Aborto seria ilegal nos EUA? Entenda os efeitos se decisão que garantiu o direito for derrubada

Suprema Corte do país pode anular Roe vs. Wade, que permitiu o direito ao aborto na Constituição; Estados americanos passariam a legislar de forma independente sobre o tema

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Por Redação
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A minuta de uma decisão do juiz conservador Samuel Alito, da Suprema Corte dos Estados Unidos, revelada pelo site americano Politico nesta segunda-feira, 2, pode pôr fim às únicas proteções federais ao aborto no país se o parecer final do tribunal mantiver o texto. As proteções foram garantidas após a histórica decisão Roe versus Wade, que estabeleceu o aborto como um direito constitucional até entre 22 e 24 semanas de gestação em 1973. Agora, isso pode desaparecer e os Estados passarem a legislar separadamente sobre o tema.

O direito ao aborto nos EUA foi reforçado em outra decisão, de 1992, chamada Planned Parenthood versus Casey. Mas, se a decisão da Suprema Corte for mantida como está na minuta, as duas serão anuladas. O resultado da Suprema Corte é esperado para junho.

O caso que pode alterar a legislação é o Dobbs v. Jackson Women’s Health Organization. No parecer, o juiz pede a anulação das duas decisões que garantem o direito ao aborto. “Consideramos que Roe e Casey devem ser anulados”, diz o rascunho do documento.

Se isso acontecer, o aborto nos Estados Unidos vai mudar drasticamente. Abaixo, veja as implicações da decisão.

Americanos protestam diante da Suprema Corte dos EUA nesta terça-feira, 3, após divulgação de minuta que propõe acabar com decisões que tornam o aborto legal no país. Protestos pró e contra aborto foram registrados Foto: Brendan Smialowski/AFP

Se Roe for derrubado, o aborto se tornaria ilegal em todos os lugares?

Não. Estados decidiriam individualmente se e quando os abortos seriam legais. Muitos estados continuariam a permitir, e alguns até começaram a fazer provisões para ajudar a atender mulheres que vivem em estados que provavelmente restringirão o aborto. Neste momento, o aborto permanece legal em todos os estados.

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Nos últimos 20 anos, houve uma crescente divisão política entre os estados no que diz respeito ao aborto, mas mais restrições do que proteções foram aprovadas. Os estados com políticas mais restritivas ao aborto se concentram, principalmente, no Sul e no Centro-Oeste.

Onde o acesso ao aborto seria mais provável de mudar?

O aborto provavelmente se tornaria ilegal em cerca de metade dos estados, embora algumas das previsões sejam diferentes.

De acordo com o Center for Reproductive Rights, um grupo americano que luta contra as restrições ao aborto nos tribunais e acompanha de perto as leis estaduais, 24 estados provavelmente proibirão o aborto se puderem. São eles: Alabama, Arizona, Arkansas, Geórgia, Idaho, Indiana, Kentucky, Louisiana, Michigan, Mississippi, Missouri, Nebraska, Carolina do Norte, Dakota do Norte, Ohio, Oklahoma, Pensilvânia, Carolina do Sul, Dakota do Sul, Tennessee, Texas, Utah, Virgínia Ocidental e Wisconsin.

Já o Instituto Guttmacher, grupo de pesquisa focado em saúde reprodutiva, prevê uma pequena diferença nesta lista, com 26 estados. Comparada à lista anterior, entram os estados da Flórida, Iowa, Montana e Wyoming, e saem Carolina do Norte e Pensilvânia.

Treze estados têm as chamadas leis de gatilho, que foram aprovadas para tornar o aborto ilegal assim que o tribunal o permitir. Alguns têm antigas leis de aborto que foram invalidadas pela decisão de Roe, mas poderiam ser aplicadas novamente. Ainda outros estados, como Oklahoma, têm proibições ao aborto que foram aprovadas durante esta sessão legislativa, apesar da garantia de Roe.

Quais Estados continuariam com acesso ao aborto?

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Cerca de 30 estados e o Distrito de Columbia estão consideram medidas que protejam e ampliem o acesso ao aborto, segundo a analista de políticas estaduais do Instituto Guttmache, Elizabeth Nash. Leis que protegem o direito ao aborto já existem em pelo menos 16 estados e em Columbia.

Alguns estados foram mais longe: os legisladores de Vermont votaram em fevereiro para avançar em uma emenda à Constituição Estadual que garantiria o direito ao aborto.

Em Connecticut, os legisladores aprovaram um projeto de lei que expandiria o perfil de profissionais que podem realizar certos tipos de abortos. Além dos médicos, a lei inclui enfermeiras-parteiras, assistentes médicos e outros profissionais de saúde.

Na Califórnia, um pacote abrangente de projetos de lei busca tornar o estado um “refúgio” para mulheres que buscam abortos. A ideia é facilitar o acesso às clientes com um custo mais barato e mais possibilidades de pagamento.

Como o número de abortos nos EUA mudaria?

Mulheres que procuram abortos podem fazê-los de outras maneiras, como viajar para um estado onde o aborto é legal ou encomendar pílulas pela internet que sejam enviadas do exterior.

No Texas, por exemplo, entrou em vigor uma lei em setembro do ano passado que proíbe o aborto após a detecção da atividade cardíaca do feto, na sexta semana de gestação. Os abortos nas clínicas do estado caíram pela metade, mas muitas mulheres realizaram o procedimento em estados vizinhos ou através das pílulas. O declínio geral no número de abortos no estado foi cerca de 10%.

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Sem Roe, essa queda provavelmente seria maior porque as mulheres teriam que viajar mais longe para chegar a um estado onde o aborto fosse legal. Muitas mulheres que abortam são pobres, e as longas distâncias de viagem podem ser uma dificuldade enorme.

Por causa do aumento esperado nas viagens interestaduais, as clínicas restantes provavelmente teriam menos capacidade para tratar as mulheres que conseguirem chegar até elas. Em dezembro, pesquisas estimaram que se a decisão Roe for derrubada, o número de abortos legais no país cairá cerca de 14%.

Quem faz abortos agora?

Cerca de uma em cada quatro mulheres americanas faria aborto em algum momento da vida, de acordo com pesquisa do Instituto Guttmacher. São mulheres de todas as origens, mas há uma propensão maior em mulheres solteiras, com cerca de 20 anos, baixa renda e que já possuem um filho. Além disso, a propensão também é maior entre mulheres negras e que vivem em um estado de tendência democrata.

Sem Roe, como os EUA se comparam com o resto do mundo?

Os Estados Unidos se juntariam a um grupo muito pequeno de países que endureceu as leis de aborto nos últimos anos, em vez de afrouxá-las. Isso aconteceu em apenas três países desde 1994: Polônia, El Salvador e Nicarágua. No mesmo período, 59 países ampliaram o direito ao aborto, segundo o Center for Reproductive Rights.

A permissão para o aborto nos EUA, sob a permissão Roe, não é comum para qualquer motivo até cerca de 23 semanas. Em muitos outros países, o aborto é permitido por diversas razões.

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Ainda de acordo com o centro, outros 66 países – que abrigam cerca de um quarto das mulheres em idade reprodutiva – proíbem o aborto ou o permitem apenas se a vida da mulher estiver em perigo. Sem Roe, alguns estados americanos se alinhariam a essa política.

No Brasil, a realização de um aborto é considerada pela legislação um crime contra a vida, com exceção de dois casos: quando a gravidez é resultante de estupro ou para salvar a vida da mulher. Segundo um entendimento do Supremo Tribunal Federal (STF), também há essa possibilidade quando o feto for anencefálico.

Quando isso aconteceria?

Não imediatamente. O aborto permanece legal em todos os estados por enquanto, e cada um tem pelo menos uma clínica legal.

O documento vazado foi descrito como um rascunho, não um entendimento final do tribunal. Pode levar um mês ou mais até que o Supremo Tribunal decida oficialmente o caso, e essa decisão pode ser diferente do projeto em circulação.

Se a Suprema Corte decidir contra Roe, as clínicas em alguns estados provavelmente começarão a fechar em poucos dias. Em outros estados que proíbem o procedimento, o processo pode demorar vários meses. /NYT, WP

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