Quem governará Gaza depois da guerra? Quatro modelos surgem

O Hamas controla a maior parte do enclave, mas Israel detém algumas áreas-chave; supervisão internacional também é uma opção e Autoridade Palestina se apresentou como outra alternativa

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Por Patrick Kingsley (The New York Times)
Atualização:

Ao longo dos quase 16 meses de guerra em Gaza, políticos e analistas debateram propostas para a governança do território depois da guerra, mas nenhuma direção clara surgiu enquanto o conflito continuou.

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Agora, à medida que um frágil cessar-fogo se mantém e Israel e o Hamas se preparam para negociações no sentido de estender a trégua, quatro modelos para o futuro de Gaza começam a tomar forma.

O Hamas, enfraquecido mas inflexível, ainda controla a maior parte de Gaza e está tentando consolidar essa autoridade. Sob os termos do cessar-fogo, Israel deve se retirar gradualmente, mas suas tropas ainda ocupam regiões importantes do território. Líderes israelenses de direita querem que suas forças expandam esse controle, mesmo que isso signifique reiniciar a guerra.

Imagem do dia 26 de janeiro mostra palestinos retornando para o norte da Faixa de Gaza, após acordo entre Israel e o Hamas. Futuro da trégua entre os dois lados em guerra é discutido esta semana Foto: Abdel Kareem Hana/AP

Um grupo de empresas de segurança estrangeiras oferece outro modelo em Gaza. A convite de Israel, o conglomerado está administrando um posto de controle numa via crucial do norte do território, revistando veículos em busca de armas. Algumas autoridades israelenses dizem que essa atividade pode se desenvolver sob uma administração internacional, numa área muito mais ampla, envolvendo Estados árabes em vez de entes privados.

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E no sul de Gaza, representantes da Autoridade Palestina (AP) começaram neste fim de semana a se instalar na fronteira com o Egito, trabalhando com agentes de segurança europeus. A AP, que perdeu o controle de Gaza para o Hamas em 2007, espera ser capaz, com o tempo, de replicar esses esforços por todo o território.

Por enquanto não está claro que modelo prevalecerá. O resultado provavelmente dependerá em grande parte do presidente Donald Trump, que deve discutir o futuro de Gaza nesta terça-feira em Washington com o primeiro-ministro de Israel, Binyamin Netanyahu. E a Arábia Saudita pode fazer pender a balança se concordar pela primeira vez em estabelecer relações formais com Israel — em troca de uma estrutura específica de governança em Gaza.

Veja o que os modelos envolvem e quais as probabilidades de sucesso.

Um governo do Hamas

Ao libertar reféns, nas últimas semanas, o Hamas fez questão de mostrar que segue sendo a força palestina dominante em Gaza. Centenas de militantes mascarados se reuniram em cada ponto de libertação, projetando a sensação de que o grupo, embora castigado por 16 meses de guerra, ainda está no comando.

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Autoridades de segurança do Hamas também ressurgiram para invocar uma aparência de ordem em todo o território, parando e revistando veículos e tentando desarmar bombas não detonadas. Autoridades municipais também começaram a revolver os escombros.

Imagem do dia 19 de janeiro mostra libertação de uma das reféns israelenses, na troca de prisioneiros do Hamas com Israel. Grupo terrorista usou evento para demonstrar autoridade sobre Gaza Foto: via AFP

Para a maioria dos israelenses, a antiga e duradoura presença do Hamas é difícil de digerir. Alguns podem aceitá-la se o Hamas concordar em libertar todos os reféns ainda mantidos em Gaza. Mas outros, particularmente na direita israelense, querem retomar a guerra, mesmo que isso custe a vida de alguns desses cativos, para expulsar o Hamas.

Se permanecer no poder, o Hamas dificilmente conseguirá reconstruir Gaza sem apoio estrangeiro. Como muitos doadores internacionais provavelmente relutarão em ajudar a não ser que o Hamas renuncie, é possível que o grupo possa voluntariamente ceder o poder em favor de uma liderança palestina alternativa, em vez de continuar a controlar um deserto ingovernável. Em negociações mediadas pelo Egito, enviados do Hamas afirmaram que poderiam entregar responsabilidades administrativas para uma comissão de tecnocratas palestinos, mas é improvável que o grupo dissolva voluntariamente seu braço armado mesmo que deixe de administrar os assuntos civis de Gaza.

Uma ocupação israelense

Quando o cessar-fogo começou, no mês passado, Israel manteve o controle de uma zona-tampão, com várias centenas de metros de largura, ao longo das fronteiras de Gaza. Para acabar com a guerra e garantir a libertação de todos os reféns em Gaza, Israel eventualmente precisa deixar esse território. Mas isso é impensável para membros importantes da coalizão de Netanyahu, o que significa que o primeiro-ministro pode decidir estender a ocupação de Israel, ou mesmo expandi-la, para evitar o colapso de seu gabinete.

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Para fazer isso, no entanto, Netanyahu provavelmente precisaria do apoio do governo Trump, que sinalizou que quer ver o cessar-fogo estendido para permitir a libertação de todos os reféns. Retornar à guerra também destruiria qualquer chance de curto prazo de um acordo entre Israel e Arábia Saudita — uma grande conquista internacional, que Netanyahu cobiça há muito.

Uma força internacional

Quando se retiraram, na semana passada, de grande parte do Corredor Netzarim, uma área estratégica que conecta o norte e o sul de Gaza, as tropas israelenses permitiram que um grupo de empresas de segurança estrangeiras preenchesse o vazio. Liderados por seguranças egípcios, os agentes contratados vigiam o tráfego em direção ao norte em busca de armamentos, na esperança de desacelerar os esforços do Hamas para rearmar seus militantes no norte de Gaza. Duas empresas americanas estão envolvidas no processo, mas não está claro que papel elas desempenham em campo.

Por enquanto, o processo serve como um teste em pequena escala, que não conta com o envolvimento formal de países árabes além do Egito e do Catar, os dois Estados que mediam negociações entre Israel e o Hamas. Mas algumas autoridades israelenses dizem que esse modelo poderia ser expandido — tanto em termos geográficos quanto de responsabilidade — para abranger funções administrativas em uma área mais ampla, com apoio público e financeiro de importantes Estados árabes, como Arábia Saudita e Emirados Árabes Unidos.

Nenhum desses países deverá buscar uma função formal sem a bênção da Autoridade Palestina.

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A AP, que o Hamas expulsou de Gaza em 2007, ainda administra parte da Cisjordânia e é tida como a única alternativa palestina séria ao Hamas. Mas os líderes israelenses consideram-na corrupta e incompetente — e têm rejeitado a ideia de lhe conceder um papel importante em Gaza, pelo menos por enquanto. A direita israelense também se opõe a dar poder à AP, para que a entidade não se transforme num projeto crível de Estado.

A Autoridade Palestina

Dito isto, os representantes da AP começaram a trabalhar discretamente em outra região de Gaza neste fim de semana, sugerindo que partes da liderança israelense podem na prática ser mais flexíveis a respeito do envolvimento da entidade sediada na Cisjordânia.

Israel permitiu que autoridades da União Europeia e da AP retomassem operações na passagem de Rafah — um posto de controle na fronteira entre Gaza e o Egito. A travessia fronteiriça estava fechada desde que Israel invadiu a região de Rafah, em maio do ano passado.

Publicamente, o governo israelense minimizou o envolvimento da AP no posto de controle, em parte para não irritar membros da coalizão de Netanyahu.

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Mas as operações em Rafah alimentaram especulações de que o primeiro-ministro israelense, sob pressão de Trump e de líderes árabes do Golfo, poderá tolerar, ainda que relutantemente, um papel mais amplo para a AP, talvez em parceria com forças de paz ou empresas de segurança estrangeiras. /TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO

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