Por dentro de um caótico voo de deportação dos EUA com destino ao Brasil

O primeiro voo do governo Trump deportando brasileiros envolveu decolagens abortadas, calor sufocante, saídas de emergência e deportados algemados

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Por Jack Nicas (The New York Times)
Atualização:

A temperatura estava subindo dentro do avião. Oitenta e oito deportados brasileiros, a maioria deles algemados e acorrentados, estavam ficando inquietos na sexta feira sob a vigilância de agentes de imigração dos EUA. Enfrentando repetidos problemas técnicos, o avião de passageiros estava preso na pista de decolagem de uma cidade escaldante na floresta amazônica.

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Então o ar condicionado quebrou — de novo.

Houve ordens para que os passageiros permanecessem sentados, empurrões, gritos, crianças chorando, passageiros desmaiando e agentes bloqueando saídas, de acordo com entrevistas com seis dos deportados a bordo do voo. Finalmente, os passageiros puxaram as alavancas de acesso das duas saídas de emergência, e homens acorrentados saíram para a asa do avião, gritando por socorro.

A Polícia Federal brasileira chegou rapidamente e, após um breve impasse, disse aos agentes do Serviço de Imigração e Alfândega dos EUA para liberar os deportados, embora eles ainda não tivessem chegado ao seu destino programado.

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Homem deportado dos EUA é recebido por parentes no Aeroporto Internacional de Confins. Foto: Douglas Magno/AFP

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva ordenou que uma aeronave da Força Aérea Brasileira buscasse os deportados e os levasse pelo resto do caminho. Os ministros de seu governo então criticaram publicamente o tratamento dado aos deportados pelo governo Trump como “inaceitável” e “degradante”.

Foi a essas reclamações a respeito do voo brasileiro que o presidente Gustavo Petro da Colômbia estava respondendo nas redes sociais quando anunciou, no domingo, que seu governo havia recusado dois voos de deportação vindos dos Estados Unidos. Isso desencadeou ameaças de tarifas entre os Estados Unidos e a Colômbia que acabaram com o recuo de Petro.

O enfrentamento diplomático envolvendo os voos de deportação para o Brasil e a Colômbia marcou um primeiro fim de semana turbulento para a política linha-dura do presidente Trump de deportar milhões de imigrantes sem documentos.

A reação de dois governos latino-americanos de esquerda revelou o descontentamento latente em toda a região a respeito da difamação do presidente Trump de seus imigrantes, descritos como criminosos de carreira ameaçando o tecido social dos Estados Unidos.

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Na segunda feira, Trump disse a respeito dos deportados que “são todos assassinos, traficantes, chefões do crime, da máfia, ou membros de gangues”. O chefe da autoridade de imigração da Colômbia disse que, na realidade, dos deportados que chegaram em dois voos para Bogotá na terça-feira, nenhum tinha antecedentes criminais.

Tanto o governo colombiano quanto o brasileiro publicaram online mensagens veladas destinadas a Trump, mostrando seus cidadãos voltando para casa e observando que eles merecem respeito. “Eles são livres e dignos, e estão em sua terra natal, onde são amados”, escreveu Petro na terça feira.

O Pew Research Center estimou que havia 11 milhões de imigrantes sem documentos nos Estados Unidos em 2022, incluindo 4 milhões de mexicanos, 2,1 milhões de centro-americanos, 230.000 brasileiros e 190.000 colombianos.

O Brasil condenou em 25 de janeiro o "desrespeito aos direitos fundamentais" de quase 80 imigrantes ilegais brasileiros deportados dos EUA que foram algemados durante a viagem. O avião pousou em Manaus devido a problemas técnicos. Foto: Douglas Magno/AFP

Petro inicialmente recusou os voos de deportação porque eles eram operados pelos militares dos EUA, uma mudança recente sob o governo Trump. Foi uma aeronave militar colombiana que levou os deportados colombianos para casa na terça feira. Ainda não se sabe se o México recebeu voos de deportação em aviões militares.

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Os brasileiros voaram em um voo fretado comercial. O governo brasileiro convocou o principal diplomata americano na segunda-feira para discutir as condições desse voo. O governo pediu repetidamente ao governo dos EUA que algemasse os deportados apenas se eles representassem uma ameaça, inclusive em uma ligação de 2022 entre o ministro das Relações Exteriores do Brasil e o então secretário de Estado Antony Blinken, de acordo com um resumo dos esforços brasileiros detalhados em um documento do governo de 2022.

Autoridades dos EUA ignoraram amplamente essas solicitações, de acordo com autoridades e acadêmicos brasileiros que acompanham questão. O governo dos EUA deportou cerca de 7.700 brasileiros em cerca de 95 voos desde 2020, de acordo com autoridades brasileiras. Em muitos desses voos, agentes do ICE acorrentaram deportados brasileiros nas mãos e nos pés, disseram autoridades.

No entanto, o voo de deportação de sexta feira para o Brasil — o primeiro do novo mandato de Trump — também foi o primeiro a atrair tal reação pública do governo brasileiro. A diferença na sexta feira, disseram autoridades e passageiros, foi a condição do avião e o tratamento rude dos deportados por parte dos agentes do ICE.

O ICE não respondeu a um pedido de comentário.

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Para muitos dos deportados brasileiros, a jornada começou semanas atrás, com longas viagens de ônibus pelos Estados Unidos — da Califórnia, Geórgia, Arizona e Texas — até um centro federal de imigração em Alexandria, Louisiana. Os homens passaram essas viagens algemados, às vezes durante dias.

Nas primeiras horas da manhã de sexta-feira, os agentes do ICE encheram o avião de passageiros com os deportados, colocando dezenas de homens algemados na parte traseira e mulheres e crianças, que não estavam algemadas, na frente, disseram os deportados.

O voo, operado pela GlobalX Air, uma companhia aérea charter, teve problemas desde o início. Os passageiros disseram que, na primeira tentativa, o avião teve dificuldade para decolar. Depois que um mecânico trabalhou em uma turbina, a decolagem ocorreu, mas os passageiros ficaram inquietos.

“Eles começaram a questionar: se algo acontecer, como vocês vão tirar as algemas de 80 pessoas?”, disse Luiz Campos, 35 anos, um dos deportados brasileiros, que estava no voo depois de passar seis semanas em centros de detenção do Texas. Ele se lembra das pessoas pedindo, “‘Por favor, tirem essas correntes’”. “Eles disseram: ‘Não. É o protocolo. É sempre assim.’”

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A tensão aumentou horas depois durante uma parada para reabastecimento no Panamá. Novamente o avião teve dificuldade para decolar e, desta vez, três passageiros descreveram ter visto fumaça saindo de um motor na asa. O incidente também fez com que o ar condicionado parasse de funcionar, eles disseram, e o avião rapidamente se tornou uma sauna no calor tropical.

Por fim, o ar condicionado foi restaurado e o avião decolou novamente. Horas depois, pousou em Manaus, a maior cidade da Amazônia brasileira. O voo estava programado para chegar a Belo Horizonte, Brasil, uma cidade 2.600 quilômetros ao sul. A Polícia Federal do Brasil disse que o avião pousou por causa de um problema técnico.

A GlobalX Air e a ICE não responderam aos pedidos de comentários.

Em Manaus, o avião teve dificuldade para decolar pela terceira vez, novamente com problemas aparentes no motor, disseram os passageiros. E então, novamente, o ar parou de fluir dentro da cabine.

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“O desespero começou a tomar conta. Para ser honesto, eu não achava que chegaria em casa vivo”, disse Luiz Antônio Rodrigues Santos, 21 anos, um dos deportados. Ele disse que sua asma começou a atacar e ele teve dificuldade para respirar. Então os agentes da ICE o levaram para a frente do avião e jogaram água em sua cabeça. “As crianças começaram a chorar, os pais gritavam, desesperados”, disse ele. “Foi quando decidimos fazer alguma coisa.”

Santos e outros deportados disseram que, na cabine abafada, os homens algemados começaram a abrir caminho pelos corredores, empurrando fisicamente os agentes da ICE que estavam no caminho. Agentes e passageiros gritavam e empurravam uns aos outros, e vários deportados disseram que foram atingidos. Então alguns passageiros abriram as saídas de emergência.

Em minutos, pelo menos sete homens algemados saíram para uma asa. “Chamem a polícia!”, gritou um deles, de acordo com um vídeo do momento.

Deportados logo após o desembarque em Minas Gerais. Foto: Douglas Magno/AFP

A Polícia Federal do Brasil finalmente entrou na cabine e ordenou que os agentes do ICE soltassem os brasileiros. Com pessoas no aeroporto observando e gravando vídeos, os deportados disseram que os agentes do ICE tentaram remover as algemas antes de deixá-los sair do avião.

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“Mas ninguém permitiu isso. Os próprios passageiros disseram: ‘Não, agora vocês não vão tirar as algemas’”, disse Campos. “Porque se eles removessem as algemas, acho que a história seria diferente.”

Os noticiários mostraram os homens algemados se arrastando pela pista. As autoridades brasileiras então removeram as correntes e os passageiros passaram a noite no aeroporto de Manaus. No sábado, um avião militar brasileiro os levou para Belo Horizonte.

Lá, eles foram recebidos pela ministra dos direitos humanos do Brasil, Macaé Evaristo. “Estou aqui a pedido do presidente Lula”, ela disse aos passageiros do avião, de acordo com um vídeo postado pelo governo brasileiro. “Nossa posição é que os países podem ter suas políticas de imigração, mas nunca podem violar os direitos de ninguém.”/TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL

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