Quando Donald J. Trump prestou seu juramento no Capitólio, na tarde desta segunda-feira, aos olhos e ouvidos do mundo, se transformou no presidente americano mais poderoso da nossa geração. Trump ganhou o benefício de governar a nação mais influente da Terra tendo à disposição a maioria na Câmara, no Senado e na Suprema Corte, o apoio das big techs e do homem mais rico do mundo, uma oposição fragilizada, com um inegável problema de identidade e sem uma liderança evidente, substituindo um ex-presidente que se retira do poder de forma melancólica.
Em seu discurso, Trump desenhou um cenário catastrófico sobre os Estados Unidos, mas prometeu que a era do “declínio americano” chegou ao fim.
“A era de ouro dos Estados Unidos começa agora.”
“Eu fui salvo por Deus para tornar a América grande novamente.”

Um apreço pelo sombrio
Há oito anos, Trump assumiu o cargo pela primeira vez com um discurso de posse bastante sombrio sobre aquilo que ele chamava de “carnificina americana”. Segundo ele, a população dos Estados Unidos sobrevivia abandonada, explorada por uma elite parasitária. Nada parece ter mudado.
A descrição não era nova. Há décadas, Trump coleciona manifestações pessimistas sobre a América. Em 2024, disse repetidas vezes que os Estados Unidos eram um “país de terceiro mundo”. No ano anterior, atestou que os Estados Unidos estavam virando uma “ditadura de terceiro mundo” que colocava o planeta em perigo.
Estadão analisa
Nos últimos anos, em diferentes ocasiões, Trump classificou os Estados Unidos como “uma nação em declínio”, “uma nação que fracassa” e “uma lata de lixo para o mundo”. Também chamou os Estados Unidos de uma nação “Vigarista, Corrupta e Maligna”, e assumiu que em seu país “não é possível comprar um pão sem ser assaltado ou estuprado”.
Segundo Trump, os Estados Unidos são um “país ocupado” que deve ser “libertado” de imigrantes criminosos que têm “genes ruins” – pessoas que invadem as casas de famílias inocentes para devorar os seus cães e gatos, e que estão “envenenado o sangue americano”, trazendo as suas “doenças infecciosas”.
O presidente americano também disse repetidas vezes que os Estados Unidos são “uma nação falida” e uma “nação em desenvolvimento”. E usou as suas redes sociais para anunciar a decadência americana em caixa alta:
“SOMOS UMA NAÇÃO EM DECLÍNIO, UMA NAÇÃO FRACASSADA!”
Uma ladainha de quatro décadas
Um sujeito desavisado poderia acreditar que, mesmo hiperbólico, esse é um comportamento compatível com um líder político de oposição, mas Trump vem repetindo esse discurso há quase 40 anos.
Em 2015, assim que anunciou sua candidatura, se apresentou ao mundo assumindo que o sonho americano estava “morto”. No mesmo ano, justificou a escolha pelo slogan de campanha – Make America Great Again – dizendo que os Estados Unidos eram um país “doente”:
“Olhei para os muitos tipos de doenças que o nosso país tinha, e não importa se é na fronteira, na segurança, se é lei e ordem ou falta de lei e ordem. Então, é claro, você começa a negociar, e eu disse a mim mesmo: ‘O que seria bom?’ Eu estava sentado em minha mesa, onde estou agora, e disse: ‘Make America Great Again’.”
O pessimismo sombrio de Donald Trump é uma transformação radical na concepção que os republicanos alimentam sobre os Estados Unidos. Pela maior parte da história, o patriotismo americano foi concebido através da ideia de que uma América imaculada carrega uma excepcionalidade intrínseca à sua formação – aquilo que John Winthrop chamava de “uma cidade sobre a colina”: uma referência de esperança, liberdade e justiça para o mundo.
Em 2014, Trump criticou essa posição para o comentarista político Jeffrey Lord, da American Spectator, e usou Vladimir Putin como referência para assumir que os Estados Unidos estavam longe da excepcionalidade:
“Bem, acho que é um termo [excepcionalismo americano] muito perigoso, por um lado, porque ouvi Putin dizer: ‘Quem eles pensam que são, dizendo que são excepcionais?’.”
“Você sabe, tive o concurso de Miss Universo em Moscou recentemente, há seis meses – e Putin, aliás, nos tratou incrivelmente bem. E foi nessa altura que Putin disse: ‘Quem eles pensam que são para dizer que são excepcionais?’ E eu entendo isso. Você sabe, ele disse: ‘Por que eles são excepcionais? Eles têm assassinatos nas ruas. Veja o que está acontecendo em Chicago e em diferentes lugares. Eles têm toda essa turbulência, todas as coisas que estão acontecendo lá’.”
No mesmo ano, numa entrevista para a Fox News, Trump defendeu que apenas tumultos violentos seriam capazes de tornar os Estados Unidos grande novamente:
“Sabe o que resolve isso? Quando a economia quebrar, quando o país for para um inferno total e tudo for um desastre, então haverá tumultos para voltarmos para onde costumávamos estar, quando éramos grandes.”
Já em 1990, Trump expressava o mesmo pessimismo, criticando os Estados Unidos – governado há uma década por republicanos – pela estupidez dos seus líderes políticos:
“Esses idiotas no comando não sabem pintar uma parede e contamos com eles para disparar mísseis nucleares contra Moscou.”
“Acho que se este país se tornar mais amável ou gentil, literalmente deixará de existir.”
“Eu não quero ser presidente. Tenho cem por cento de certeza. Eu só mudaria de ideia se visse este país continuar a afundar.”
A velha receita republicana
Desde 1990, a economia americana mais do que dobrou em termos reais. A renda média aumentou e a violência urbana caiu quase pela metade. Com a dissolução da União Soviética, os Estados Unidos se tornaram o poder hegemônico no mundo, liderando uma revolução tecnológica sem precedente, construindo o exército mais poderoso da história, influenciando a cultura, a economia e a política como nenhuma outra nação na Terra.
Em seu discurso sobre o Estado da União, em 1991, o republicano George H. W. Bush previu isso tudo, num discurso antagônico ao de Trump, conhecido como “Mil pontos de luz”:
“Durante dois séculos, a América serviu ao mundo como um exemplo inspirador de liberdade e democracia. Durante gerações, a América liderou a luta para preservar e ampliar as bênçãos da liberdade. E hoje, num mundo em rápida mudança, a liderança americana é indispensável. Os americanos sabem que a liderança traz fardos e exige sacrifício.
Mas também sabemos porque é que as esperanças da humanidade se voltam para nós
Se alguém lhe disser que os melhores dias da América ficaram para trás, está olhando para o lado errado.
Esta noite, venho perante esta casa e o povo americano com um apelo à renovação. Este não é apenas um apelo a novas iniciativas governamentais, é um apelo a novas iniciativas no governo, nas nossas comunidades e por parte de todos os americanos – para se preparar para o próximo século americano.
Temos ao nosso alcance a promessa de uma América renovada.
“Somos uma nação de realismo sólido e idealismo perspicaz. Nós somos americanos. Somos a nação que acredita no futuro. Somos a nação que pode moldar o futuro.”
Em 1989, Ronald Reagan também recorreu ao excepcionalismo americano – e aos imigrantes – em seu último discurso presidencial, contrastando com o pessimismo de Trump:
“Sim, a tocha da Estátua da Liberdade simboliza nossa liberdade e representa nossa herança, o pacto com nossos pais, avós e antepassados. É essa senhora que nos dá nosso grande e especial lugar no mundo. Pois é a grande força vital de cada geração de novos americanos que garante que o triunfo da América continuará inigualável no próximo século e além. Outros países podem tentar competir conosco; mas em uma área vital, como um farol de liberdade e oportunidade que atrai pessoas do mundo todo, nenhum país na Terra chega perto.
Acredito que esta é uma das fontes mais importantes da grandeza da América. Lideramos o mundo porquê, únicos entre as nações, atraímos nosso povo – nossa força – de todos os países e de todos os cantos do mundo. E, ao fazer isso, renovamos e enriquecemos continuamente nossa nação. Enquanto outros países se apegam ao passado obsoleto, aqui na América damos vida aos sonhos. Criamos o futuro, e o mundo nos segue até o amanhã. Graças a cada onda de recém-chegados a esta terra de oportunidades, somos uma nação eternamente jovem, eternamente cheia de energia e novas ideias, sempre na vanguarda, sempre liderando o mundo para a próxima fronteira. Esta qualidade é vital para o nosso futuro como nação. Se algum dia fechássemos a porta para novos americanos, nossa liderança no mundo estaria perdida.”

Um novo conservadorismo
Em muitos aspectos, Reagan tinha uma visão diferente de Trump sobre os Estados Unidos. Desde os anos 1980, Trump defende que o isolacionismo, o protecionismo e o nativismo são a resposta para “tornar a América grande novamente”. Reagan condenava essa identidade. Em 2011, George W. Bush criticou esse pensamento:
“O que é interessante sobre o nosso país, se você estuda história, é que existem alguns ‘ismos’ que ocasionalmente aparecem. Um é o isolacionismo e seu gêmeo maligno, o protecionismo, e o seu nativismo, triplo maligno. Então, se você estudar os anos 1920, por exemplo, havia uma política de ‘American-first’ que dizia: ‘Quem se importa com o que acontece na Europa?’. E havia uma política de imigração que durante esse período argumentava que tínhamos muitos judeus e muitos italianos e, portanto, não deveríamos ter imigrantes. Meu ponto é que passamos por esse tipo de período de isolacionismo, protecionismo e nativismo. Estou um pouco preocupado que possamos estar passando pelo mesmo período. Espero que esses ‘ismos’ passem.”
A posse de Trump, nesta segunda-feira, não representa apenas um retorno triunfal da direita política ao epicentro do país mais poderoso do planeta, mas uma encruzilhada onde o conservadorismo redefine a sua história.
Ame ou odeie, Donald Trump é completamente diferente de tudo o que a direita americana produziu nos últimos 50 anos. E nesta tarde, ele fez questão de tornar isso o mais claro possível para o mundo.