? Fox disse que o TIAR é um remanescente diplomático de um obscuro passado. O presidente do Brasil, Fernando Henrique Cardoso, está tentando dizer o contrário e dar uma sobrevida ao pacto, também conhecido como Tratado do Rio. A reunião da OEA na quarta-feira será realizada no âmbito do Conselho Permanente, formado pelos embaixadores. O representante de Washington, Roger Noriega, apresentará um informe que servirá de base para a votação. Posição continental Uma votação a favor da invocação do TIAR ativará o Órgão de Consulta do tratado, formado pelos chanceleres. Se estes se reunirem, assumirão uma posição continental diante dos ataques terroristas em Nova York e Washington e dos planos de contra-ataque do presidente George W. Bush. O anúncio antecipado do chanceler brasileiro Celso Lafer de que descarta a mobilização de tropas atualiza um dos mais poderosos argumentos do debate histórico sobre o TIAR: "Os países-membros devem optar pela segurança coletiva, pela defesa coletiva ou pela solidariedade coletiva?" As diferenças Uma defesa coletiva não pode estar desligada do aparato militar. A segurança coletiva, por sua vez, é considerada a reunião de forças para vigiar a paz e a segurança, principalmente em um Estado-membro e não em todo o continente. E a solidariedade coletiva é pouco mais do que uma demonstração de preocupação. Na história do TIAR, sempre que se falou de defesa coletiva foram os EUA que tiveram o comando militar da operação. Invasões Durante a vigência do TIAR, mesmo quando não sob seu amparo, ocorreram invasões armadas da Guatemala, em 1954, para derrubar o governo de Jacobo Árbenz; de Cuba, em 1961, no episódio conhecido como a invasão da Baía dos Porcos; da República Dominicana, em 1965, para participar de uma disputa política interna; do Panamá, em 1989, para deter o homem forte do país, Manuel Noriega; e do Haiti, em 1994, contra um governo militar golpista. O TIAR também foi invocado no contexto da OEA para ações de manutenção da paz em vários conflitos bilaterais: em 1948 e 1955, entre Costa Rica e Nicarágua; em 1957, entre Honduras e Nicarágua; em 1960, entre Venezuela e República Dominicana; em 1963, entre Haiti e República Dominicana; em 1964, entre Cuba e Venezuela, e em 1969, entre Honduras e El Salvador. Nem todos os países-membros da OEA são membros do TIAR. Ao ser assinado o acordo em 1947, só 21 países o fizeram: 10 da América do Sul, 6 da América Central e 3 do Caribe: Cuba, República Dominicana e Haiti. Logo, o Canadá e as Guianas se juntaram ao tratado. Paradoxalmente, o TIAR foi decisivo para a expulsão de Cuba da OEA em 1961.