Mais de 40 processos movidos nos últimos dias por procuradores-gerais estaduais, sindicatos e organizações sem fins lucrativos buscam erguer um baluarte nos tribunais federais contra a ofensiva de decretos executivos do presidente Donald Trump, que têm desestabilizado grande parte do governo federal e desafiado o sistema de freios e contrapesos da Constituição.
Diferentemente do início do primeiro mandato de Trump em 2017, pouca resistência significativa surgiu nas ruas, nos corredores do Congresso ou dentro de seu próprio Partido Republicano. Pelo menos por enquanto, dizem os advogados, o Judiciário pode ser a única barreira.
“Os tribunais realmente são a linha de frente”, disse Skye Perryman, diretora-executiva da Democracy Forward, organização que já moveu nove ações e obteve quatro ordens judiciais contra a administração Trump.

A resistência jurídica multifacetada já gerou resultados rápidos — embora possivelmente temporários. Decisões judiciais em nove casos federais vão, por um tempo, limitar as ações da administração em relação a diversas medidas, incluindo o fim da cidadania automática para bebês nascidos de imigrantes não documentados nos EUA; a transferência de detentas transgênero para prisões masculinas; a possível exposição das identidades de agentes do FBI que investigaram o ataque ao Capitólio em 6 de janeiro de 2021; a imposição de prazos apertados para servidores federais aceitarem “renúncia diferida”; e o congelamento de até US$ 3 trilhões em gastos domésticos.
A resposta do Judiciário às contestações legais continua ao longo do fim de semana. Na tarde de sexta-feira, o juiz Carl Nichols, indicado por Trump, afirmou que emitiria uma ordem temporária suspendendo a licença administrativa de 2.200 funcionários da Agência dos EUA para o Desenvolvimento Internacional (USAID) e a retirada iminente de quase todos os trabalhadores da agência no exterior.
Além disso, na noite de sexta-feira, o juiz John D. Bates, indicado por George W. Bush, rejeitou um pedido de uma coalizão sindical para uma ordem emergencial que impediria a equipe de Elon Musk de acessar dados do Departamento do Trabalho. Embora o caso ainda esteja em andamento, a decisão do juiz Bates representou a primeira vitória da nova administração Trump nos tribunais federais. Já na madrugada de sábado, o juiz Paul A. Engelmayer, indicado por Obama, restringiu o acesso da equipe de Musk aos sistemas de pagamento e dados do Departamento do Tesouro, afirmando que tal acesso poderia causar “dano irreparável”.
Os juízes não mediram palavras. Em Seattle, na semana passada, um juiz distrital emitiu uma segunda liminar nacional bloqueando a ordem de Trump para encerrar a cidadania por nascimento. “A Constituição não é algo com que o governo possa brincar para fazer política”, disse o juiz John C. Coughenour. Uma mudança desse tipo, acrescentou ele, só poderia ser feita por meio de uma emenda constitucional. “É assim que o Estado de Direito funciona.”
No entanto, enquanto o Poder Executivo tem a capacidade de agir de forma rápida e decisiva, o Judiciário é deliberadamente lento, e a oposição legal às primeiras ações de Trump pode ter dificuldades para acompanhar o ritmo de suas investidas disruptivas.
“Ontem à noite eu estava jantando com minha família com um fone no ouvido, participando de uma teleconferência e tentando ser pai ao mesmo tempo”, disse o procurador-geral da Califórnia, Rob Bonta, em entrevista na sexta-feira. “É um trabalho difícil, mas não estamos pedindo que ninguém sinta pena de nós. Foi para isso que nos candidatamos”.
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As primeiras três semanas do segundo mandato de Trump produziram dezenas de ordens executivas que alteraram drasticamente a política externa dos EUA, os gastos domésticos e questões sociais — muitas vezes em aberta violação das leis existentes. Sem apoio ou mesmo consulta ao Congresso, o presidente tem exercido seu poder unilateral para desmontar partes do governo, revogar regulamentos que regem o funcionalismo público, reverter mais de um século de precedentes sobre imigração, buscar possíveis retaliações contra seus inimigos políticos e eliminar avanços progressistas em diversidade, equidade e direitos das pessoas transgênero.
“Nenhum presidente deveria ser capaz de reescrever mais de 120 anos de interpretação constitucional com um simples decreto”, disse Dan Rayfield, procurador-geral do Oregon. “Isso é uma ameaça existencial”.
Alguns especialistas jurídicos veem a estratégia do governo como um esforço deliberado para desafiar os limites da legalidade e forçar os tribunais a tomar decisões que possam abrir precedentes favoráveis ao governo na Suprema Corte, de maioria conservadora.
“A administração parece querer desafios que consumam muitos recursos — dos oponentes, dos tribunais e da atenção pública — mesmo sabendo que suas ações não estão em conformidade com a legislação vigente”, disse Judith Resnik, professora da Faculdade de Direito de Yale.
Para apoiadores de Trump, seus decretos estão dentro dos poderes estabelecidos na Constituição. Segundo eles, é a resistência judicial que está extrapolando suas atribuições.
“O presidente Trump não está roubando poderes de outros ramos do governo”, disse Mike Davis, chefe do Article III Project, grupo conservador de advocacia jurídica. “Ele está exercendo seus poderes do Artigo II da Constituição. E os juízes que dizem o contrário? Estão errados. A Suprema Corte vai ficar do lado de Trump.”
Por mais estreita que tenha sido a margem do voto popular, autoridades da Casa Branca afirmam que a vitória de Trump em novembro representou um mandato para exercer poderes extraordinários.
“Cada ação tomada pelo governo Trump-Vance é totalmente legal e está em conformidade com a lei federal”, disse Harrison Fields, porta-voz da Casa Branca. “Qualquer contestação legal contra isso não passa de uma tentativa de minar a vontade do povo americano”.
Isso, de fato, deveria ser determinado pelos tribunais — se Trump acatar suas decisões. Na sexta-feira, procuradores gerais democratas retornaram ao tribunal para exigir que um juiz federal cumprisse sua ordem de restrição, que visava manter bilhões de dólares em fundos federais de subsídios em circulação. Eles afirmaram que a administração Trump não estava cumprido a ordem.
Os julgamentos finais não virão tão cedo. A liminar do juiz Coughenour que bloqueou a ordem executiva de Trump para acabar com a cidadania automática para crianças nascidas em solo dos EUA já foi apelada pelo Departamento de Justiça ao Tribunal de Apelações dos EUA para o Nono Circuito.
A ascensão de alguns casos pelos tribunais de primeira instância, para os tribunais de apelação e, em seguida, para a Suprema Corte pode levar meses. Essas longas batalhas serão tanto políticas quanto jurídicas, colocando um presidente que se vê como o líder quase invencível de um movimento populista contra procuradores gerais, quase todos democratas, com suas próprias ambições, dizem alguns estudiosos do Direito.
“Os procuradores gerais entraram em ação rapidamente. Se eventualmente prevalecerem no tribunal e na opinião pública, colherão dividendos políticos pela defesa percebida e vindicação dos direitos de seus cidadãos”, disse Akhil Reed Amar, professor da Yale Law School.
Se os procuradores gerais estão usando a campanha contra Trump para aprimorar seus próprios futuros políticos, Amar acrescentou, isso também é intencional. “Nossa Constituição foi projetada para que a ambição contrabalançasse a ambição”, disse ele. “Foi assim que os fundadores traçaram o plano.”
Aqueles que estão conduzindo os casos dizem que não estão surpresos com a tarefa à frente. Esforços paralelos da Democracy Forward e dos procuradores gerais democratas para se preparar para uma segunda presidência de Trump estão em andamento desde o início de 2024. Agora, coalizões de autores de ações judiciais se reúnem no Slack (aplicativo de conversas online) longas horas após a meia-noite para preparar queixas em resposta aos últimos movimentos da administração. Na maior parte, os procuradores gerais têm apresentado uma frente unida, com algumas disputas de última hora para decidir quem ocupará a posição de liderança no caso e em qual fórum ele será apresentado.
O único fator surpresa? Elon Musk, o bilionário empresário que recebeu poderes extraordinários — e possivelmente ilegais — para cortar e reestruturar o governo, sem um título real ou confirmação pelo Senado.
Matthew J. Platkin, procurador-geral de Nova Jersey, chamou Musk de “a única carta coringa” lançada contra eles.
“Eu nem tenho certeza se o Trump sabe o que está fazendo”, disse Platkin sobre Musk. “Ele é um bilionário não eleito circulando pelo governo, cortando grandes quantidades da força de trabalho e se comportando de maneiras potencialmente ilegais.”
Em documentos legais, o Departamento de Justiça argumentou que os associados de Musk estão agindo legalmente como funcionários designados para agências em todo o governo e que estão sob a autoridade de membros interinos do gabinete.
Os Estados têm “solicitude especial” como autores, uma doutrina que se baseia em uma decisão da Suprema Corte de 2007. Essa doutrina, que tem perdido peso nos últimos anos, facilita para os Estados entrarem com processos alegando que seus direitos ou os direitos de seus cidadãos foram violados. Pode ser mais difícil para esses mesmos estados aplicar essa doutrina em reclamações contra as equipes de Musk, que operam no nível federal e afetam os Estados de forma menos direta, de acordo com advogados familiarizados com o esforço dos procuradores gerais.
Mas essa complicação não impediu o juiz Engelmayer de, por enquanto, dar razão a Letitia James, procuradora-geral de Nova York, e a outros 18 procuradores-gerais democratas em seu esforço para manter as equipes de Musk fora dos sistemas sensíveis do Departamento do Tesouro.
Eles argumentaram que conceder acesso à equipe de eficiência do governo violaria a Constituição e prejudicaria os Estados que dependem do Departamento do Tesouro para financiar pagamentos de pensão alimentícia e recuperar dívidas.
“Acho que, neste momento, estamos no meio de uma crise constitucional”, disse James, quando a ação judicial foi anunciada na semana passada.
Judith Resnik, professora da Yale Law School, disse que, embora esperasse que o sistema jurídico fosse “resiliente”, era difícil superestimar os riscos para o Judiciário nas próximas semanas e meses.
“O poder sem limites é a antítese da Constituição dos EUA”, disse ela. “Esse ponto está em exibição toda vez que você entra na Suprema Corte dos EUA, onde estão gravadas em pedra as palavras: ‘igualdade de justiça perante a lei’.”/COLABORARAM COM A REPORTAGEM JENNA RUSSELL, LAUREL ROSENHALL, CHARLIE SAVAGE, CHRIS CAMERON, JACEY FORTIN E HURUBIE MEKO. CONTRIBUI COM A PESQUISA SEAMUS HUGHES.
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