Se Putin não for detido na Ucrânia, Países Bálticos provavelmente serão o próximo alvo; leia artigo

EUA têm de ajudar país a derrotar Rússia, senão serão obrigados a defender os próximos objetivos

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Por Michael Gerson
5 min de leitura

THE WASHINGTON POST - Eu estava com o presidente George W. Bush quando ele visitou a Lituânia em 2002, logo após os Países Bálticos terem recebido a oferta de adesão à Otan. Bush tinha sido uma das principais vozes em defesa da inclusão de Lituânia, Estônia e Letônia na aliança, estabelecendo uma obrigação de defesa mútua.

Na cerimônia de celebração, o então presidente lituano, Valdas Adamkus, presenteou Bush com a Cruz da Ordem de Vytautas, o Grande, a maior honraria do seu país. Bush presenteou Adamkus com uma bola de basquete autografada por Michael Jordan, revelando um conjunto diferente de prioridades culturais.

Mas o discurso de Bush naquele dia (que eu ajudei a escrever) destacava um presente maior: “Quem fizer da Lituânia sua inimiga”, disse ele, “terá também a inimizade dos Estados Unidos da América. Diante de uma agressão, os corajosos povos da Lituânia, Letônia e Estônia jamais terão de lutar sozinhos novamente”.

O suspiro de alívio dos três países foi quase audível. Os Países Bálticos têm a infelicidade de se situarem em uma sangrenta encruzilhada geopolítica, e as duas últimas ocupações sofridas foram particularmente horríveis. “Esquadrões da morte” da Alemanha nazista assassinaram centenas de milhares de judeus. A União Soviética deportou meio milhão de cidadãos bálticos para o gulag ou para a Sibéria. Os soviéticos também importaram habitantes de origem étnica russa para alterar a composição da população desses países conquistados.

O então presidente americano, George W. Bush, com o presidente da Lituânia, Valdas Adamkus, em visita ao país em 23 de novembro de 2002 Foto: LARRY DOWNING

Os EUA jamais reconheceram a ocupação ilegal dos Países Bálticos por parte da Rússia soviética. Mas o compromisso dos americanos e da Otan de evitar qualquer ocupação futura foi acompanhado de certa controvérsia. Especialistas como George Kennan acreditavam que a ampliação da Otan para incluir entre seus membros uma ex-república integrante da URSS seria uma provocação desnecessária aos russos. E alguns observadores militares acreditam que seria praticamente impossível uma defesa por parte da Otan dos Países Bálticos, situados na fronteira com a Rússia e distante dos centros de poder militar da aliança.

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O debate em torno da inclusão dos Países Bálticos na Otan foi um prelúdio para as disputas em relação às intenções do presidente russo, Vladimir Putin, para a Ucrânia e além. Alguns especialistas explicam sem rodeios, como foi feito no título de um artigo de 2014 publicado pelo cientista político John J. Mearsheimer, da Universidade de Chicago, Por que a crise na Ucrânia é culpa do Ocidente. Mearsheimer afirmou que as lideranças russas “não assistiriam impassíveis enquanto um vizinho de importância estratégica é transformado em bastião do Ocidente”.

Futuro da Europa

De acordo com esse ponto de vista, Putin é principalmente o defensor da pátria russa. Talvez seus soldados tenham o controle moral de cossacos bêbados, mas ele está resistindo ao arrogante expansionismo de uma aliança militar hostil.

Sem dúvida, tal convicção é partilhada entre os russos, e é facilmente explorada pelo seu líder. Putin retratou seu ataque gratuito à Ucrânia como outra reação a uma agressão fascista do Ocidente. Essa narrativa se vale de motes históricos bem conhecidos. Ao longo dos séculos, os russos enfrentaram invasões que chegaram pela vasta planície que vai da Alemanha até o coração da Mãe Rússia. Para muitos russos mais velhos, as lembranças da 2.ª Guerra se resumem à perfídia ocidental e à bravura russa.

Putin escreveu quase com lirismo a respeito da união espiritual entre Kiev e Moscou. Evidentemente, ele só bombardeia a quem ele ama. Mas suas intenções são muito mais práticas. A divisão entre Putin e Otan pode não chegar a um conflito ideológico, mas envolve um debate sério a respeito do futuro da Europa.

A maioria dos recentes presidentes americanos sustentou que a expansão da Otan seria um resultado natural de uma ordem internacional com base em regras. Os países europeus que alcançassem determinado patamar de governabilidade, liberdade econômica e controle civil das forças armadas poderiam ser admitidos. Isso ajudou a consolidar uma série de transições democráticas no Leste Europeu. Ajudou também a retificar os terríveis erros do acordo de Yalta, que formalmente repartiu a Europa em áreas de domínio e entregou aos lobos uma série de países vulneráveis.

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Em contraste, o objetivo de Putin, de acordo com Alexander Vershbow, ex-embaixador americano na Otan e na Rússia, é “pressionar o Ocidente a aceitar uma espécie de Yalta versão 2, uma Europa dividida em esferas de influência com soberania limitada para todos, menos a Rússia”. Isso permitiria a ele restaurar a hegemonia russa no seu “exterior próximo”.

Por que este conflito entre regras e esferas é tão importante? Se Putin estiver envolvido em um combate defensivo, então a guerra da Ucrânia será uma questão envolvendo principalmente a Ucrânia. Alguns vão propor que o presidente Volodmir Zelenski faça as concessões necessárias — manter a Ucrânia fora da Otan, entregar à Rússia o controle da região do Donbas — para encerrar uma guerra sangrenta. Paz por meio do autodesmembramento.

Mas se Putin está tentando reconstruir a esfera de influência russa na Europa, seu sucesso na Ucrânia abriria o caminho para novos horrores. A lógica que levou à agressão russa contra a Geórgia e a Ucrânia — nada de membros da Otan na esfera russa — quase certamente o empurraria para os Países Bálticos.

A lição é: a Ucrânia, com ajuda agressiva da Otan, precisa derrotar as forças russas. Caso contrário, os EUA podem logo se ver diante da questão: vamos mesmo guerrear pela Lituânia? Por mais que essa seja a obrigação, a decisão e a tarefa não seriam fáceis. Ajudar a Otan a traçar uma linha vermelha na Ucrânia pode ajudar a preservar os EUA de escolhas impossíveis no futuro. / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL

*É COLUNISTA