Após a conclusão do acordo com o Irã, a derrota dos saqueadores bárbaros do Estado Islâmico deve ser a prioridade dos Estados Unidos e do Ocidente. Um acordo nuclear iraniano que preveja um programa de enriquecimento rigorosamente limitado e ferozmente monitorado, restrito ao uso civil, é o melhor resultado concebível destas conversações por tanto tempo proteladas, que já reverteram o impulso nuclear no Irã e estabeleceram um ponto de partida entre Washington e Teerã. Qualquer acordo negociado tinha como objetivo impedir o Irã de ter capacidade de produzir uma bomba no prazo de um ano e fazer com que as centrífugas e os níveis de enriquecimento tomassem uma curva descendente. Se um acordo não fosse alcançado, os tambores de guerra voltariam a soar, apesar do fato de os apelos para um ataque contra o Irã serem um convite irresponsável ao desastre. As bombas americanas ou israelenses (ou ambas) contra o Irã teriam as consequências mais pavorosas, mas o argumento fundamental contra esta insanidade é que causariam apenas um pequeno solavanco no programa nuclear iraniano e ele recomeçaria com renovada intensidade sem nenhum monitoramento. Essa seria uma guerra sem nenhum objetivo, ou uma guerra com base em pretensões falsas. Já tivemos outras experiências desse gênero. O Irã é uma sociedade esperançosa e jovem. Não a aprisionemos. Um acordo longo condenará o Irã e os Estados Unidos a um relacionamento que funcionará durante esse período. Uso a palavra "condenar" com cautela. Não será tranquilo. Na realidade, será complicado. Haverá inúmeras discordâncias. Mas uma longa negociação é melhor do que a guerra. É possível conseguir muitas coisas de nações que têm divergências ideológicas fundamentais com os Estados Unidos; basta olhar a história das relações sino-americanas desde seu reatamento, nos anos 70. Na próxima década, a República Islâmica provavelmente passará por uma troca de liderança. Sua sociedade tem aspirações e olha para o Ocidente. "Morte aos Estados Unidos" tornou-se um refrão gasto. É impossível prever o que esses elementos produzirão em termos de mudança, mas a chance de desdobramentos positivos aumenta pelo contato e se reduz com o distanciamento punitivo de Teerã. Seria preferível que o Irã não tivesse a capacidade nuclear que adquiriu? Evidentemente. Podemos ter a garantia de que o acordo será cumprido? Não. Mas a diplomacia lida com o mundo real. Os trâmites diplomáticos mais rigorosos, mais importantes foram negociados com os inimigos. Os opositores de um acordo não ofereceram alternativas sérias. Somente o conhecimento elementar do Irã permite saber que as sanções jamais conseguirão pôr de joelhos esta orgulhosa nação. Ela morreria de inanição, mas não cederia. O que garantiria mais a segurança de Israel: 25 anos de rigorosa redução do programa nuclear do Irã e de inspeções, o que impedirá o país de construir a bomba, ou uma guerra que adiaria o programa por alguns anos, fortaleceria as facções mais radicais em Teerã e intensificaria a violência no Oriente Médio? Está muito claro. Gosto das atuais incoerências da estratégia do presidente Barack Obama em sua política para o Oriente Médio. Alguns perguntam se fez sentido buscar um acordo com o Irã apoiando ao mesmo tempo os Estados árabes, principalmente a Arábia Saudita sunita, numa campanha contra o grupo xiita Houthi, que tem o respaldo do Irã no Iêmen. A resposta a essa pergunta é, em primeiro lugar, que os interesses determinam a política externa, e não a busca de coerência (Stalin foi a certa altura um dos aliados mais eficientes dos EUA); e em segundo lugar, os EUA estão deixando claro ao Irã que não abandonarão seus aliados, incluídos o Egito e os sauditas, somente por causa da conclusão de um acordo nuclear. Esta é uma mensagem importante. Os Estados Unidos se oporão ao Irã sempre que seus interesses e os de seus aliados o exigirem, com acordo ou sem acordo.Estado Islâmico. Uma área em que os interesses americanos e iranianos coincidem, a grosso modo, é na necessidade de derrotar o Estado Islâmico, a mais recente expressão da metástase da ideologia radical salafista de ódio assassino contra a civilização ocidental, que provocou o 11 de Setembro e a recente onda de assassinatos na Europa. O Estado Islâmico também é um movimento revanchista no Iraque e na Síria, que se opõe diretamente ao Irã xiita. Não há nada de inspirador na superposição dos interesses americanos e iranianos, mas isso não o torna menos importante. Repelir o Estado Islâmico exige pelo menos a tácita cooperação iraniana. Os Estados Unidos não podem deter o cisma sunita-xiita no Oriente Médio, exacerbado por sua invasão ao Iraque. Não poderão reconstituir a ordem Sykes-Picot, ou as fronteiras por ela determinadas. Não poderão reverter sua incapacidade de impedir o pior na Síria (que para sempre manchará o histórico de Barack Obama), nem sua incapacidade, fora da Tunísia, e particularmente no Egito, de alimentar a esperança da Primavera Árabe para sociedades mais representativas, libertas do confronto paralisante com as ditaduras e com o radicalismo islâmico (que se reforçam mutuamente). Não poderão impedir a violência inerente a todos estes desdobramentos. Nem poderão ignorar que esta violência durará pelo menos uma geração. Tudo isso não é motivo para desespero, mas para nos concentrarmos, ferozmente, nos objetivos viáveis que agora são o que mais importa. / TRADUÇÃO DE ANNA CAPOVILLA É COLUNISTA
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