"O 'casamento fantasma' é necessário para todo o homem com mais de 12 anos que morre solteiro", afirma de maneira categórica Pang Shende, de 68 anos, integrante da terceira geração de sua família dedicada à realização de funerais no condado de Hengshen, na cidade de Yulin. Em chinês, o título de Pang e seus colegas de trabalho é "senhor yin yang", os mesmos "yin yang" do taoismo que indicam inúmeras dicotomias, como feminino-masculino, negativo-positivo e lua-sol. No caso dos responsáveis pelos enterros, a tradução mais apropriada é "senhor trevas-luz". O nome vem da crença de que essas pessoas têm o poder de fazer a comunicação e a pacificação entre este mundo e o além. Durante a Revolução Cultural (1966-1976), Pang foi classificado de "demônio", proibido de praticar sua profissão e enviado para trabalhar no campo, como milhões de outros chineses. Sob as ordens de Mao Tsé-tung, os funerais passaram a ser extremamente simples e desprovidos dos rituais que haviam sido praticados por milênios pelos chineses. Com um sorriso vitorioso, Pang lembra que muitas famílias desenterraram seus mortos depois da Revolução Cultural, para dar-lhes uma cerimônia condizente com a tradição chinesa."Naquela época o governo era muito rigoroso, mas agora não, porque essa é uma tradição muito antiga, que eles não conseguem controlar", observou Pang em relação aos 'casamentos fantasmas', acendendo um cigarro após o outro.Fumar compulsivamente parece ser uma característica comum dos "senhores yin yang", como típicos homens da zona rural chinesa. No campo, oferecer cigarros é um gesto de cortesia quase obrigatório, que se repete sempre que dois homens começam a conversar. Bai Heng Sheng, de 41 anos, realiza de três a quatro "casamentos fantasmas" por ano e cerca de dez funerais tradicionais a cada mês nos arredores da vila Majiashan, a uma hora e meia de carro de Yan'an. "É mais raro pessoas jovens morrerem." Segundo ele, o número de casos aumentou em anos recentes, assim como o preço dos corpos das "noivas cadáveres". Na opinião do professor de Cultura Popular da Universidade de Xangai Huang Jingchun, a inflação se deve ao aumento da renda da população, mas principalmente à crescente popularidade da cerimônia. "Se os pais ou parentes não realizam 'casamentos fantasmas' para os que morreram solteiros, eles vão se sentir muito ansiosos e qualquer coisa ruim que acontecer será vista como um sinal de que eles não cumpriram suas obrigações em relação ao morto", disse Huang.Com 76 anos, Zhu Sheng Gui organiza funerais há quase meio século na vila Zhang Er, próxima de Yan'an. "Na época de Mao, até atuar como casamenteiro era proibido, mas hoje a superstição nessa região é muito forte."Com os frequentes acidentes em minas de carvão de Shaanxi e Shanxi, o número de jovens do sexo masculino que morrem é maior que os do sexo feminino, o que acentua o já grave desequilíbrio populacional da China, onde há mais homens que mulheres.Com a alta do preço e a escassez de corpos, muitas famílias pobres não conseguem realizar "casamentos fantasmas" para seus filhos e optam por imagens de mulheres que são colocadas no túmulo ao lado do morto, afirmou Pang. / C.T.
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