The Economist: Ocidente deve evitar confiscar ativos russos

A ideia de punir país agressor é popular e sedutora, mas também seria um erro estratégico

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Por The Economist

Passados mais de cem dias de guerra na Ucrânia, o maior programa de sanções jamais imposto sobre uma grande economia ainda está sendo intensificado. Estados Unidos e Europa congelaram as reservas russas em moeda estrangeira mantidas em bancos ocidentais.

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Em 3 de junho, a União Europeia juntou-se a EUA e Reino Unido na aplicação de um embargo parcial sobre as exportações russas de petróleo e também extirpou o Sberbank, seu maior credor, do sistema interbancário de mensagens Swift. Diversos oligarcas e seus brinquedos foram sancionados.

Em Fiji, o Amadea, um superiate de 100 metros de comprimento, equipado com heliponto e piscina, é objeto de ações do Ocidente, assim como jatos privados em Dubai e o Chelsea Football Club, na Inglaterra.

As sanções provocaram sérias perturbações na economia da Rússia e, se forem mantidas, prejudicarão seu desempenho por anos. Mesmo assim, suas limitações são evidentes. Graças aos altos preços da energia – o barril do petróleo Brent está custando cerca de US$ 120 –, o regime de Vladimir Putin está enchendo os bolsos.

Bilionário russo e dono do Chelsea, Roman Abramovich, é um dos magnatas sancionados no Ocidente devido às ligações com Putin Foto: Andrew Winning/Reuters

Em razão de apenas países ocidentais e um punhado de aliados asiáticos estarem adotando as sanções, muitos clientes continuam a comprar o petróleo russo. Como resultado, até o fim de 2023, a produção russa de petróleo deverá se colocar apenas cerca de 20% abaixo do nível anterior à guerra.

Magnatas ligados ao Kremlin ainda têm liberdade de viajar por grande parte do mundo. Mísseis russos continuam a matar civis na Ucrânia e a devastar a capacidade econômica do país.

A conta da reconstrução das cidades esmagadas na Ucrânia e do reparo à arruinada base industrial do país será altíssima: acima dos US$ 600 bilhões, segundo algumas estimativas. Isso fez muita gente se perguntar se o Ocidente deveria, em vez de apenas congelar temporariamente os ativos russos, confiscá-los permanentemente. Eles poderiam, então, ser usados para pagar pela futura reconstrução.

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A Rússia possui cerca de US$ 300 bilhões em reservas mantidas em bancos do Ocidente e outro US$ 1 trilhão em ativos do setor privado mantidos no exterior. Em 19 de maio, a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, afirmou que o bloco europeu está considerando confiscar ativos. O G-7 também discutiu seu uso.

Em vez de apelar para confiscos de ativos, o Ocidente deve fortificar o esforço de guerra da Ucrânia.

A ideia de que o agressor deve pagar pelo estrago que causou é sedutora e popular. Mas a justificativa jurídica – e a lógica estratégica – das sanções é que elas prejudiquem a capacidade do país de empreender certo rumo de ação e possam, portanto, mudar seu comportamento, porque se o tal país alterar seu curso, os ativos serão liberados.

Uma mudança desse tipo de abordagem para um confisco permanente seria um grande passo, justificável apenas se passar em dois testes. O primeiro é que qualquer nova política seja compatível com o estado de direito. E o segundo, que compense estrategicamente de maneira clara.

Comecemos com o estado de direito. Nos EUA, o presidente tem autoridade para congelar ativos de governos estrangeiros, mas não de confiscá-los como norma, a não ser que os EUA estejam em guerra com aquele país. Desde que a Rússia invadiu a Ucrânia, o presidente Joe Biden tem se esforçado para afirmar que os EUA não estão em conflito aberto contra os russos.

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O Poder Executivo pode transferir o controle de certos ativos estrangeiros quando para de reconhecer o governo daquele país, como no caso de alguns fundos pertencentes à Venezuela e ao Afeganistão. Os EUA afirmam que não buscam uma mudança de regime na Rússia.

De acordo com o direito internacional, reparações normalmente envolvem o consentimento do país que paga por elas, tipicamente como parte de um tratado de paz. Negociações desse tipo estão muito distantes, e a Ucrânia não deve ser forçada a empreendê-las. Confiscar ativos que pertencem a indivíduos, por mais repulsivos que eles sejam, antes de eles serem condenados por tribunais também é questionável. Em alguns países, como a Alemanha, fazer isso pode representar uma violação à Constituição.

E o que dizer dos interesses estratégicos do Ocidente? No curto prazo, confiscos permanentes não afetariam a capacidade do Kremlin de financiar sua mortífera máquina de guerra, já que o regime de Putin não consegue usar ativos no exterior já congelados e sancionados.

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No longo prazo, o precedente estabelecido por confiscos sem nenhum embasamento jurídico claro deixaria desprotegidos todos os ativos internacionais, incluindo os do Ocidente, expondo-os a apropriações equivalentes de governos. Isso também incentivaria ainda mais países não aliados aos EUA, ou que tenham relações instáveis com Washington, a evitar o sistema financeiro liderado pelos americanos, um dos alicerces do poder do Ocidente.

Em vez de apelar para confiscos de ativos, o Ocidente deve fortificar o esforço de guerra da Ucrânia. O que significa fornecer armamentos mais pesados, acelerar seu transporte e ensinar os ucranianos a usá-los. Significa manter as sanções enquanto a Rússia continuar sua guerra e sua ocupação na Ucrânia. E significa deixar claro que, mesmo se nenhum acordo de paz for assinado e nenhuma reparação russa jamais for paga, a Europa e os EUA ainda assim arcarão com grande parte da reconstrução da economia ucraniana arruinada. /TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL

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