Quando se leem as versões online de colunas de jornais, é possível observar os comentários de outros leitores, que são, com frequência textos críticos e ofensivos. Descobri que só consigo lidar com esses comentários adotando o ensinamento: "Ame o teu inimigo". É muito prejudicial, do ponto de vista psicológico, ler esses comentários como avaliações de minha inteligência, moral ou competência profissional. No entanto, se os leio com a atitude (possivelmente ilusória) de que são amigos queridos trazendo-me presentes adoráveis de perspectiva, então, meu olhar desliza por sobre os insultos e eu, geralmente, consigo aprender alguma coisa. A chave é tirar do caminho minha questão de valor próprio - o que é de fato possível, a menos que o insultador seja realmente criativo. Não são apenas os colunistas de jornais que enfrentam esse tipo de problema. Quem está na internet está sujeito a insultos, "trolagens" (postagem de mensagens provocadoras, expressões de ódio e crueldade. A maioria desses ataques online faz parte de um jogo de dominação. São tentativas do insultador de afirmar o próprio status superior com a exibição de crueldade gratuita contra um alvo. A maneira natural de reagir, embora pior, é entrar na lógica dessa disputa de status. Se ele se pavoneia, pavoneie-se. No entanto, se o fizer, você se coloca e ao seu próprio status no centro do palco. Você entra num ciclo de vingança de teclado. Termina com um ego dolorosamente tenso, sempre em perigo, precisando se afirmar, e sensível a armações. Evidentemente, a melhor maneira de reagir é sair do jogo. É abandonar a competição de status. A hostilidade é um estado de espírito detestável. O orgulho é doloroso. A pessoa que consegue acalmar seu ego consegue ver o mundo claramente, pode aprender o assunto e dominar a situação. Superação. Historicamente, reservamos uma admiração especial para os que conseguem acalmar o ego mesmo no calor de um conflito. Abraham Lincoln viu-se envolvido numa guerra civil pavorosa. Seria natural ele viver com seus instintos inflamados - cheios de indignação com os que começaram a guerra, hostilidade com os que mataram seus homens e acabariam por matá-lo. Entretanto, seu segundo discurso de posse é uma obra-prima de superação do impulso natural para a animosidade, optando por uma posição elevada. O teatro do horror que o grupo Estado Islâmico está perpetrando hoje é, certamente, de uma categoria diferente da sordidez da internet. No entanto, as decapitações e esse ato monstruoso de incineração humana, são também insultos para provocar uma resposta visceral. Eles constituem um tipo diferente de jogo de dominação. São tentativas de homens insignificantes para conseguir que o mundo reconheça seu poder e seu status.Erro. Essa gente do Estado Islâmico queima reféns vivos porque isso lhes vale o apreço de seus colegas, porque chama a atenção para a organização e porque lhe rende o tipo de respeito perverso que acompanha o medo. Nós, frequentemente, dizemos que o terrorismo é um ato de guerra, mas isso é errado. O terrorismo é um ato de deboche. Esses vídeos criminosos são tentativas de fazer o restante de nós se sentir impotente, a um só tempo desmontado pelo medo e aturdido pelo repúdio. A maneira natural e pior de responder é com a alma inflamada. Se eles executam um de nossos rapazes, nós - como disse a Jordânia - executamos dois de seus homens. Se eles dizem bravatas, nós dizemos também. Se eles matam, nós matamos. Esse tipo de estratégia é uma mera ferramenta de recrutamento do Estado Islâmico. Ela nos suga para sua guerra de status niilista: sua barbárie e nossa resposta. O mundo está cheio de jovens invisíveis ansiosos para se sentirem importantes, que amam chocar o mundo e atear fogo em pessoas numa disputa épica por status com as potências dominantes. A melhor maneira de responder é acalmar nossa aversão e aquietar nossos instintos. É sair de seu jogo. É reafirmar o primado de nosso jogo. Autocrítica. A missão do mundo no Oriente Médio não é derrotar o Estado Islâmico, que não passa de obstáculo bárbaro. É reafirmar o primado de pluralismo, liberdade e democracia. É diminuir o fervor e cultivar a autocrítica. O mundo precisa destruir o Estado Islâmico com poder duro, mas somente como um meio para essa moral final. Muitas pessoas perderam a fé nessa missão democrática, mas sem ela somos apenas mais um exército numa disputa bárbara. Nossos atos não passam de saraivadas numa guerra de status. Nesta coluna, tentei descrever a interação de conflito e ego em arenas que são triviais (a seção de comentários dos leitores) e em arenas que são monstruosas (a guerra contra o Estado Islâmico). Em todos os casos, o conflito inflama o ego, o distorce e degrada. As pessoas que admiramos quebram a cadeia. Elas aquietam o ego e saem da guerra de status. Elas se concentram na missão maior. Elas rejeitam a lógica pueril de códigos de honra e de rivalidades de status - e entram numa lógica mais civilizada que não nos transforma em nossos inimigos. / TRADUÇÃO DE CELSO PACIORNIK*David Brooks é colunista
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