Queda ameaçaria privilégios de militares

Lealdade a esquema que mantém quartéis no comando de empresas e instituições explicaria[br]resistência de Mubarak

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Por Jamil Chade
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Sem o apoio da população, sem o respaldo dos Estados Unidos e vendo seus aliados o abandonarem aos poucos, o presidente egípcio, Hosni Mubarak, teria tudo para seguir o exemplo de seu ex-colega tunisiano, Zine al-Abidine Ben Ali, e cair. Mas, por quase duas semanas, resiste, promovendo tentativas de reformas e usando a máquina do Estado para se manter no poder.Para políticos e cientistas políticos no Egito, o motivo de sua "teimosia" vai bem além de seu caráter ou do fato de ser um militar. "Mubarak não está protegendo apenas seu poder. Está protegendo todo um regime e sua estrutura", afirmou ao Estado Yassin Tageldin Yassin, vice-presidente do Al-Wafd, um dos partidos mais antigos de todo o Oriente Médio. O regime que está sendo protegido é o mesmo que, por 30 anos, manteve benefícios para centenas de soldados e partidários de um sistema autoritário. Quando a revolta popular eclodiu no Cairo, no dia 25, não foi por acaso que um dos alvos dos ataques foi o edifício que servia de sede para o partido de Mubarak, o Partido Nacional Democrático.Uma das funções do partido é justamente aprovar a criação de novos partidos. Mas, em 30 anos, ele apenas autorizou o surgimento de dois deles. Outros dez conseguiram seu reconhecimento, mas apenas depois de passar pelos tribunais. Para fazer qualquer negócio com o governo, empresas são obrigadas a passar pelo membros da cúpula do partido e deixar sua "contribuição". Para diplomatas no Cairo, o partido seria apenas uma parte da estrutura de poder. "No Egito, quem manda são as Forças Armadas e um grupo que atua no interior dela", explicou Yassin. "Derrubar Mubarak é derrubar uma verdadeira indústria", disse.De fato, a instituição tem seus tentáculos em grande parte da economia e é a maior empregadora do Egito.Com 430 mil soldados, as Forças Armadas egípcias são consideradas o oitavo maior Exército do mundo, em um país com 40% da população vivendo com menos de US$ 2 por dia.Pagamento eterno. Esse mesmo Exército recebe, por ano, US$ 1,3 bilhão em ajuda dos Estados Unidos, como uma espécie de "compensação eterna" por ter fechado um acordo de paz com Israel, patrocinados por Washington, em 1978. Por 60 anos, a instituição vem acumulando poder. Em 1952, foi exatamente um movimento militar que derrubou a monarquia. O coronel Gamal Abdel Nasser chegaria ao poder em 1954.Anwar Sadat manteria a tradição de poder militar, seguido por Mubarak. Mas foi a sucessão do atual presidente que marcou uma divisão.Muitos no alto comando viram a decisão de Mubarak de indicar seu filho Gamal como candidato uma afronta aos militares e uma ameaça aos negócios da empresa chamada Forças Armadas. Dentro do Egito, as Forças Armadas controlam desde empresas de máquinas até fazendas de alimentos, passando por escolas e serviços básicos.O conglomerado tem ainda fábricas de cimento, hotéis, está na produção de petróleo e no setor de azeite de oliva. Dezenas de generais aposentados acabam como presidentes e diretores da maior parte dessas empresas."No sistema mantido por Mubarak, não é tanto a competência que importa. O que importa é a lealdade", disse um ex-membro do governo ao Estado, sob condição de anonimato.Se contar os militares na reserva, as Forças Armadas chegam a um milhão de homens. Se for considerado que cada um tem sua família, 5% da população do Egito de alguma forma está relacionada diretamente com os militares.

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