Pentágono tenta afastar uma velha preocupação: a guerra nuclear; leia a análise

O alarme russo quanto às armas nucleares continua durante a crise na Ucrânia

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Por David Ignatius*
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THE WASHINGTON POST - Além da carnificina que a guerra da Ucrânia vem produzindo no campo de batalha, ela está forçando os planejadores militares a repensar os riscos de uma guerra nuclear. Para o Pentágono, isto significa urgência extra no desenvolvimento de uma nova geração de armas apocalípticas que possam manter a dissuasão.

O pedido de orçamento do Pentágono para o ano fiscal de 2023, concebido à sombra do confronto na Ucrânia, tem uma ênfase mais forte em armas estratégicas, entre elas um míssil balístico intercontinental de nova geração (ICBM, na sigla em inglês) conhecido como Sentinel, um novo bombardeiro B-21 tripulado e uma mistura exótica de drones e caças tripulados conhecidos como Domínio Aéreo da Próxima Geração, ou NGAD, na sigla em inglês.

O secretário da Força Aérea, Frank Kendall, discutiu o problema da dissuasão em uma entrevista comigo no final de março. A invasão russa da Ucrânia tinha apenas um mês, mas Kendall já observava o perigo da escalada: “Estamos lidando com um Estado que tem armas nucleares. Não podemos ignorar esse fato na hora de tomar decisões sobre como reagir”.

O alarme russo quanto às armas nucleares continuou durante a crise na Ucrânia. “O risco é sério, real. Não podemos subestimá-lo”, disse nesta semana o ministro das Relações Exteriores, Serguei Lavrov, sobre o perigo de um conflito nuclear. O presidente russo, Vladimir Putin, alertou na quarta-feira para uma retaliação “rápida feito relâmpago” contra quaisquer ameaças estratégicas à Rússia.

Militares ucranianos inspecionam local de ataque com míssil em frente a prédio residencial danificado, em meio à invasão da Rússia, em Dobropillia, na região de Donetsk, Ucrânia Foto: JORGE SILVA

“Não é do interesse de ninguém um conflito como o da Segunda Guerra Mundial, que poderia envolver armas nucleares”, enfatizou Kendall em nossa entrevista no mês passado. “É uma coisa bastante óbvia. Mas não significa que alguém não vá cometer um erro ao tomar uma ação agressiva, pensando que o outro lado não vai reagir, mas depois descobre que vai”. Isto, disse ele, “daria em uma situação muito difícil”.

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Kendall disse que há mais de uma década seu pensamento sobre dissuasão está focado na China, e não na Rússia. “O cenário com o qual eu estava realmente preocupado era aquele em que a China cometeria um ato de coerção ou agressão, e os Estados Unidos teriam duas opções: recuar ou perder. E nenhuma delas seria muito interessante”.

Em vez de recuar ou perder na Ucrânia, o governo Biden adotou uma terceira abordagem: trabalhar com aliados da Otan para fornecer armas a um exército ucraniano que se mostrou surpreendentemente hábil em enfrentar a Rússia na guerra convencional. As autoridades americanas parecem confiantes de que a Rússia não vai querer correr o risco de desafiar a Otan usando armas nucleares táticas, mas declarações russas recentes sublinharam a importância de uma firme dissuasão.

As novas armas na lista orçamentária do Pentágono não são tão chamativas quanto os tão propalados mísseis hipersônicos da Rússia, mas modernizarão o arsenal estratégico dos Estados Unidos depois daquilo que alguns afirmam terem sido anos de negligência. “Vamos investir no plano de recapitalização da tríade nuclear”, disse-me Kendall, referindo-se à combinação de ICBMs terrestres, bombardeiros e submarinos portadores de mísseis que são projetados para fornecer uma dissuasão capaz de sobreviver a um primeiro ataque.

A Força Aérea diz que planeja aumentar os gastos com o novo Sentinel em US$ 1,1 bilhão no ano fiscal de 2023, para um total de US$ 3,6 bilhões, com o objetivo de instalar mísseis operacionais até 2029. A Força Aérea descreve o Sentinel como um míssil “da próxima geração” que terá recursos de lançamento, comando e controle mais avançados do que o antigo sistema Minuteman III, construído na década de 1970.

A Força Aérea quer gastar cerca de US$ 5 bilhões no próximo ano fiscal no bombardeiro B-21, conhecido como Raider, de acordo com um artigo recente na Breaking Defense. Até o ano fiscal de 2027, os gastos totalizarão quase US$ 20 bilhões no bombardeiro, de acordo com a Air Force Magazine. O general Charles Q. Brown Jr., chefe do Estado-Maior da Força Aérea, descreve o B-21 como um bombardeiro que pode “atingir qualquer alvo, a qualquer hora, em qualquer lugar, mesmo no ambiente mais conflagrado”. Muitas informações sobre suas capacidades e sua data de entrega são confidenciais.

Kendall também está promovendo a iniciativa de misturar máquinas e pilotos humanos no programa Domínio Aéreo da Próxima Geração. Um avião pilotado por humano seria acompanhado por até cinco aeronaves de combate não tripuladas. A Força Aérea gastará quase US$ 1,7 bilhão neste programa inovador no ano fiscal de 2023, um aumento de US$ 133 milhões. Quando perguntei sobre simulações de combate aéreo que avaliam pilotos humanos contra robôs, Kendall observou que os sistemas autônomos um dia irão superar as capacidades humanas. “Não tenho dúvidas de que as máquinas serão melhores do que as pessoas”, disse-me Kendall. “Eles serão mais rápidos. Eles não vão se cansar. E vão forçar ainda mais os limites da aeronave”.

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Kendall, assim como todos os altos funcionários do Pentágono, insiste que os Estados Unidos não se envolverão em um confronto militar direto com a Rússia, a menos que a Otan seja atacada. Mas a guerra na Ucrânia intensificou o esforço de modernização estratégica já em andamento no Pentágono e, assim como nas profundezas da Guerra Fria, vem levando os planejadores militares a pensar mais no impensável. / TRADUÇÃO DE RENATO PRELORENTZOU

* É colunista de Relações Internacionais do jornal The Washington Post