O primeiro dia de Donald Trump na Casa Branca foi marcado por uma reviravolta na política dos Estados Unidos. Com dezenas de decretos presidenciais, ele evocou poderes emergenciais para controlar o fluxo de imigrantes na fronteira com o México, revogou direitos adquiridos por pessoas transgênero e reverteu medidas de combate à crise climática.
Algumas das ordens são simbólicas, como o fim da “instrumentalização do governo contra os adversários políticos” — enquanto lidava com problemas na Justiça, Trump dizia com frequência que era vítima de uma perseguição, mesmo sem provas de que os processos fossem politicamente motivados. Outras, serão questionadas na Justiça.

É o caso da cidadania por nascimento. No que depender de Trump, os filhos de imigrantes que estão no país ilegalmente perderão o direito, previsto na 14ª Emenda. Acontece que o presidente não tem o poder de alterar a Constituição na canetada e a medida será desafiada nos tribunais. No dia seguinte ao anúncio, Estados americanos e organizações da sociedade civil entraram com ações para impedir que o decreto entre vigor.
Outra medida questionada de imediato foi a criação do Departamento de Eficiência Governamental. Sob o comando do bilionário Elon Musk, a estrutura externa ao governo deve apontar gastos e regulamentações consideradas excessivos a serem cortados. Para os críticos, contudo, o chamado DOGE viola regras de transparência para os órgãos consultivos do governo.
Entenda abaixo os principais decretos de Trump — e o que ele pode ou não fazer
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Imigração
Embora a situação na fronteira estivesse relativamente calma, Trump estabeleceu como prioridade interromper o que chama de “invasão” de imigrantes. Declarou emergência para driblar o Congresso na liberação de recursos para o muro na divisa com o México, deu poderes aos militares para fiscalizar a imigração e ordenou ao Departamento de Defesa que elabore um plano para fechar a fronteira.
Como muitas medidas de Trump, o emprego dos militares para conter a imigração pode a enfrentar questionamentos porque esbarra na lei que limita o uso das tropas para o posicionamento doméstico. Mas nenhum decreto sobre o tema é tão controvertido quanto o da cidadania por nascimento.
A 14ª Emenda a Constituição diz que: “Todas as pessoas nascidas ou naturalizadas nos Estados Unidos e sujeitas à sua jurisdição são cidadãos dos Estados Unidos”. Na ordem, a Casa Branca destaca o “sujeitos à jurisdição” e destaca que isso não se aplicaria aos casos em que os pais estavam ilegalmente no país ou tinham apenas vistos temporários — de estudante, trabalho ou turista.
Na prática, o decreto intitulado “Protegendo o Significado e o Valor da Cidadania Americana” determina que as agências do governo não devem emitir nem aceitar documentos reconhecendo a cidadania das crianças nascidas nos Estados Unidos, filhas de imigrantes em situação irregular. A regra deve começar a valer em um mês.
Pelo menos 22 Estados americanos, contudo, entraram com ação na Justiça, alegando que o decreto viola os direitos de milhões de crianças. Além disso, os governos locais perderiam recursos dos programas de saúde infantil, afirma o processo.
Organizações dos direitos civis anunciaram ações separadas contra o decreto. Isso indica que a ordem do presidente dificilmente entrará em vigo no prazo de 30 dias. Outras ações do presidente começaram a valer de imediato e pegaram imigrantes de surpresa na fronteira, como o fim do CBP One, aplicativo usado por requerentes de asilo para marcar entrevistas com as autoridades. Enquanto o processo corria, eles eram autorizados a permanecer nos EUA e trabalhar.

Política externa
O presidente ordenou ainda a retomada da política “Remain in Mexico”, que prevê que os imigrantes permaneçam no país vizinho enquanto esperam as audiências dos seus pedidos de asilo. A iniciativa, contudo, depende da colaboração do México. No passado, Trump usou a ameaça de tarifas para conseguir o acordo com o então presidente Andrés Manuel López Obrador.
O governo da sua herdeira política, Claudia Sheimbaum, expressou discordância com políticas trumpistas para imigração, embora tenha sinalizado disposição em chegar a um acordo. Trump ameaça impor tarifas de 25% aos produtos do México a partir de 1º de fevereiro.
Outro decreto que pode provocar atrito com o México é o que rotula os carteis de drogas como organizações terroristas. O país vizinho é contra a medida pelo impacto que isso teria para o turismo e a economia local. Teme ainda que a designação possa abrir o caminho para uma ação militar dos Estados Unidos, coisa que Trump considerou no passado e não descarta agora. Claudia Sheimbaum disse que está disposta a cooperar em ações contra o narcotráfico, mas nunca aceitaria uma intervenção americana no país.
Trump insiste ainda em rebatizar o Golfo do México como Golfo dos Estados Unidos e decretou que o processo tivesse início. Enquanto presidente, ele até pode mudar o nome usado nos EUA, mas os outros países não são obrigados a segui-lo. Isso porque não há um protocolo internacional para nomear áreas marítimas. O termo Golfo do México aparece pela primeira vez em mapas de exploradores espanhóis, antes mesmo da fundação dos EUA.
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Energia e meio ambiente
Como havia feito no seu primeiro governo, Donald Trump retirou os Estados Unidos do Acordo de Paris, o compromisso de combater as mudanças climáticas. Depois de submetida, a retirada passa a valer no prazo de um ano. Com isso os EUA vão se unir a Irã, Líbia e Iêmen, os únicos países do mundo que não fazem parte da iniciativa.
O decreto que suspende as licenças para a energia eólica, por outro lado, provavelmente enfrentará questionamentos na Justiça. Não está claro se Trump tem poderes para interromper os projetos, especialmente aqueles que tem licenças federais.
As ordens do presidente atacam ainda os incentivos aos carros elétricos. Ele revogou o decreto de Joe Biden que previa 50% da frota de elétricos ou híbridos até 2030, além de determinar a suspensão dos subsídios que eram parte do esforço para impulsionar a transição da indústria automobilística dos Estados Unidos — mais uma medida controvertida.
O fim dos subsídios teria impacto sobre o setor que foi incentivado a investir para se adaptar. Além disso, os recursos estão previstos em lei, que o presidente não poderia revogar sozinho, e a aprovação no Congresso enfrentaria resistência inclusive dos republicanos de Estados beneficiados com os incentivos.
Autorização para o Tik Tok
Trump também usou os decretos para adiar a proibição do TikTok em pelo menos 75 dias. Mais uma vez, resta dúvida se o presidente teria esse poder considerando que a lei foi aprovada no Congresso e confirmada pela Suprema Corte.
Citando preocupações com a segurança nacional, a legislação determinou que o aplicativo da chinesa ByteDance teria que ser vendido. Caso contrário teria sua operação bloqueada nos Estados Unidos. O presidente poderia conceder uma extensão dos prazos para proibição, caso o comprador fosse encontrado, mas apenas se houvesse “progresso significativo” no acordo.
Com a decisão da Suprema Corte, o aplicativo chegou a ficar brevemente fora do ar nos Estados Unidos. Os americanos foram recebidos de volta no domingo, véspera da posse, quando Trump anunciou que pediria a extensão do prazo. Mesmo funcionando normalmente para os usuários, a rede social permanecia indisponível nas lojas de aplicativos.
Além das possíveis contestações ao decreto na Justiça, as empresas podem entender que a ordem do presidente não garante que estarão imunes das punições previstas em lei para quem fornecer acesso ao Tik Tok.

Perdão aos réus do 6 de Janeiro
Em outra frente, o presidente perdoou a maioria dos réus envolvidos no ataque ao Capitólio e comutou as sentenças de 14 integrantes das milícias extremistas Proud Boys e Oath Kepers, além de ordenar que o Departamento de Justiça rejeite as acusações pendentes.
Os perdões desfazem a maior investigação da história do Departamento de Justiça dos Estados Unidos mas, apesar de enfrentar críticas até mesmo de alguns republicanos, os réus pelo ataque ao Capitólio começaram a ser liderados logo após os indutos presidenciais.
Essa lista inclui Enrique Tarrio e Stewart Rhodes, que na época eram líderes respectivamente do Proud Boys e do Oath Keepers. Embora não estivessem em Washington no dia da invasão, eles foram condenados a 22 e 14 anos de prisão por conspirar para o ataque./Com informações de NY Times e W. Post