A imagem de um jovem manifestante passando o dedo indicador pelo pescoço, em um gesto violento que simboliza a morte, foi repetido à exaustão nesta quarta-feira nos telejornais bolivianos. A cena se passou na Plaza Murillo, centro do poder da Bolívia, sede do Congresso e do governo, que foi tomada por partidários do presidente Evo Morales em mais um sinal de recrudescimento da situação política no país vizinho. O jovem protestava contra uma greve de fome deflagrada esta semana por parlamentares da oposição e quatro prefeitos (o equivalente ao governador no Brasil) dos departamentos (Estados) do Oriente do país, a chamada "media luna". A greve tem como justificativa oficial a luta pela utilização da regra de maioria de dois terços nas votações da Assembléia Constituinte em curso no país, revogada pelos partidários de Evo, que querem que a Carta Magna seja aprovada por maioria simples. Mas o governo encara o protesto como uma estratégia para inviabilizar as mudanças propostas pelo presidente. Na noite de terça-feira, os grevistas foram expulsos da basílica de São Francisco pelos simpatizantes do governo. Em entrevista nesta quarta-feira, alguns deles reclamaram da violência da ação dos manifestantes, que estariam carregando dinamites para intimidá-los. Os líderes da oposição se apressaram em culpar a ministra Alícia Muñoz, por ter retirado a polícia do local e colocado em risco suas vidas. A situação levou a Igreja Católica a emitir um apelo pela razão e pelo "desarmamento moral" da população. O governo, porém, vem usando a sua agência oficial de informações para denegrir os oposicionistas, acusando-os de terem enriquecido às custas dos recursos naturais do povo boliviano, de serem donos de latifúndios e até de envolvimento com o narcotráfico. Para analistas, os ataques dos dois lados podem dificultar ainda mais a busca por um consenso. No fundo, ambos disputam o poder na Assembléia Constituinte. O partido oficial Movimento ao Socialismo (MAS) quer que as votações sigam o modelo de maioria simples, no qual 50% mais um voto decidem. Dessa forma, terá poder para aprovar as mudanças que desejam. A oposição quer que as decisões sejam tomadas por dois terços da Assembléia, forçando a situação a negociar. Guerra civil Nesta quarta, alguns dos grevistas, principalmente os prefeitos e representantes de comitês cívicos departamentais, voltaram para casa, mas com a promessa de que não vão retroceder. Nas ruas de Santa Cruz, a população não sabe de que lado ficar. Ainda que surjam ameaças de uma guerra civil, os moradores ouvidos pela reportagem da AE condenam a violência de ambos os lados. Base da oposição mais ferrenha a Morales, Santa Cruz é um dos departamentos mais ricos da Bolívia, sede das empresas de petróleo estrangeiras que operam no país e de grandes lavouras de soja e criações de gado. É líder na briga pela autonomia dos departamentos bolivianos, que pede maior poder de gestão para os prefeitos - o modelo político atual centraliza em La Paz o poder de legislar e de recolher impostos de todos os departamentos. Além de Santa Cruz, a "media luna" conta ainda com Tarija, onde estão as principias reservas de gás natural, Chuquisaca, Beni e Pando. No lado oposto, estão os departamentos andinos do Ocidente: La Paz, Oruro e Potosí.