Donald Trump foi eleito o 47.º presidente dos Estados Unidos prometendo acabar com a guerra entre Rússia e Ucrânia “em 24 horas” e pressionando por um cessar-fogo em Gaza antes mesmo de tomar posse. Mas ao que tudo indica, as tensões políticas globais não dão sinais de diminuir em seu segundo mandato: só mudam de lugar — e de tamanho.
Antes mesmo de jurar a Constituição, na segunda-feira, 20, o presidente americano deixou claro que tinha planos para a expansão territorial americana. Nem o Canadá, um forte aliado americano e com seus quase 10 milhões de quilômetros de extensão, saiu ileso da retórica expansionista do presidente.
Mas as ameaças mais inflamadas, inclusive com sugestão de uso de força militar, foram contra a Groenlândia, um território autônomo pertencente à Dinamarca, e ao Panamá, devido ao canal hidroviário do país.
Juntos, os dois territórios totalizam pouco mais de 2,2 milhões de quilômetros quadrados. Pequenos em extensão comparados a superpotências, ambos são estratégicos para os interesses americanos: a Groenlândia pelas suas riquezas minerais e posição no Ártico, e o Panamá pelo seu papel no comércio global.
Por trás dessas disputas, o que se destaca é o motivo comum: a competição econômica dos Estados Unidos de Trump com a China. Sob a política de ‘Americas First’, seu governo tentará assegurar que interesses estratégicos e econômicos americanos sejam preservados, mesmo que isso implique em confrontos com potências globais em territórios distantes.
Entra neste tabuleiro de interesses Taiwan. A ilha asiática não faz parte das ambições diretas de Trump. Na verdade, é alvo da China, o principal rival econômico dos Estados Unidos. Com a ascensão de Lai Ching-te à presidência de Taiwan e as crescentes ameaças de Pequim, a região deve ser um outro foco de instabilidade em 2025.
Groenlândia: da oferta à ameaça
Localizada entre o Atlântico Norte e o Oceano Ártico, a Groelândia está em uma posição estratégia, que tem atraído olhares da comunidade internacional. E o aquecimento global tem parte nisso: o derretimento das geleiras abriu novas rotas de navegação e revelou reservas de minerais críticos. De acordo com um artigo publicado pela revista The Economist em outubro, a ilha tem depósitos conhecidos de 43 de 50 minerais essenciais para a transição energética global.
Não à toa, o território virou alvo de disputa entre Estados Unidos, China e Rússia. A briga, na verdade, tem como plano de fundo uma disputa geopolítica ainda maior: a luta pelo controle estratégico do Ártico.
“A China tem mostrado interesse em desenvolver minerais críticos na Groenlândia para impulsionar seu poder econômico e militar,” explica Brandon Boylan, diretor de Estudos do Ártico e do Norte da Universidade do Alasca em Fairbanks. Em resposta a essa crescente influência chinesa, “os Estados Unidos têm trabalhado com a Groenlândia e a Dinamarca para conter a influência chinesa na região.”
Além de sua importância econômica, a Groenlândia tem uma função importante na segurança da Otan, especialmente no que se refere à lacuna Groenlândia-Islândia-Reino Unido (GIUK), uma rota estratégica de acesso ao Atlântico Norte. Soma-se a isso a Base Espacial Pituffik, uma peça fundamental na defesa antimísseis dos EUA no Ártico desde a 2ª Guerra.
Do lado contrário, há a cooperação militar entre China e Rússia. Há alguns anos, a Rússia tem investido significativamente na militarização e em atividades comerciais no Ártico.

Durante seu primeiro mandato, Trump quis comprar a Groenlândia, uma proposta que foi rapidamente rechaçada. Essa retórica voltou com força nas vésperas de seus segundo mandato, desta vez, sem oferta de compra, mas sim sob uma ameaça de uso militar — tudo isso, em um cenário geopolítico ainda mais tenso, com a invasão da Ucrânia pela Rússia e a subsequente adesão da Finlândia e Suécia à Otan, dois episódios que exacerbaram as tensões entre a Rússia e Ocidente, sobretudo no Ártico.
“A mudança de narrativa de Trump, de comprar a Groenlândia para afirmar controle sobre ela, reflete um padrão mais amplo de priorizar os interesses dos EUA sobre as normas internacionais,” escreveram os especialistas em Ártico Romain Chuffart e Rachael Lorna Johnstone em um artigo publicado este mês no The Arctic Institute.
Os especialistas, bem com Boylan, acreditam que as declarações de Trump não devam ultrapassar de uma retórica hiperbólica. Mas mesmo assim, os comentários inflamados elevam as preocupações sobre a estabilidade na região.
“Qualquer ameaça percebida a essa soberania poderia criar divisões dentro da Otan e fornecer a adversários como Rússia e China oportunidades de explorar a discórdia ocidental, inclusive por meio de campanhas de desinformação”, dizem os analistas do The Arctic Institute.
Além disso, qualquer uso de força por um membro da Otan contra outro viola o direito internacional.
Até agora, a Groenlândia não demonstrou interesse em se unir aos Estados Unidos. Mas as eleições parlamentares do território, previstas até abril de 2025, podem trazer a questão da independência para o centro do debate político, intensificando ainda mais o foco internacional sobre a Groenlândia.
“A Groenlândia está em processo de fortalecer sua economia para que possa diminuir sua dependência do subsídio dinamarquês e, finalmente, ser um estado independente. A Groenlândia não quer trocar uma forma de colonialismo por outra,” diz Boylan.
Soberania em jogo no Panamá
Um post na rede social Truth Social, feito por Trump, no dia 21 de dezembro, foi o pontapé para um clima de incertezas na América Central. Em sua rede social, Trump ameaçou retomar o controle sobre Canal do Panamá — que esteve em mãos americanas no século passado — e afirmou que as taxas cobradas no canal hidroviário eram “ridículas”.
Desde então, foram inúmeras as declarações do presidente eleito sobre a retomada do Canal, incluindo em sua posse. “A China está a operando o Canal do Panamá e nós não o entregamos à China”, insistiu o republicano em seu discurso na segunda-feira.
Com 80 quilômetros, o Canal do Panamá liga os oceanos Atlântico e Pacífico, conectando mais de 140 rotas de navegação e 1,7 mil portos no mundo todo. Isso permite o trânsito de quase 3% do comércio global.
A China de fato tem investido na região, dentro de seus esforços para ampliar sua presença e influência na América Latina. Em 2021, a chinesa Hutchison Ports PPC anunciou e que renovou seu contrato para continuar operando os dois portos no Canal por mais 25 anos até 2047. Outra empresa chinesa também construirá uma quarta ponte sobre o canal. Mas o exército chinês não atua no Canal, e não há sinais de que a China tenha vantagem sobre o pedágio local.
“O Panamá e o Canal desempenham um grande papel na imaginação pública dos EUA, e qualquer indicação de inclinação em direção à China enfrentará resistência de Washington,” disse Eric Farnsworth, vice-presidente do Council of The Americas.
O Canal foi construído pelo governo americano, mas um acordo feito em 1977 passou a administração para o governo panamenho, que obteve controle total da hidrovia em 1999. O canal é considerado um “utilitário global, vital para o comércio internacional”, descreve Farnsworth, beneficiando, em grande parte, os próprios Estados Unidos como seu maior usuário e logo depois a China.
Mas a menos que Trump de fato use a força militar — um risco que Farnsworth não acredita — é improvável que os EUA consigam recuperar a soberania sobre o canal, uma vez que o acordo feito na década de 70 não prevê nenhuma cláusula que permita tal retomada.
“Mas pode muito bem haver uma negociação que se desenvolva sobre as taxas de pedágio de embarque e o aumento de preços que a Autoridade do Canal do Panamá instituiu recentemente para gerenciar o rendimento durante um período de capacidade reduzida devido às condições climáticas”, avalia.
“Acho que o Panamá pode tomar medidas ativas para mostrar de forma transparente por que as taxas de pedágio são definidas como são, o que pode ser feito sobre isso e também para expor os líderes de opinião nos Estados Unidos, Brasil e outros lugares ao nível real e à realidade da presença chinesa no Panamá.”

Contudo, qualquer movimento que cause incerteza ou aumente os custos de operação do canal será prejudicial aos usuários, levando-os a buscar alternativas, como o novo porto de Chancay, no Peru. “Em tal cenário, a pressão dos EUA poderia, na verdade, acelerar o resultado que Washington está tentando evitar.”
Além do impacto no comércio, a ameaça de Trump sobre o Panamá pode colocar em risco outra promessa que o levou até a Casa Branca: o combate à imigração ilegal. O Panamá, até o momento, foi um dos países que se mostrou disposto a cooperar para resistir aos fluxos migratórios em direção aos Estados Unidos, e a retórica agressiva do republicano em relação ao país pode seria potencialmente contraproducente contra ambiciosa meta de deportar 11 milhões de imigrantes.
Nova tríade presidencial azeda o clima no Estreito de Taiwan
A pressão da China em uma disputa territorial com Taiwan não é novidade. Há sete décadas Pequim reivindica a ilha como parte de seu território, e Taipei, por sua vez, rejeita o controle chinês. Mas a escalada de ameaças militares durante o último ano no Mar do Sul da China e a nova tríade de presidências envolvidas na disputa em 2025 — Xi Jinping, Donald Trump e Lai Ching-te — indica que a região pode efervescer nos próximos meses.
Sob a liderança de Xi, a China tem intensificado sua retórica e ações contra qualquer sinal de independência taiwanesa. Os exercícios militares chineses, mais frequentes e abrangentes, têm amplificado a sensação de insegurança em Taipei.
“Taiwan cada vez mais se sente ameaçada em relação às ações de Pequim. Obviamente, o crescimento econômico chinês possibilitou o seu fortalecimento militar, e isso aumenta ainda mais essa percepção de ameaça”, diz o cientista político e professor de Relações Internacionais na ESPM, Alexandre Uehara.
A pressão aumentou, sobretudo, desde maio, quando Lai — que é publicamente contrário à unificação de Taiwan com a China — assumiu a presidência de Taiwan. A China realizou três grandes exercícios militares desde que o presidente ascendeu ao poder. Os últimos, ocorridos no início de dezembro, foram os maiores em anos, segundo autoridades taiwanesas.

Segundo Uehara, não parece ser do interesse econômico e militar, por parte da China, iniciar uma guerra contra Taiwan neste momento. Primeiramente, porque uma ação militar automaticamente despertaria a resposta dos EUA e do Japão que, juntos, poderiam estremecer as forças militares chinesas. Além disso, uma ação militar poderia desencadear sanções de outros países e prejudicar as relações comerciais da China, particularmente na indústria de chips, onde Taiwan é um fornecedor crucial.
“Não há interesse em causar algum dano a essa indústria, já que acabaria impactando diretamente também a indústria chinesa”, avalia.
Mas a chegada de Trump à Casa Branca adiciona uma camada de complexidade ao cenário. Apesar de seu antagonismo aberto contra as políticas comerciais da China e suas promessas diretas de contenção de Pequim, as declarações de Trump sobre seu interesse na Groenlândia e no Canal do Panamá enfraquecem a posição dos EUA em criticar uma eventual ação chinesa sobre Taiwan.
“Como que os Estados Unidos vão argumentar sobre uma ação da China contra Taiwan, se o próprio presidente americano fale em ocupar territórios que são independentes e reconhecidamente independentes por outros países?”, pontua o especialista.
Essa retórica complexa de Trump, ao lado das políticas de pressão de Xi Jinping e Lai, contribuem para um aumento das tensões a curto prazo. “As tensões, eu creio, devem aumentar, porque existe, neste momento, na minha avaliação, uma busca de marcar posições, tanto por Xi Jinping quanto pelo presidente Lai em Taiwan, como também pelo presidente Trump. E todas essas marcações e oposições muitas vezes são baseadas em falas que tendem a buscar dar demonstração de força.”
Além disso, Trump tem sinalizado seu desejo de que aliados dos EUA invistam mais em defesa e diminuam os custos para o bolso americano. Essa pressão para que Taiwan amplie seus investimentos em defesa, contudo, pode agravar a relação com a China.
Lai terá de equilibrar as demandas de segurança interna e as expectativas de seu principal aliado. “Se Taiwan investe na área militar, isso pode ser percebido como uma ameaça por Pequim, que é o paradoxo da segurança,” pondera Uehara.