Sudão completa dois anos de guerra com país dividido e crise deixa 20 milhões sem assistência médica

Chefe de grupo paramilitar anunciou formação de um governo paralelo no aniversário do conflito; autoridades dizem que conflito está esquecido

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Por Redação

O chefe do grupo paramilitar sudanês Forças de Apoio Rápido (RSF), general Mohamed Hamdan Dagalo, anunciou a formação de um governo paralelo no Sudão, que completou dois anos de guerra nesta terça-feira, 15. O conflito se tornou uma das piores crises humanitárias do mundo, com mais de 20 milhões de civis - o que corresponde a 40% da população - necessitando de assistência médica, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS).

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Com a formação do governo de Hamdan Dagalo, também conhecido como Hemeti, o Sudão está repartido entre as áreas controladas pelas RSF e pelo Exército oficial, liderado pelo general Abdel Fattah al Burhan. O Exército controla os territórios norte e leste do país, enquanto as RSF estão em grande parte no oeste.

No mês passado, o Exército recapturou a maior parte da capital, Cartum, em uma vitória significativa. O foco do combate passou a ser pelo controle de El Fasher, a última grande cidade sob o controle do Exército na região do Darfur, no oeste, próximo à fronteira com o Chade. As RSF sitiam a cidade desde maio do ano passado.

Imagem do dia 13 mostra sudaneses que saíram de um campo de refugiados na região do Darfur, no oeste do Sudão, após as Forças de Apoio Rápido do Sudão tomarem o controle do local. Sudão enfrenta pior crise humanitária do mundo após uma guerra de dois anos Foto: AFP

A criação do governo paralelo foi anunciada no dia em que a guerra chegou a dois anos. “Neste aniversário, declaramos com orgulho o estabelecimento do Governo de Paz e Unidade”, disse Dagalo em um discurso gravado e publicado no aplicativo de mensagens Telegram.

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Segundo o general, o governo tem apoio de outras milícias presentes no país e vai emitir uma nova moeda e novos documentos de identidade. Ele também esclareceu que não se trata de um Estado paralelo, mas do “único futuro viável” para o Sudão. “Nosso governo fornecerá serviços básicos, educação, saúde e justiça, não apenas em áreas controladas pelas RSF e pelos movimentos armados, mas em todo o país.”

Dagalo e as RSF são acusados pela comunidade internacional de promover genocídio e limpeza étnica no Darfur, contra a minoria étnica Masalit. A milícia é formada por ex-combatentes de outra milícia, a Janjaweed, designadas pelo ditador Omar al-Bashir para reprimir uma rebelião promovida pelas etnias Fur, Zagauas e Masalit entre 2003 e 2005. Mais de 300 mil pessoas morreram. Bashir foi acusado de genocídio pelo Tribunal Penal Internacional por causa do episódio.

O número de mortos no conflito atual varia de acordo com estimativas. No ano passado, os Estados Unidos estimaram 150 mil pessoas mortas. Em novembro, uma pesquisa do grupo de pesquisa do Sudão, ligado a uma universidade britânica, constatou que cerca de 90% das mortes em Cartum não haviam sido registradas, o que sugere um número superior.

Segundo a Organização das Nações Unidas (ONU), mais de 14,5 milhões de sudaneses foram expulsos de suas casas em decorrência da guerra. Mais de um terço dos hospitais não funcionam e cerca de 19 milhões de crianças estão fora da escola. O país também sofre com epidemias de malária, dengue, sarampo e cólera.

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O Programa Mundial de Alimentos estima que quase 25 milhões de pessoas sofrem de insegurança alimentar aguda, com 638 mil em situação de fome - o pior nível em todo mundo. Também há relatos de violência sexual crescente, incluindo escravidão sexual e estupro de crianças e idosos.

Nível de atenção pequeno

Apesar da gravidade da guerra, o Sudão não recebe a mesma atenção de outros conflitos em curso. O financiamento de doadores para atender às necessidades humanitárias mais urgentes do Sudão, por exemplo, não chegou a 90% do valor estimado pela ONU (de US$ 4,2 bilhões, equivalente a R$ 24,6 bilhões).

O maior doador, os Estados Unidos, congelou recentemente a assistência humanitária como parte do ataque de Donald Trump à organização de desenvolvimento USAID. Como consequência direta, 1,1 mil cozinhas de emergência, que atendiam cerca de 2 milhões de pessoas, foram fechadas.

A guerra foi pauta de uma conferência em Londres na terça-feira entre o Reino Unido, a União Europeia e a União Africana, que reúne os países do leste africano. As autoridades se comprometeram a mobilizar cerca de US$ 900 milhões (R$ 5,2 bilhões) adicionais em assistência ao Sudão.

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“A guerra brutal no Sudão destruiu a vida de milhões de pessoas e, apesar disso, grande parte do mundo continua desviando o olhar”, declarou o ministro britânico das Relações Exteriores, David Lammy, durante o encontro. Nenhuma das partes em conflito estava presente.

O alto comissário da ONU para os Refugiados, Filippo Grandi, afirmou que o Sudão sofre com a “indiferença do mundo”. “Os sudaneses estão cercados por todos os lados: guerra, abusos generalizados, indignidade, fome e outras penúrias”, afirmou. “Continuar olhando para o outro lado terá consequências catastróficas.” /Com AFP

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